8 de junho de 2010

Sentença Criminal Condenatória

Na tentativa de retomar as atividades no blog, publico sentença criminal condenatória, já apreciada e mantida pelo Tribunal de Justiça do Maranhão. Trata-se de um interessante processo, pois envolve latrocínio e concurso de agente e de delitos. O caso teve muita repercussão na cidade de Viana/MA


Ação Penal n0 753/07 (Reunida, por continência, com a Ação Penal nº 250/07)
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
Promotora de Justiça: ANA CAROLINA CORDEIRO DE MENDONÇA LEITE
Acusados: WELISSON MUNIZ SOUSA, VULGO “LELECO”, E LAÉRCIO AZEVEDO PENHA
Advogados: ANTONIO DE PÁDUA E EZEQUIEL PINHEIRO GOMES
Juiz de Direito: MÁRIO MÁRCIO DE ALMEIDA SOUSA
SENTENÇA
Inicialmente, o Ministério Público Estadual ofereceu denúncia contra Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, nos seguintes termos:
“Consta do incluso Inquérito Policial, base da presente Denúncia, que o Denunciado, juntamente com outro comparsa ainda não identificado, no dia 19 de fevereiro de 2007, juntamente com outro comparsa ainda não identificado, no dia 19 de fevereiro de 2007, por volta das 23:30 horas, roubaram as vítimas RAINÉRIO COSTA MENDES e JOSENIRA DE JESUS SANTOS VIEIRA, e para roubarem as vítimas JOSÉ CARLOS NOGUEIRA CARDOSO, MARGARIDA PEREIRA MENDONÇA e CLÁUDIO ROBERTO COSTA, mataram o vitimado ANTÔNIO ANDRADE MENDES, com um disparo de arma de fogo e feriram, com a mesma arma, os demais vitimados.
Segundo apurado no procedimento investigatório, os denunciados no dia dos fatos abordaram os vitimados RAINERIO COSTA MENDES e JOSENIRA DE JEUSS SANTOS VIEIRA, e mediante ameaça feita de arma em punho, subtraíram-lhes os celulares, um cordão de bijuteria e um relógio. Logo em seguida, os denunciados em continuação delitiva, abordaram do vitimados JOSÉ CLÁUIO NOGUEIRA CARDOSO, MARGARIDA PEREIRA MENDONÇA e CLÁUDIO ROBERTO COSA, os quais foram feridos à bala, tendo o primeiro falecido em decorrência dos ferimentos e os últimos ficados gravemente lesionados.
Mister seja dito que a segunda ação dos denunciados não foi apurada em sua integridade, tendo em razão disso, a autoridade policial solicitado prazo para a conclusão do inquisitório. Entanto os elementos até então trazidos aos autos se revelam complementadas as investigações em autos próprios, a fim de que com os novos elementos eventualmente trazidos à lume possa este Órgão Ministerial aditar a peça acusatória, inclusivo para incluir o comparsa do denunciado ainda não identificado.” (fls.02/03)
Essa peça deu origem à Ação Penal nº 250/07 e foi recebida à fl.46.
O réu Welisson foi ouvido e negou a autoria delitiva (AP nº 250/07, fls.89/91). Sua defesa prévia repousa às fls.93/95 (AP nº 250/07).
Foram ouvidas 04 (quatro) testemunhas de acusação e 07 (sete) de defesa (AP nº 250/07, fls.152/165, 199/206 e 223/224).
Foi-lhe denegada ordem de Habeas Corpus (AP nº 250/07, fl.195).
Concluída a instrução da Ação Penal nº 250/07, o Ministério Público Estadual, com base nos mesmos fatos, ofereceu nova denúncia contra Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, agora autuada sob o nº 753/07 e tendo também como acusado Laércio Azevedo Penha. Eis a respectiva transcrição:
“No dia 19.02.2007, por volta das 23:30 horas, as vítimas Rainerio Costa Mendes e Josenira de Jesus Santos Vieira festejavam o carnaval na companhia de duas crianças nas proximidades da rodoviária de Viana-MA, ocasião em que perceberam a aproximação suspeita dos dois denunciados.
Após seguir as vítimas por algum tempo, os denunciados as abordaram e anunciaram um assalto apontando armas de fogo para as mesmas, sendo que um dos meliantes agarrou Rainerio pelo braço, enquanto o outro dominou a vítima Josenira.
Nesse contexto, os denunciados subtraíram para si o celular de Rainerio, dois cordões de bijuteria da vítima Josenira, bem como o relógio de pulso do filho desta última, tendo em seguida libertado as vítimas, que correram para lugar seguro.
Passados aproximadamente 15 minutos do primeiro assalto, no mesmo local, os denunciados abordaram as vítimas José Carlos Nogueira e Margarida Pereira Mendonça, anunciado um assalto e agarrando ambos pelo braço, na tentativa de dominá-los.
Em seguida, José Carlos e Margarida conseguiram se desvencilhar dos denunciados e começaram a correr na tentativa de fugir do assalto, momento em que Welisson e Laércio dispararam diversos tiros de arma de fogo contra as vítimas, vindo a atingir Margarida na perna esquerda e José Carlos no tórax, causando nos mesmos as lesões descritas nos laudos de fls.03/04.
As lesões sofridas por José Carlos Nogueira ocasionaram a sua morte, conforme o exame cadavérico de fls.03.” (AP nº 753/07, fls.02/04)
Foram então arroladas oito testemunhas de acusação (AP nº 753/07, fl.04).
Exame cadavérico, de corpo de delito, termos de reconhecimento e exames complementares às fls.07/09, 14, 17, 26, 39, 55/56, 58, 102/108 (AP nº 753/07).
Certidões de antecedentes criminais às fls.48, 77/78 e 109/114 (AP nº 753/07).
A segunda denúncia foi recebida à fl.64.
Os acusados foram devidamente qualificados e interrogados e negaram a autoria delitiva (AP nº 753/07, fls.116/117).
Apenas o réu Laércio apresentou defesa prévia (AP nº 753/07, fl.119).
Por tratarem dos mesmos fatos, autores e vítimas, foi determinada, por continência, a reunião das Ações Penais nºs 753/07 e 250/07 (AP nº 753/07, fl.158).
Foram devidamente ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes (AP nº 753/07, fls.136/141, 202/204, 221/222).
Indeferiu-se pedido de acareação e reconstituição simulada dos fatos, formulado pela defesa de Welisson.
Por determinação deste juízo, foram reinquiridas quatro testemunhas (AP nº 753/07, fls.236, 259/262).
Às fls.226/233 (AP nº 753/07), o Ministério Público Estadual pugnou pela condenação dos acusados nas penas dos “arts. 157, §2º, I e II; 157, §3º, parte final c/c art.14, II; 157, 3º, parte final; 129, §1º, I, II e III e §2º, I, todos do Código Penal”.
Alegações finais das defesas às fls.264/269 e 279/292, ambas pugnando pela absolvição.
É o que importa relatar.
Logo de início, cumpre registrar, sem delonga, que o depoimento de Idenilson de Sá Costa pode ser considerado como indício da participação de Laércio Azevedo Penha nos delitos ora examinados.
Todavia, as declarações dessa testemunha se mostraram contraditórias e, por isso mesmo, não servem para sustentar uma condenação.
Em verdade, não há nos autos elementos suficientes para condenar o acusado Laércio Azevedo Penha. É dizer: não há provas de que ele tenha concorrido para as infrações penais cuja prática lhe imputa o Ministério Público.
Em diversas passagens, Josenira de Jesus Santos Vieira afirmou ter reconhecido Welisson, mas:
- “que não sabe descrever o outro elemento”; (AP nº 753/07, fl.153/154)
- “que em nenhum momento foi chamada para fazer o reconhecimento do outro acusado, até porque não tinha como reconhece-lo” [sic]; (AP nº 250/07, fl.153/154)
- “que foi o acusado conhecido como Leleco, aqui presente quem assaltou a depoente, seu cunhado Rainério, seu filho Ítalo e seu sobrinho Vínicius; que, entretanto, não pode afirmar que o homem que praticou o crime em companhia de Leleco é o acusado Laércio” [sic] (AP nº 753/07, fl. 259).
A testemunha de acusação José Cutrim, por sua vez, também disse ter reconhecido Welisson e “que não dar para descrever o outro elemento” [sic]; “que entretanto não sabe dizer quem era o homem que o acompanhava, pois não viu seu rosto” (AP nº 753/07, fls.146/147 e 260).
Destarte, como não existe prova de ter ele concorrido para a infração penal, impõe-se a absolvição de Laércio Azevedo Penha, nos termos do art.386, V, do Código de Processo Penal.
Por outro lado, a mesma sorte não socorre o réu Welisson Muniz Sousa, conhecido como “Leleco”.
Após analisar detidamente estes autos, tenho que há, sim, provas suficientes para condená-lo, embora não nos termos pretendidos pelo Ministério Público. E justificar esse entendimento não exige grande esforço argumentativo, sobretudo em virtude dos firmes e convincentes depoimentos testemunhais.
Como são várias as ações, cada uma delas será examinada isoladamente.
Da ação contra Rainério Costa Mendes e Josenira de Jesus Santos Vieira
Segundo o Ministério Público Estadual, contra essas vítimas Welisson e um outro indivíduo teriam cometido o delito de roubo qualificado pelo emprego de arma e concurso de agentes (CP, art.157, § 2º, I e II).
Nesse ponto, a denúncia é, sim, de todo procedente, porquanto a materialidade e a autoria delitivas emergem, cristalinas, dos firmes depoimentos prestados por Josenira de Jesus Santos Vieira.
A seguir, a transcrição dos principais trechos:
“Que reitera integralmente os depoimentos já prestados neste juízo; Que foi o acusado conhecido como “Leleco”, aqui presente quem assaltou a depoente, seu cunhado Rainério, seu filho Ítalo e seu sobrinho Vinícius; Que, entretanto, não pode afirmar que o homem que praticou o crime em companhia de Leleco é o acusado Laércio; Que também viu que Leleco e seu comparsa assaltaram o seu José Nogueira e uma mulher cujo nome não se recorda; Que ambos os assaltantes estavam armados, mas não sabe quem atirou contra essas duas pessoas e atingiu José Nogueira; Que não viu quando a vítima Cláudio foi atingida; Que não tem dúvidas quanto ao reconhecimento do acusado Leleco, aqui presente [...]” (AP nº 753/07, fl.259) (Grifei)
“Que por volta das vinte e três e trinta horas do dia citado na denuncia a depoente vinha na Avenida Luis de Almeida Couto na companhia de seu cunhado Rainerio, seu filho menor e um sobrinho; que em determinado momento perceberam que estavam sendo seguidos por dois elementos e como não queriam assustar as crianças preferiram não correr a depoente e seu cunhado; que após passarem do hotel água viva a depoente ouviu um dos elementos falar "é agora", oportunidade em que um dos elementos quebrou uma garrafa de cachaça no chão e os dois elementos partiram para cima da depoente do seu cunhado e das crianças armados com revolveres cada um com uma arma; que a depoente reconheceu um dos elementos como sendo Leleco, técnico em eletrônica que inclusive já tinha levado para consertar uma televisão do pai da depoente, televisão esta que até hoje nunca foi devolvida; que também conhece Leleco posto que o mesmo foi marido de Maria amiga da depoente; que Maria mora no bairro Vinagre na Rua Vasco da Gama, mais esqueceu o nome do pai e da mãe da amiga; que durante o assalto a depoente entregou celular, cinco reais, relógio do seu filho e um colar de bijuteria e o seu cunhado entregou um celular; que Leleco imobilizou o cunhado da depoente ameaçando-lhe com o revolver e o seu comparsa imobilizou a depoente e ficava passando o revolver na cabeça da mesma e também tocando em seu corpo de forma libidinosa, nos seios, na vagina na frente das crianças [...]” (AP nº 250/07, fls.152/155) (Grifei)
Essas afirmações também foram corroboradas por José Cutrim, que declarou:
“Que no último dia dezenove de fevereiro (2007), por volta das 23:40 horas, estava em sua casa, nas proximidades da Rodoviária de Viana, onde trabalha como vigia para a Prefeitura. Que o depoente estava saindo de sua casa quando a senhora Josenira lhe falou que havia acabado de ser assaltada e que dois assaltantes haviam lhe tomado um relógio, um cordão e dois celulares; que a Josenira ficou conversando com o depoente esperando um moto-taxista para chamar a policia: que cerca de vinte minutos depois viram um casal passando no mesmo local onde Josenira foi assaltada e viram também os dois assaltantes de Josenira se aproximando do casal [...] Que na delegacia reconheceu Leleco como um dos assaltantes e como sendo aquele que atirou na mulher e no homem; Que já conhecia Leleco e apenas ouviu comentários de que ele estaria envolvido em crimes; Que não sabe que era o outro assaltante; Que o rapaz baleado morreu; Que depois de atirar no casal, Leleco ainda atirou no indivíduo conhecido como Badaró [...]” (AP nº 743/07, fls.137/138) (Grifei)
“Que estava em sua casa por volta das vinte e três horas no dia citado na denuncia, quando Josenira chegou falando na porta que tinha sido assaltada [...] que Leleco atirou na direção do depoente duas vezes e depois atirou no rapaz que estava acompanhando a moça assaltada e este depois veio a falecer [...] que reconhece Leleco como um dos assaltantes e autor dos disparas, inclusive daquele que matou José Carlos porque dançou boi seis anos com o mesmo no boi urubu, portanto conhece bem o seu corpo e o seu jeito. Dada a palavra ao representante do Ministério Público, sob perguntas respondeu: que nunca teve nenhuma rivalidade ou rixa com Leleco; que não dar para descrever o outro elemento, porque quando o depoente deu o primeiro grito o outro elemento fugiu logo e somente Leleco ficou efetuando o disparo; que quando iniciaram os disparos todo mundo correu e ai Josenira entrou em uma das casas e Rainério ficou no canto de uma casa; que entre Josenira chegar e o outro assalto deram uns cinco minutos.” (AP nº 250/07, fls.156/157 – AP nº 753/07, fls.146/147) (Grifei)
“Que presenciou os dois crimes atribuídos ao acusado Leleco e não tem dúvida de que ele foi o seu autor, pois o reconheceu quando das ações; Que entretanto não sabe dizer quem era o homem que o acompanhava, pois não viu seu rosto; Que viu o momento em que Leleco atirou contra a mulher que acompanhava o sr. José Carlos, atingindo-a na perna; Que viu também quando Leleco atirou contra o sr. José Carlos; Que não tem dúvidas quanto ao reconhecimento do acusado Leleco, aqui presente; Que também foi Leleco quem atirou contra o depoente, mas não o atingiu; Que o homem que acompanhava Leleco não atirou em ninguém; Que não conhece Laércio, morador do “Campo Novo”; Que não reconheceu o segundo homem porque ele correu logo depois do primeiro disparo efetuado por Leleco.” (AP nº 753/07, fl.260) (Grifei)
Como se vê, a prova oral não deixa dúvidas de que, em 19.02.07, Welisson Muniz Sousa e um comparsa “abordaram os vitimados RAINERIO COSTA MENDES e JOSENIRA DE JESUS SANTOS VIEIRA, e mediante ameaça feita de arma em punho, subtraíram-lhes os celulares, um cordão de bijuteria e um relógio”.
Registre-se, por oportuno, que se afigura irrelevante o fato deste juízo ter reconhecido que Laércio não concorreu para a prática do delito, pois resta comprovado que Welisson agiu em companhia de uma outra pessoa.
Nesse sentido:
“APELAÇÃO CRIMINAL. DENÚNCIA POR FURTO QUALIFICADO PELO ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO E CONCURSO DE DUAS PESSOAS (ART. 155, § 4º, I E IV DO CP). CISÃO DO PROCESSO. Sentença condenatória de um dos acusados que não analisa a qualificadora do concurso de agentes, por julgá-la prejudicada em razão da separação do processo. Impossibilidade. CIRCUNSTÂNCIA QUE PODERÁ SER RECONHECIDA MESMO QUANDO NÃO IDENTIFICADO O CO-AUTOR. NULIDADE. DECISÃO CITRA PETITA. APELO MINISTERIAL PROVIDO. Como a sentença deve ser completa, é nula se o juiz deixar de examinar toda a matéria articulada ou de considerar todos os fatos articulados na denúncia contra o réu. (Júlio Fabbrini Mirabete)” (Apelação Criminal (Réu Preso) nº 2004.036303-8, 2ª Câmara Criminal do TJSC, Urubici, Rel. Des. Maurílio Moreira Leite. unânime, DJ 25.02.2005).
Da ação contra José Carlos Nogueira, Margarida Pereira Mendonça e Cláudio Roberto Costa
Em suas alegações finais, o Ministério Público Estadual consignou que Welisson e um comparsa teriam cometido os delitos de latrocínio consumado contra José Carlos Nogueira, de latrocínio tentado contra Margarida Pereira Mendonça e de leões corporais graves e gravíssimas contra Cláudio Roberto Costa.
De fato, o exame cadavérico de fl.07 e os laudos de fls.08, 09, 55/56 e 57, todos juntados aos autos da Ação Penal nº 753/07, comprovam que a ação resultou na morte de José Carlos e em ferimentos em Margarida e Cláudio. Do mesmo modo, os depoimentos abaixo transcritos revelam que Welisson foi um dos responsáveis por esses graves fatos. Aliás, revelam que foi ele o autor dos disparos que atingiram as vítimas.
Margarida Pereira Mendonça declarou:
“Que no carnaval de fevereiro/2007 a depoente estava caminhando próximo da rodoviária com o seu primo José Carlos Nogueira, quando foi abordada por dois elementos; Que isso ocorreu por volta das 24:00 horas; Que havia pouca gente no local; Que os elementos se encontravam à pé; Que apareceram de repente em frente da depoente e seu primo; Que um estava de bermuda e camisa e outro de macacão de alça e camisa; Que ambos eram jovens, que um deles estava com cabelo pintado de amarelo; Que eles chegaram e pediram fósforo; Que a depoente e seu primo disseram que não fumava e não tinham fósforo; Que diante dessa resposta um dos acusados agarrou o braço direito da depoente, procurando levá-la do local; Que o seu primo tentou impedir também segurando o braço da depoente; Que quando eles viram que não iam conseguir levar a depoente esta foi empurrada; Que nesse momento tentou correr para escapar dos agressores; Que de repente sentiu uma dor na perna esquerda e ouviu o barulho de um tiro; Que nesse momento caiu; Que a seguir seu primo veio tentar levantar a depoente e disse que também estava baleado, pois os bandidos haviam atirando nele; Ato continuo o seu primo caiu e ficou no chão; Que a depoente conseguiu se arrastar e gritar socorro; Que haviam umas pessoas próximas que correram para socorrê-la; Que foram alguns rapazes que a socorreram; Que os assaltantes então correram; Que não sabe exatamente qual dos dois atirou na depoente e no seu primo; Que não sabe dizer os nomes dos marginais, pois não os conhecia, pois estava há poucos dias na cidade; Que a depoente estava hospedada na casa de seu pai e tinha ido a Viana para brincar o carnaval; Que seu primo era solteiro, não tinha mulher nem filhos e deveria ter uns quarenta anos de idade; Que acredita que seu primo morreu no local; Que chegou a ser levado para o hospital, mas acredita que já chegou lá morto; Que o tiro atingiu no coração; Que a depoente estava no hospital, mas não ficou internada porque a bala entrou em um local e saiu no outro; Que ficou uma semana sem poder se locomover; Que como seqüela ficou com a perna esquerda dormente, mas com todos os seus movimentos; Que dias depois o delegado de Viana/MA apresentou à depoente as fotos dos assassinos Wellison Muniz Sousa e Laércio Azevedo Penha e que a depoente reconheceu um deles, um moreno, como um dos que praticaram o assalto e mataram o seu primo; Que ouviu falar que os dois marginais eram elementos perigosos e conhecidos da polícia em Viana/MA; Que não pode compreender porque estavam soltos e armados, assaltando cidadão da cidade; Que ouviu falar que só um dos assassinos está preso; Que quando ocorreu o assalto contra a depoente um dos tiros disparados pelos assaltantes atingiu Cláudio Roberto Costa, que estava na calçada de sua casa, verificando o que estava acontecendo; Que soube que Cláudio levou um tiro na virilha e ficou permanentemente incapacitado para o trabalho; Que logo em seguida a depoente voltou para São Luís/MA.” (fls.221/222).
José Cutrim afirmou:
“Que no último dia dezenove de fevereiro (2007), por volta das 23:40 horas, estava em sua casa, nas proximidades da Rodoviária de Viana, onde trabalha como vigia para a Prefeitura. Que o depoente estava saindo de sua casa quando a senhora Josenira lhe falou que havia acabado de ser assaltada e que dois assaltantes haviam lhe tomado um relógio, um cordão e dois celulares, que a Josenira ficou conversando com o depoente esperando um moto-taxista para chamar a policia: que cerca de vinte minutos depois viram um casal passando no mesmo local onde Josenira foi assaltada e viram também os dois assaltantes de Josenira se aproximando do casal; que para defender o casal o depoente decicidiu pedir uma arma para o seu vizinho, mas este lhe falou que já havia vendido; que ao retornar o depoente viu o um dos assaltantes, o mais baixo, segurando no braço da menina, que tentou se livrar e levou um tiro na perna deste mesmo assaltante; que depois do tiro a moça baleada correu pedindo socorro, enquanto seu acompanhante tentou correr também, mas escorregou e foi baleado pelo mesmo homem que atirou na mulher; quem seguida o mesmo atirador deu dois passos pra trás e atirou novamente no rapaz, que caiu logo em seguida; que o depoente ainda gritou para o assaltante não matar o rapaz, mas este respondeu dando dois tiros em direção ao depoente [...] Que na delegacia reconheceu Leleco como um dos assaltantes e como sendo aquele que atirou na mulher e no homem; Que já conhecia Leleco e apenas ouviu comentários de que ele estaria envolvido em crimes; Que não sabe que era o outro assaltante; Que o rapaz baleado morreu; Que depois de atirar no casal, Leleco ainda atirou no indivíduo conhecido como Badaró; Que o depoente nada sabe sobre o crime praticado contra Badaró, mas foi informado por ele próprio que o autor teria sido Leleco [...]” (AP nº 753/07, fls.137/138)
“Que estava em sua casa por volta das vinte e três horas no dia citado na denuncia, quando Josenira chegou falando na porta que tinha sido assaltada [...] que Leleco atirou na direção do depoente duas vezes e depois atirou no rapaz que estava acompanhando a moça assaltada e este depois veio a falecer; que os elementos correram e o depoente foi ver quem era a vitima e o reconheceu como sendo Zé Carlos seu vizinho da rua detrás; que reconhece Leleco como um dos assaltantes e autor dos disparas, inclusive daquele que matou José Carlos porque dançou boi seis anos com o mesmo no boi urubu, portanto conhece bem o seu corpo e o seu jeito. [..] que não dar para descrever o outro elemento, porque quando o depoente deu o primeiro grito o outro elemento fugiu logo e somente Leleco ficou efetuando o disparo [...]” (AP nº 753/07, fls.156/157)
“Que presenciou os dois crimes atribuídos ao acusado Leleco e não tem dúvida de que ele foi o seu autor, pois o reconheceu quando das ações; Que entretanto não sabe dizer quem era o homem que o acompanhava, pois não viu seu rosto; Que viu o momento em que Leleco atirou contra a mulher que acompanhava o sr. José Carlos, atingindo-a na perna; Que viu também quando Leleco atirou contra o sr. José Carlos; Que não tem dúvidas quanto ao reconhecimento do acusado Leleco, aqui presente; Que também foi Leleco quem atirou contra o depoente, mas não o atingiu; Que o homem que acompanhava Leleco não atirou em ninguém [...] Que não reconheceu o segundo homem porque ele correu logo depois do primeiro disparo efetuado por Leleco.” (AP nº 753/07, fl.260)
E José Nelson Pereira acrescentou:
“Que participou das primeiras diligencias realizadas para esclarecerem os fatos narrados na denuncia; QUE baseada nas declarações de Idenilson a policia logo de inicio teve como suspeito Leleco e Laércio; Que o depoente estava presente quando foram lavrados os termos de reconhecimentos de fls. 14 e 17; Que em ambos os procedimentos Josenira e José Cutrim reconheceram Leleco como sendo o autor do crime; QUE não conhecia Laércio, mas pode afirmar que contra LELECO foram feitas varias reclamações na policia por problemas na prestação de serviços eletrônicos, alguns casos por ele se apropriar dos objetos. O Ministério Público não fez questionamento. Dada a palavra ao advogado do acusado LELECO, sob perguntas respondeu: Que LELECO foi preso, por alguns dias, solto e em seguida preso novamente, mas não sabe precisar por ordem de quem; QUE não tem conhecimento de ameaças dos acusados contra as testemunhas.” (fl.141)
Não obstante tudo isso, penso que não há como considerar cada um desses fatos como delito autônomo, a exigir condenações e penas individualizadas, como pretende a acusação.
Conforme remansosa jurisprudência e abalizada doutrina, o latrocínio é crime complexo, decomposto em crime-meio e crime-fim, permanecendo a unidade delitiva.
E isso implica, necessariamente, em duas conclusões: 1) neste caso, mesmo que o delito-meio se apresente sob a forma de múltiplas infrações (morte de José Carlos e lesões corporais em Margarida e Cláudio), há crime único, pois o que Welisson e seu comparsa pretendiam era assegurar o sucesso de sua empreitada criminosa; 2) as graves conseqüências das ações de Welisson e seu comparsa devem ser consideradas na fixação da pena (CP, art.59), não como delitos autônomos.
Acerca do tema, confira-se o magistério de Basileu Garcia, citado por Alberto Silva Franco e Rui Stoco:
“Crime complexo é aquele em cuja composição, ou em cuja especial agravação, figuram fatos que por si mesmos constituem infrações penais.”
Na mesma linha, há muito vêm decidindo as Cortes do Brasil:
“Se há diversidade de vítimas fatais, há um único latrocínio.” (TJSP, RJTJSP 174/328)
“Há crime único, mesmo que o delito-meio se apresente sob a forma de múltiplas infrações (morte de uma pessoas e lesão corporal em outras), já que o delito-fim é um só” (TJSP, RT767/574)
“Há crime único e não crime continuado, (STF, RT 716/532), concurso material (TAMG, RT 748/710) ou concurso formal, devendo o número de vítimas ser considerado nos termos do art. 59 do CP (TJSP, RJTJDP 112/474). Idem, se uma vítima morre e a outra sofre lesões, ficando absorvido o crime de lesão corporal.” (TJSP, RT 685/312)
“Tratando-se o latrocínio de delito complexo contra o patrimônio, a multiplicidade de crimes-meio não altera sua unidade, independentemente da diversidade de vítimas, não se podendo reconhecer, em tal hipótese, a ocorrência de concurso material, mas de crime único, cuja pena-base será agravada a teor do art. 59 do CP” (TAMG – Ap. – Rel. Erony da Silva – j.30.09.1997 – RT 748/710)
“No caso de uma única subtração patrimonial com pluralidade de mortos reportando a unidade da ação delituosa, não obstante desdobrado em vários atos, há crime único, com o número de mortes atuando como agravante judicial na determinação da pena-base.” (TJSP – AC – Rel. Dante Busana – RTJ 146/295). (página do livro 2640)
Por fim, não excede registrar que é de somenos importância o fato de nada ter sido subtraído de José Carlos, Margarida e Cláudio, uma vez que, nos termos do enunciado da Súmula 610 do Supremo Tribunal Federal, “há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima”.
Por todo o exposto, julgo parcialmente procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Público Estadual, para:
1) nos termos do art. 386, V, do Código de Processo Penal, absolver Laércio Azevedo Penha de todas as acusações formuladas nos autos da Ação Penal nº 753/07;
2) condenar Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, pela prática dos delitos tipificados no art. 157, § 2º, I e II, e art.157, § 3º, segunda parte, do Código Penal.
Das penas
Passo, agora, a dosar as penas de Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, nos termos dos artigos 59 e seguintes do Código Penal.
Antes disso, porém, registro que o emprego de arma e o concurso de agentes não são elementares ou qualificadoras do tipo, mas sim causas de aumento de pena, nos termos do art.157, § 20, I e II, do Código Penal. E que a conduta do réu se enquadra no art.69 do Código Penal (concurso material), porquanto, mediante mais de uma ação, ele cometeu os delitos de roubo e latrocínio. Por isso, as reprimendas fixadas para cada delito devem ser aplicadas cumulativamente.
Quanto ao delito praticado contra as vítimas Rainério Costa Mendes e Josenira de Jesus Santos Vieira (CP, art.157, § 2º, I e II)
A culpabilidade do réu resta incontestável, pois, à época dos fatos, contava 27 (vinte e sete) anos de idade, tinha plena consciência de que sua ação era ilícita e, portanto, dele era exigível conduta diversa.
Afora os fatos aqui tratados, nada há nos autos que desabone sua vida pregressa.
Os motivos do crime foram a ganância e o desejo de obter dinheiro fácil.
As circunstâncias do crime lhe são desfavoráveis, notadamente pelo número de vítimas, pela violência empregada contra elas e pelo fato de o delito ter sido cometido na presença de uma criança. O mesmo se diga das conseqüências da prática, haja vista que os bens subtraídos não foram restituídos aos legítimos proprietários.
O comportamento das vítimas em nada influenciou na prática criminosa.
Diante de todas essas circunstâncias, fixo a pena-base em 06 (seis) anos de reclusão e 120 (cento e vinte) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo dos fatos.
Não há atenuantes ou agravantes a considerar, tampouco causas de diminuição.
Devem incidir as causas de aumento previstas no art.157, § 2º, I e II, do Código Penal, razão pela qual elevo de metade as penas de prisão e multa.
Fixo, pois, a pena definitiva a ser cumprida pelo acusado em 09 (nove) anos de reclusão e 180 (cento e oitenta) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo dos fatos.
Quanto ao delito praticado contra as vítimas José Carlos Nogueira, Margarida Pereira Mendonça e Cláudio Roberto Costa (CP, art.157, § 3º, segunda parte)
A culpabilidade do réu resta incontestável, pois, à época dos fatos, contava 27 (vinte e sete) anos de idade, tinha plena consciência de que sua ação era ilícita e, portanto, dele era exigível conduta diversa.
Afora os fatos aqui tratados, nada há nos autos que desabone sua vida pregressa.
Os motivos do crime foram a ganância e o desejo de obter dinheiro fácil.
As circunstâncias e conseqüências do crime lhe são extremamente desfavoráveis, sobretudo devido à violência empregada contra as vítimas, que resultou na morte de uma delas e em graves e gravíssimos ferimentos nas outras duas (debilidade permanente, conforme laudos de fls.08, 09, 55/56 e 57).
O comportamento das vítimas em nada influenciou na prática criminosa. Sua reação foi legítima e não justifica o delito.
Diante de todas essas circunstâncias, fixo a pena-base em 27 (vinte e sete) anos de reclusão e 800 (oitocentos) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo dos fatos.
Não há atenuantes ou agravantes. Inexistem também causas de diminuição ou aumento.
Fixo, pois, a pena definitiva a ser cumprida pelo acusado Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, em 27 (vinte e sete) anos de reclusão e 800 (oitocentos) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo dos fatos.
Do concurso material (CP, art.69)
Conforme já foi exposto, por força do artigo 69 do Código Penal, as penas impostas ao réu devem ser aplicadas cumulativamente. Perfazem, portanto, 36 (trinta e seis) anos de reclusão e 980 (novecentos e oitenta) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo dos fatos.
Absolutamente incabível a substituição das penas privativas de liberdade (CP, arts.44, I, e 69, § 1º).
A reprimenda deverá ser cumprida em regime inicialmente fechado (CP, art.33, § 2º, a, e 3º, c/c art.59, III).
O local de cumprimento será o Complexo Penitenciário de Pedrinhas.
O réu deverá permanecer preso se quiser recorrer, uma vez que assim esteve durante a instrução processual e não seria agora que poderia ser libertado, notadamente porque permanecem as razões que justificaram a decretação de sua custódia cautelar. Malgrado abalizadas opiniões em contrário, penso não haver qualquer ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência (STJ, Súmula 9 ).
Deixo de fixar o valor mínimo referido no art.387, IV, do Código de Processo Penal, porquanto não houve qualquer manifestação das vítimas nesse sentido.
Transitada em julgado esta decisão:
1) Lance-se o nome do condenado no rol dos culpados;
2) Oficie-se à Justiça Eleitoral, com cópia da denúncia, desta sentença e da respectiva certidão do trânsito em julgado, para os fins do artigo 15, III, da Constituição Federal;
3) Expeça-se guia para pagamento da multa arbitrada e intime-se o condenado para pagá-la, no prazo de 10 (dez) dias;
4) Decorrido o sobredito prazo sem que haja o devido pagamento, voltem-me conclusos os autos, para deliberação;
5) Expeça-se Carta de Guia, enviando-a ao responsável pelo Complexo Penitenciário de Pedrinhas, onde a reprimenda será cumprida, com cópia da denúncia, desta decisão e da certidão do trânsito em julgado.
Custas processuais pelo réu Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, na forma da lei.
Expeça-se, imediatamente, alvará de soltura em favor de Laércio Azevedo Penha.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Viana/MA, 05 de dezembro de 2008.

Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa
Titular da 1ª Vara

4 de julho de 2009

Magistratura ajoelhada

Segue um desabafo. Espero que fomente a reflexão

Quando eu ainda era um adolescente, meu querido tio Sinval me ensinou que quem fala muito dá bom dia a cavalo. Embora tenha concordado com a máxima desde o primeiro momento, devo confessar que sempre tive dificuldade de exercitá-la. Muitas vezes não cumprimentei um cavalo, fui o próprio – talvez isso explique este texto. Para tentar serenar esse ímpeto animalesco, recorri a muitas coisas. Mas somente encontrei as explicações que buscava na obra Sobre a tagarelice, do filósofo Plutarco. Recomendo a leitura, pois ela ajuda a compreender que não se deve censurar à natureza por ter dado aos homens uma só boca e dois ouvidos.
Passo, pois, ao mérito, como se diz na linguagem judicial.
Em 2004, o Poder Judiciário passou por aquilo que se convencionou chamar de Reforma do Judiciário. Do ponto de vista prático, a alteração mais significativa foi, sem dúvida, a criação do Conselho Nacional de Justiça. Desde o início apoiei a idéia, principalmente por acreditar que o Conselho seria de grande valia para a construção de um Poder Judiciário capaz de fazer aquilo que talvez seja sua finalidade precípua e mais nobre: distribuir justiça e promover, na medida do possível, a pacificação social. Passados quase cinco anos, são inegáveis os avanços decorrentes da atuação do CNJ, como a proibição do nepotismo, por exemplo.
Em que pese isso, ouso dizer que, a pretexto de “fazer o Judiciário funcionar” e “dar uma resposta à sociedade”, o CNJ tem-se excedido, tanto ao avançar em áreas que não lhe dizem respeito, como ao estabelecer metas e cobrar resultados que sabidamente não podem ser alcançados, não com as condições atuais da maioria dos Fóruns deste país continental – e por isso mesmo multifacetado. A propósito, convido a todos que desejarem a visitar o Fórum da Comarca de Viana, no Maranhão. Lá, em menos de um minuto é possível constatar que, para “fazer o Judiciário funcionar”, não bastam discursos, pactos disso e daquilo. Como se diz por aí, de boas intenções o inferno está cheio.
Com o devido respeito, somente alguém sem a menor noção do que é a atividade de um juiz pode crer que, em menos de um ano, os magistrados e magistradas brasileiros conseguirão julgar todos os processos distribuídos até 31 de dezembro de 2005. É a chamada Meta II, constante da Resolução n0 70, de 18 de março de 2009. Ressalte-se que pouco importa que o atual titular do juízo não tenha contribuído para o atraso!
Não bastasse o absurdo em si, ele já deu crias. Para iniciar esse megalômano feito, os juízes brasileiros foram instados a informar, até 5 de julho de 2009, a quantidade de processos incluídos na Meta II. Poucos dias depois, uma mente brilhante decidiu que tantas outras informações deveriam ser prestadas. Resultado: será necessário rever todos os processos. E no mesmo prazo. Imagine-se a loucura para cumprir essa metinha com um quadro reduzido de servidores, sem espaço para separar os autos e, principalmente, tendo que manter o atendimento ao público e as audiências. Ah! Quase esqueço de mencionar que, dias antes de requisitar as informações relativas à Meta II, o CNJ havia determinado o preenchimento de um questionário, o que implicou na análise de todos, todos os processos existentes na vara!!!
Pior de tudo é que, salvo raras exceções, aqueles que poderiam reagir institucionalmente nada dizem, nada fazem, sequer reclamam. Sinceramente, não sei como interpretar essa postura. Como diria Martin Luther King, “o que preocupa é o silêncio dos bons”.
É evidente que algo deve ser feito para acabar ou pelo menos diminuir a chamada “taxa de congestionamento” da Justiça nacional. Todavia, essa luta não pode ser travada sem a preservação da qualidade das decisões. Justiça tardia é injustiça. Justiça rápida demais é irresponsabilidade. Como escrevi noutra oportunidade, estatística positiva é importante, mas eu estudei e estudo para dar prevalência às pessoas, não aos números.
Por óbvio, não estou a defender que juízes não tenham metas de desempenho, até mesmo porque já as temos. Tanto assim que, há anos, eu e muitos valorosos colegas Brasil afora temos conseguido proferir sentenças em número maior que o de processos novos - Deus sabe a que custo. Defendo, sim, que não incorramos na nefasta prática de prometer aquilo que não poderemos dar; que não coloquemos todos os magistrados na vala comum da inoperância, da falta de compromisso com a nobre e honrosa tarefa de julgar; que sejamos cobrados, enfim, na medida das condições que nos forem ofertadas.
É hora de encerrar. Creio que já relinchei demais. Que me perdoem, então, os magistrados e magistradas sérios, probos, dedicados e trabalhadores do Brasil, mas o meu sentimento, meu triste sentimento é de que a magistratura brasileira está de joelhos. De joelhos diante de um Conselho que não aconselha, não orienta, cobra sem oferecer condições e, sobretudo, não considera, como ensina a sabedoria popular, que cada caso é um caso.

20 de maio de 2009

Tribunal do Júri condena acusados de homicídio em Viana

Em júri realizado na terça-feira, 19, os réus Edilson Pinto Silva e Givanildo Sousa Cutrim foram condenados a 18 anos de reclusão em regime fechado e seis anos de reclusão em regime semi-aberto. O juiz da 1ª vara da comarca, Mário Márcio de Almeida Sousa, presidiu o julgamento. Foi negado aos réus o direito de recorrer em liberdade.

Os acusados responderam pelo homicídio de José Antonio Sousa, o “Lourenço”. Consta do processo que o crime ocorreu em 19 de outubro de 2007, no Povoado Estrela de Santana (Viana), quando Edílson, que se encontrava acompanhado de Givanildo, teria desferido na vítima um tiro de espingarda do tipo conhecido como “bate-bucha”, causando-lhe a morte.

Segundo a acusação, o crime teria sido motivado por vingança, uma vez que a vítima teria impedido que Edílson devastasse parte da área onde morava, uma reserva ambiental fiscalizada pelo Ibama. Conforme decisão do Conselho de Sentença, Edílson cometeu contra a vítima homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe (vingança), empregando meio que impossibilitou a defesa da vítima. A Givanildo, o Conselho atribuiu o delito de homicídio simples

De acordo com o processo, no dia do crime Edílson teria saído de casa e se dirigido para o Povoado Estrela na companhia de Givanildo. Este teria presenciado o momento em que Edílson teria escondido a espingarda de sua propriedade atrás da casa de forno da vítima. Ao escurecer, os acusados voltaram ao local, onde se esconderam atrás de uma parede, quando Edílson atirou contra José Antonio, que estava do lado de fora de sua residência e foi surpreendido pela ação do acusado.

O júri teve início às 9h e se encerrou às 18h30. Atuaram na acusação os promotores Ana Carolina Cordeiro de Mendonça Leite e Raimundo Benedito Barros Pinto. Na defesa, os advogados Hélio Leite (defesa de Edílson) e Cícero Carlos de Medeiros (defesa de Givanildo).


Marta Barros
Assessoria de Comunicação da CGJ
ascom_cgj@tjma.jus.br
( 98)3221.8527

11 de maio de 2009

MANDADO DE SEGURANÇA – APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO – EXPECTATIVA DE DIREITO OU DIREITO LÍQUIDO E CERTO?

Estou em Brasília, participando de um curso de Capacitação em Poder Judiciário, fruto de uma parceria entre a Escola Nacional de Magistratura - ENM e a FGV-Direito Rio. Foram selecionados 50 magistrados e magistradas de todo o Brasil, através de análise curricular.
Do Maranhão, somos eu, o Des. Paulo Velten e o juiz Anderson Sobral Azevedo.
Aproveito uma folga para atualizar o blog e publicar sentença que proferi em mandado de segurança, na última sexta-feira, 08 de maio de 2009.
Neste caso – e em mais outros sobre o mesmo tema -, tive a oportunidade de externar entendimento que há muito defendo: candidatos aprovados em concurso público, dentro do número de vagas, têm, sim, direito a nomeação.
O tema é polêmico. Mais uma vez, estou aberto ao debate.
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Mandado de Segurança n0 419/2009
Impetrante: STAEL REGINA MUNIZ CARVALHO
Impetrado: PREFEITO MUNICIPAL DE VIANA/MA
Juiz de Direito: MÁRIO MÁRCIO DE ALMEIDA SOUSA
SENTENÇA
Trata-se de Mandado de Segurança, impetrado por Stael Regina Muniz Carvalho, contra ato do Exmo. Sr. Prefeito do Município de Viana/MA.
De relevante para o deslinde da questão, a impetrante alegou, em síntese, que foi aprovada em concurso público realizado pelo município de Viana/MA, dentro do número de vagas previsto no edital, mas não foi nomeada, embora outras pessoas tenham sido contratadas precariamente (sem concurso) para o mesmo cargo.
Valendo-se de tais argumentos, pugnou pela concessão de tutela de urgência, a fim de que fosse nomeada e empossada, com os efeitos daí decorrentes.
No mérito, pediu a confirmação da liminar – que foi deferida.
Manifestou-se o Ministério Público Estadual pela concessão da segurança.
É o que importa relatar.
Desde os bancos da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Maranhão – UFMA, sempre me soou estranho o entendimento segundo o qual a aprovação em concurso público gera para o candidato apenas expectativa de direito.
Nunca fui capaz de aceitar que um órgão público se valesse – ou se valha - de concursos para fazer “caixa”. Menos ainda consigo admitir que se diga a alguém que passou dias, meses, anos, enfim, estudando para um certame que ele (candidato), uma vez aprovado, tem apenas a expectativa de ser “chamado”.
Também não simpatizo com os chamados “cadastros de reserva”, conquanto até os aceite, desde que sua natureza esteja expressamente prevista no edital.
Ora, quando o Estado lança um concurso e divulga o número de vagas, é evidente que o ato administrativo, antes discricionário, passa a ser vinculado, ou melhor, transmuda-se em ato vinculante. E que, por óbvio, os aprovados dentro desse número têm, sim, direito a nomeação.
A discricionariedade da Administração é de fato plena no que tange à necessidade e a conveniência de contratar e, portanto, de lançar edital. Todavia, tornada pública a convocação, surge o dever de contratar quem preencher os requisitos, desde que, é claro, dentro do número de vagas abertas.
Nem poderia ser diferente, porquanto, se houve exteriorização do interesse em contratar, forçoso é concluir que os profissionais a recrutar são necessários à boa prestação de serviços públicos e há previsão orçamentária para custear os respectivos vencimentos, sobretudo quando o Poder Público admite ter contratado pessoas sem concurso para a mesma função.
Admitir-se o oposto seria compactuar com o enriquecimento ilícito do Poder Público e malferir um direito legitimamente conquistado.
Neste caso, outra não é a hipótese tratada.
Conforme se depreende dos autos, a impetrante foi aprovada em certame realizado pelo município de Viana/MA e dentro do número de vagas previsto no edital. E isso, por si só, é o quanto basta para sua nomeação e posse.
Acerca do tema, confira-se o entendimento do C. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em acórdão lavrado pelo eminente Desembargador Antonio Guerreiro Júnior nos autos do Agravo de Instrumento nº 15.880/2008, interposto, aliás, pelo município de Viana/MA:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO. APROVAÇÃO DE CANDIDATO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS EM EDITAL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO E À POSSE NO CARGO. RECURSO PROVIDO.
I. Em conformidade com jurisprudência pacífica do c. STJ, o candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previstas em edital, possui direito líquido e certo à nomeação e à posse. II. A partir da veiculação, pelo instrumento convocatório, da necessidade de a Administração prover determinado número de vagas, a nomeação e posse, que seriam, a princípio, atos discricionários, de acordo com a necessidade do serviço público, tornam-se vinculados, gerando, em contrapartida, direito subjetivo para o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas em edital (RMS 20.718/SP, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 04.12.2007, DJ 03.03.2008 p. 1) III – Recurso desprovido.”
Nesse sentido também já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça, como revela a ementa a seguir transcrita:
“ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - CONCURSO - APROVAÇÃO DE CANDIDATO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS EM EDITAL - DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO E À POSSE NO CARGO - RECURSO PROVIDO. 1. Em conformidade com jurisprudência pacífica desta Corte, o candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previstas em edital, possui direito líquido e certo à nomeação e à posse. 2. A partir da veiculação, pelo instrumento convocatório, da necessidade de a Administração prover determinado número de vagas, a nomeação e posse, que seriam, a princípio, atos discricionários, de acordo com a necessidade do serviço público, tornam-se vinculados, gerando, em contrapartida, direito subjetivo para o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas em edital. Precedentes. 3. Recurso ordinário provido.” (RMS 20.718/SP, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 04.12.2007, DJ 03.03.2008 p. 1)
Por todo o exposto, confirmo a liminar e concedo a segurança pleiteada, para o fim específico de determinar ao Município de Viana/MA, na pessoa do Exmo. Sr. Prefeito, que promova, em definitivo, a nomeação e a posse da impetrante no cargo para o qual foi aprovada.
Esclareço, por oportuno, que os efeitos financeiros desta sentença devem retroagir somente à data da impetração.
Esta decisão deverá ser cumprida no prazo de dois dias, a contar da ciência pelo Exmo. Sr. Prefeito de Viana/MA, sob pena de multa diária no valor de R$500,00 (quinhentos reais), a ser suportada pelo patrimônio pessoal do Chefe do Poder Executivo Municipal.
Não há custas processuais ou honorários advocatícios a pagar (STF, Súmula 512, e STJ, Súmula 105).
Expirado o prazo legal sem recurso voluntário, subam os autos ao E. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.
Viana/MA, 08 de maio de 2009.

Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa
Titular da 1ª Vara

17 de abril de 2009

Representação eleitoral – Captação ilícita de sufrágio – Sentença - Procedência

Publico, a seguir, sentença que proferi no dia 13 de abril de 2009, nos autos de representação eleitoral.
E o faço para fomentar o debate, sobretudo no que tange aos efeitos da decisão.
Muitos não compreenderam. Já outros discordaram. Alguns aderiram ao entendimento.
Ao debate, então!



Representação Eleitoral no 139/2008 – São Mateus/MA
Representante: COLIGAÇÃO FRENTE DE LIBERTAÇÃO DE SÃO MATEUS
Advogados: RICARDO DA SILVA LINS E OUTROS
Representados: FRANCISCO ROVÉLIO NUNES PESSOA E JOSÉ MARIA TEIXEIRA PLÁCIDO
Advogados: WILLAMY ALVES DOS SANTOS E OUTROS
Promotor Eleitoral: CLODOMIR BANDEIRA LIMA NETO
Juiz Eleitoral: MÁRIO MÁRCIO DE ALMEIDA SOUSA
SENTENÇA
RELATÓRIO
Trata-se de Representação Eleitoral proposta pela Coligação Frente de Libertação de São Mateus, contra Francisco Rovélio Nunes Pessoa e José Maria Teixeira Plácido, eleitos, respectivamente, prefeito e vice-prefeito da cidade de São Mateus nas eleições de 2008.
De relevante para o deslinde da questão, a coligação representante asseverou, em síntese, que, no “dia 03.08.08, domingo, o representado promoveu uma grande passeata na cidade com vasta distribuição de camisas verdes, com a estampa em destaque do número em disputa, ou seja, o Número 43” [sic] (fl.04).
Aduziu, ainda, que “o Representado além da camisa entregava como atrativo aos eleitores o valor de R$20,00 (vinte reais) e uma nota de combustível com 06 (seis) litros de gasolina”[sic] (fl.05).
Em continuação, expôs seus argumentos de cunho jurídico, formulou pedidos de praxe e, no mérito, requereu:
a) “a procedência desta representação”, para o fim de “cassar o registro da candidatura ou o diploma (caso eleito) do representado, bem assim aplicar-lhe multa (em seu grau máximo, dada a gravidade da conduta e a quantidade de eleitores atingidos, por violação ao art.41-A, da Lei 9.504/97)”;
b) “negar o diploma ao representado, ou cassar-lhe, se no curso da ação vier a lhe ser outorgado, por violação ao art.30-A, da Lei 9.5-4/97”.
Com a inicial foram juntados os documentos de fls.17/24 e arroladas 04 (quatro) testemunhas.
Em suas defesas, os representados afirmaram, em suma, que não praticaram as ilegalidades apontadas pela representante e que esta não trouxe aos autos provas idôneas para sustentar suas acusações (fls.33/41). Com a defesa não foi apresentado rol de testemunhas.
No curso da instrução processual, foram realizadas duas audiências, ambas destinadas a ouvir as testemunhas trazidas pelas partes, bem assim aquelas cuja oitiva foi determinada pelo Juízo (Vol.I, fls.195/212 e Vol.II, fla393/404).
Encerrados os depoimentos testemunhais e juntados aos autos os documentos solicitados pelas partes, abriu-se o prazo de dois dias para alegações (Vol.II, fl.609).
Às fls.616/622, manifestou-se o Ministério Público Eleitoral “pela procedência da representação proposta, para que reconhecida a captação ilícita de sufrágio por parte do representado Francisco Rovélio Nunes Pessoa, seja cassado seu diploma, ex vi do disposto no artigo 41-A, da Lei n0 9.504/97, bem assim seja estabelecida multa em desfavor dos demais representados”.
Os representados, por sua vez, tornaram a asseverar, em suma, que “a representação é manifestamente improcedente e como tal deve ser julgada” (fls.623/666).
Já a representante pugnou pela procedência de suas pretensões (fl.667/679).
Por ter concluído a instrução, o Excelentíssimo Senhor Desembargador José JOAQUIM FIGUEIREDO dos Anjos, Corregedor Regional Eleitoral, expediu a Portaria n0 111/2009-CRE, que me designou para julgar o feito.
É o que importa relatar.
FUNDAMENTAÇÃO
Logo de início, cumpre delimitar quem pode ser diretamente atingido pela decisão a ser proferida neste feito, a capitulação jurídica das condutas nele tratadas e o lapso temporal que aqui interessa.
Do pólo passivo
Embora a coligação representante atribua somente ao representado Francisco Rovélio Nunes Pessoa as condutas tidas por ilícitas, o vice-prefeito eleito, José Maria Teixeira Plácido, também faz parte da relação processual, porquanto foi incluído no pólo passivo, foi devidamente citado, apresentou defesa e participou de todos os atos processuais.
Destarte, os efeitos desta decisão também o alcançam, sobretudo porque a jurisprudência nacional é assente no sentido de que o vice segue a sorte do cabeça da chapa. Portanto, doravante, também será ele tratado como representado.
Das condutas atribuídas aos representados
Conforme se extrai da inicial, pesa sobre os representados a acusação de que teriam distribuído dinheiro, camisas verdes com a inscrição “43” e notas de combustível para que pessoas participassem de carreata ou passeata por eles promovida. Tudo em troca de votos.
Tais condutas são reputadas ilícitas pelos artigos 39, § 60, e 41-A da Lei nº 9.405/97, que dispõem, respectivamente:
“Art.39 [...]
§ 6º É vedada na campanha eleitoral a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor.”
“Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.”
Nos termos dos artigos 30-A, §§ 10 e 20
[1], e 41-A da mesma Lei n0 9.504/97, as representações tendentes a apurar essas práticas devem seguir o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, e sujeitam os responsáveis a pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir e cassação do registro ou do diploma (30-A, § 20 e 41-A).
Contudo, impende registrar, com a devida vênia, o equívoco do entendimento segundo o qual, neste processo, os representados estariam sujeitos à sanção da inelegibilidade prevista no art. 22, XIV, da Lei Complementar n0 64/90. Em casos desse jaez, as Cortes Eleitorais já assentaram que “na hipótese de configuração da infração prevista no art. 41-A, da Lei nº 9.504/97, inaplicável a pena de inelegibilidade, tendo em vista que as sanções presentes neste artigo restringem-se às penas de cassação de registro ou diploma e multa”.
[2]
Do lapso temporal a perquirir
Nos exatos termos da peça que inicia este feito, as ações dos representados que devem ser investigadas são aquelas já referidas e que teriam sido praticadas em 03 de agosto de 2008. Nem um dia a mais. Nem um dia a menos.
Se, porventura, forem ventiladas outras ilicitudes, sua apuração deve se dar em procedimento próprio, tanto se atribuídas aos representados quanto a terceiros.
Da análise das pretensões postas
Feitos esses breves registros, passo ao exame das acusações contra aos representados.
Em última análise, os dispositivos legais acima transcritos têm por escopo garantir a regularidade e a legitimidade das eleições, a igualdade entre os candidatos e, sobretudo, a plena liberdade do eleitor no momento de fazer suas escolhas políticas.
Discorrendo sobre o bem jurídico tutelado pelo artigo 22, caput, da LC nº 64/90, Marcos Ramayana professa que são a “normalidade e legitimidade das eleições e interesse público primário da lisura eleitoral. A tutela jurisdicional subsume-se nos valores fundamentais à eficácia social do regime representativo”.
[3]
Rogando vênia ao respeitado jurista, estendo suas lições aos artigos 39, § 6º, e 41-A da Lei nº 9504/97, cuja finalidade não é outra senão assegurar eleições regulares, legítimas e que revelem apenas a verdadeira vontade popular.
Tamanha é a importância dada pelo legislador pátrio aos sobreditos institutos que, para as condutas que porventura venham a malferi-los, foram estabelecidas reprimendas extremamente severas, tanto no caput do já transcrito artigo 41-A, quanto no artigo 30-A, § 2º.
Busca-se, com tanto rigor, não apenas punir de modo exemplar aqueles que venham a macular o processo eleitoral, mas também prevenir que outros tantos tentem fazê-lo.
Tais punições, por outro lado, transcendem os responsáveis pelas condutas ilícitas ou aqueles que delas se beneficiam - conscientemente. Como podem resultar, dentre outras coisas, no afastamento de titulares de cargos eletivos ou obstar-lhes a diplomação, a posse e o exercício, as penalidades previstas nos dispositivos em comento acabam por atingir diretamente o eleitor, o cidadão, toda a comunidade, enfim, porquanto a instabilidade política sempre compromete a implementação de ações públicas tão caras ao sofrido povo brasileiro.
E é por isso que, ao se defrontar com um caso como o ora sub examine, deve o Juiz Eleitoral agir com redobrada cautela e - desnecessário dizer, mas digo – absoluta imparcialidade, sob pena de prejudicar não apenas os envolvidos diretamente na demanda judicial, mas também aqueles que, em verdade, são os destinatários finais de sua atuação: o ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e a SOCIEDADE.
Noutros termos, pode-se dizer que, numa lide como esta, deve o Magistrado cercar-se de todos os cuidados para apurar se realmente foram cometidos os ilícitos apontados e, em caso afirmativo, quem foram seus autores, sob pena de cometer graves equívocos.
In casu, depois de ler e reler por diversas vezes os autos e rememorar os fatos ocorridos nas audiências realizadas, concluí, sem qualquer resquício de dúvida, que de fato foram colhidos elementos capazes de comprovar as alegações contidas na peça inaugural. Mas somente em parte.
Sem delonga, já assevero que, no tocante à distribuição de dinheiro e de camisas verdes com a inscrição 43, não há provas a autorizar a penalização dos representados.
Nada está a indicar, com a devida clareza, a distribuição de dinheiro em espécie no dia 03 de agosto de 2008; tampouco é possível inferir-se, com segurança, que houve distribuição de camisas naquela mesma data.
Por outro lado, melhor sorte não socorre os representados no que diz com a captação ilícita de sufrágio (Lei n0 9.504/97, art.41-A), consubstanciada na distribuição de combustível em 03 de agosto de 2008, no Posto Mariana, sob o comando de Geisa Câmara Mendonça. Quanto a isso, não sobejam dúvidas.
E nem cogite que a prova dessa ilegalidade teria sido trazida pela representante, porque de fato não o foi.
Em verdade, essa convicção se formou, sobretudo, das declarações prestadas pela testemunha Josevaldo Pereira dos Santos, que foi ouvida por determinação deste juízo. As imagens gravadas nas mídias juntadas aos autos, vale dizer, nenhuma influência tiveram no espírito deste julgador.
Em seu depoimento, Josevaldo, também conhecido por Valdo, foi firme e convincente. E, pelo que depreendi, sobre ele não pode, nem de longe, recair a pecha de parcial, de tendencioso, de interessado em resultado favorável à representante. Antes o oposto, porquanto, ao dizer o que disse, decerto colocou em risco seu emprego – de cinco anos - num posto administrado por um doador e colaborador da campanha dos representados, Sr. Domingos Sousa Silva Júnior.
[4]
Para melhor compreensão do que foi dito, eis a transcrição integral do depoimento de Josevaldo Pereira dos Santos:
“QUE trabalha como frentista no Posto Mariana há aproximadamente cinco anos; QUE o posto pertence ao Sr. Rovélio e é arrendado ao Sr. Domingos Junior; QUE foi contratado já na administração de Domingos Junior; QUE em 2008 a prefeitura deste município já tinha conta no Posto Mariana e os abastecimentos eram feitos mediante apresentação de notas e que essas notas eram assinadas pelo prefeito Rovélio; QUE não sabe dizer como era feito o acerto da conta, tampouco quem era responsável pelo pagamento; QUE o Posto São Domingos também pertence ao Sr. Rovélio e é arrendado ao Sr. Domingos Junior; QUE as notas timbradas de um posto não valem no outro; QUE não se recorda de já ter visto as assinaturas constantes nas notas de fls. 23 e 24; QUE estava trabalhando no dia 03 de agosto de 2008, data em que houve na cidade uma carreata promovida pelos representados; QUE trabalhou das 05:00 às 23:00 horas; QUE muitos carros e motos foram abastecidos por pessoas que participariam da carreata; QUE a maioria dos motoristas já chagava ao Posto trajando camisas como a que foi juntada os autos e apresentada ao depoente nesta oportunidade; QUE não presenciou distribuição de camisas ou notas de combustível no posto; QUE alguns motoristas já chegavam ao posto com as notas, que seriam pagas posteriormente; QUE nesse dia o depoente estava trabalhando sozinho como bombeiro; QUE a Sra. Geisa, funcionária da prefeitura, passou quase o dia todo no posto coordenando os abastecimentos; QUE nos abastecimentos com notas Geisa não tinha nenhuma interferência; que, entretanto, ela autorizou vários abastecimentos e de imediato efetuou os respectivos pagamentos com dinheiro em espécie; QUE os veículos das pessoas que não tinham notas eram abastecidos depois que Geisa autorizava; QUE no dia 03 de agosto de 2008 a maioria dos abastecimentos foi de pessoas que participariam da carreata dos representados; QUE essas notas eram assinadas por Ivanildo e outra pessoas cujo nome não se recorda, mas que sabe dizer que são servidores da prefeitura; QUE essas pessoas disseram ao depoente que esses abastecimentos seriam pagos pela prefeitura de São Mateus; QUE nessas notas não havia identificação do responsável pelo pagamento; QUE nesse dia motos eram abastecidas com aproximadamente 3 litros e carros com 7 litros; QUE já viu as assinaturas constantes das notas de fls. 23 e 24, mas não se recorda de quem são; QUE os abastecimentos sem notas eram pagos em dinheiro antecipadamente por Geisa e distribuídos de acordo com sua orientação; QUE no dia 03 de agosto de 2008 o depoente abasteceu carros de som dos representados com notas emitidas pela prefeitura de São Mateus e assinadas pelo Sr. Rovélio e pelo seu genro Marcos (do prefeito); QUE nesse dia algumas motos também foram abastecidas com notas da prefeitura de São Mateus; QUE nessas notas constava expressamente ‘Prefeitura de São Mateus’; QUE às fls. 20, as duas primeiras fotos são do Posto Mariana e as outras duas do Posto São Domingos; QUE às fls. 20, na segunda foto de cima para baixo, o depoente consegue se reconhecer encostado em uma bomba de combustível; QUE às fls. 20 não reconhece mais ninguém; QUE não se recorda de ter visto alguém fazendo filmagens do Posto Mariana no dia 03 de agosto de 2008; QUE o depoente não participou da carreata dos representados; QUE não se recorda de quantos litros foram vendidos para o representado no dia 03 de agosto de 2008; QUE a maioria das pessoas que abasteceram seus veículos para participar da carreata dos representados trajava camisas como a constante dos autos; QUE as notas apresentadas ao depoente no dia 03 de agosto de 2008 não continham carimbo, nem mesmo aquelas emitidas pela Prefeitura de São Mateus; QUE em algumas notas não constava o nome do emitente, apenas as assinaturas de Ivanildo e de outra pessoas cujo nome não se recorda; QUE não sabe dizer se Ivanildo era coordenador da campanha dos representados em 2008; QUE Ivanildo trabalhava na campanha dos representados e tinha autoridade para assinar notas de combustível para a campanha; Aos questionamentos feitos pelos advogados do representante respondeu QUE o Sr. Marcos, genro do Sr. Rovélio também assinou notas para abastecimento de carros que participaram da carreata do dia 03 de agosto de 2008; QUE Bonifácio, Geisa e Bogea também assinaram notas que foram utilizadas para abastecer veículos que participaram da carreata; QUE Bogea é genro do Sr. Rovélio e que o Sr. Bonifácio é funcionário da prefeitura; QUE Bogea tem um cargo na prefeitura mas o depoente não sabe qual é; QUE durante o tempo em que esteve no posto, no dia 03 de agosto de 2008, Geisa não fazia anotações; QUE o gerente do posto, Sr. Carpegiani, autorizou o depoente a abastecer, no dia 03 de agosto de 2008, veículos mediante apresentação de notas assinadas por Ivanildo, Marcos e Bogea estes dois últimos, genros do Sr. Rovélio; QUE no dia 03 de agosto de 2008, ao final de seu expediente, o depoente prestou contas do movimento com o gerente, o Sr. Carpegiani; QUE não sabe dizer o critério utilizado por Geisa para autorizar abastecimento; QUE a maioria das pessoas que abasteceram seus veículos sem notas, trajavam camisas iguais as constantes dos autos; QUE nesse dia o movimento maior foi no turno da tarde; QUE em alguns momentos do dia formaram-se filas para o abastecimento; QUE não sabe precisar quantas motocicletas foram abastecidas nesse dia; QUE nesse dia foram abastecidos mais de mil litros para as pessoas que participariam da carreata; QUE antes de abastecer os veículos o depoente verificava se as notas estava assinadas por pessoas autorizadas; QUE o depoente somente abastecia mediante apresentação de notas assinadas por Ivanildo, Marcos e Bogea; QUE o posto Mariana também é chamado de São Domingos; QUE não existem notas timbradas com o nome Posto Mariana; QUE o Posto Mariana ainda é assim conhecido porque esse foi o nome que lhe foi dado pelo proprietário quando da inauguração; QUE não sabe dizer se no dia da carreata havia abastecimento da campanha também no Posto São Domingos, do mesmo dono do Posto Mariana; QUE não sabe dizer se Domingos Junior é aliado político do Sr. Rovélio; QUE no dia da carreata as notas apresentadas ao depoente eram iguais àquelas de fls. 23 e 24; QUE o Sr. Rovélio não esteve no Posto no dia 03 de agosto de 2008; QUE nesse dia o depoente e seus familiares não receberam camisas para participar da carreata; Aos questionamentos feitos pelos advogados do representado respondeu QUE as notas usadas no dia da carreata em nome da prefeitura de São Mateus tinha o nome do emitente (Prefeitura de São Mateus) escrito à mão; QUE as notas em nome da Prefeitura de São Mateus eram assinadas pelo genro do Sr. Rovélio, o Sr. Marcos; QUE conhece as assinaturas de Marcos e Bogea, e por isso no dia da carreata conseguia reconhecer as notas por eles assinadas em nome da prefeitura; QUE no dia da carreata não foram abastecido carros oficiais da prefeitura da São Mateus; QUE não se recorda quem eram os motoristas dos carros de som dos representados abastecidos no dia da carreata; QUE Geisa não disse ao depoente de quem era o dinheiro utilizado para pagar os abastecimentos realizados no dia da carreata; QUE durante esse dia, por diversas vezes, o depoente repassou ao gerente do posto o faturamento; QUE nesse dia mesmo entregou as notas para a gerência e não tirou cópia de nenhuma delas.; QUE Geisa estava sozinha no posto no dia da carreata; QUE não se recorda que hora Geisa deixou o posto, mas pode afirmar que foi do meio para o final da tarde; QUE em 2008 só trabalhou no Posto Mariana; QUE Ivanildo esteve no posto no dia da carreata, mas o depoente não sabe se ele conversou com Geisa; QUE não sabe dizer se Domingos Junior foi doador da campanha do Sr. Rovélio; QUE Marcos e Bogea não estiveram no posto no dia da carreata; QUE conhece de vista Urubatan, irmão de Pará; QUE no dia da carreata Urubatan não esteve no posto Mariana abastecendo nenhum veículo; QUE não sabe precisar quanto em dinheiro recebeu de Geisa para abastecimento de veículos no dia da carreata; QUE Geisa não abasteceu nenhum veiculo seu no dia da carreata; QUE ninguém comentou com o depoente que estava abastecendo para participar da carreata dos representados; QUE conhece de vista Manoel Moura e pode afirmar que ele não esteve no posto Mariana no dia da carreata; QUE não sabe dizer qual frentista trabalhou no Posto São Domingos no dia da carreata; QUE conhece Marco Antonio Castro, conhecido como Marquinhos, e pode afirmar que ele não esteve no posto Mariana no dia da carreata; QUE no dia da carreata também foram abastecidos carros que nada tinham a ver com o evento e que esses abastecimentos foram pagos em dinheiro; QUE a carreata não passou em frente ao Posto Mariana; QUE Geisa não disse ao depoente que estava abastecendo os carros para que participassem da carreata; QUE Geisa não disse a mando de quem estava executando o trabalho e tampouco o depoente tem essa informação; QUE não se recorda o nome de alguma pessoa que tenha abastecido no posto no dia da carreata; QUE no dia da carreata nenhum veiculo particular dos representados foi abastecido no Posto Mariana; QUE não se recorda de nenhum candidato ter abastecido seu veiculo no dia da carreata no Posto Mariana; QUE não presenciou as convenções partidárias havidas em 2008; QUE não se recorda de ter visto ninguém vestindo a camisa juntada aos autos antes do dia da carreata; QUE conhece Sebastião Nunes Neto, conhecido como Neto do Bradesco e que pode afirmar que o mesmo não esteve no posto mariana no dia da carreata; Dada a palavra ao MP respondeu QUE procura o emitente sempre que recebe uma nota erroneamente preenchida, mas que paga o respectivo valor caso não consiga a correção; QUE no dia da carreata não houve nenhum caso de preenchimento equivocado de notas e todas recebidas naquela data foram devidamente pagas; QUE a gerência do Posto também não detectou nenhuma nota errada no dia da carreata” (Vol.II, fls.399/402).
Como se vê, mesmo sendo empregado – há anos – de um doador de campanha e colaborador político do representado Rovélio, o frentista Josevaldo não hesitou e sustentou, com notável firmeza, que, no dia 03 de agosto de 2008, Geisa Câmara Mendonça, servidora comissionada da Prefeitura de São Mateus desde 2005 (fl.403), coordenou a distribuição de combustível para pessoas que participariam da carreata promovida pelos representados naquele mesmo dia.
Vale dizer, por oportuno, que a firmeza de Josevaldo se evidenciou ainda mais quando da acareação com Geisa. Diferentemente desta informante, a testemunha do juízo não hesitou e inspirou ainda mais confiança.
Impõe-se, portanto, nessa parte, o acolhimento da pretensão da representante, por afronta ao disposto no art.41-A da Lei n0 9.504/97.
Nesse sentido, confiram-se os arestos a seguir transcritos:
“O CANDIDATO A POSTO ELETIVO QUE DISTRIBUI COMBUSTÍVEL VISANDO A CAPTAÇÃO DA VONTADE DO ELEITOR SUJEITA-SE ÀS PENAS PREVISTAS NO ART. 41-A DA LEI Nº 9504/97. Decisão: UNÂNIME, em rejeitar as preliminares argüidas e conhecer do recurso, para, no mérito, por maioria de votos, dar-lhe provimento, para aplicar ao recorrido a pena de multa no valor de 3000 UFIRS.” (Recurso Eleitoral nº 1652 (25087), TRE/PR, Iporã, Rel. Jaime Stivelberg. j. 28.06.2001, DJ 03.08.2001).
“ELEIÇÕES 2008. RECURSO. REPRESENTAÇÃO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. DISTRIBUIÇÃO DE VALES-COMBUSTÍVEL. APREENSÃO. MULTA. CASSAÇÃO DE REGISTRO. INELEGIBILIDADE. Verificada, por meio da análise dos fatos e das provas trazidas aos autos, a existência de diversos elementos que atestam a materialidade da distribuição de vales-combustíveis e a autoria da captação ilícita de votos, impõe-se o reconhecimento da prática vedada pelo art. 41-A, da Lei 9.504/97. O elevado número de veículos participantes da carreata do candidato, artificialmente provocado pela distribuição dos vales-combustível, evidencia a potencialidade da conduta configuradora do abuso de poder econômico de influenciar decisivamente o pleito, tornando imperativas a cassação do registro do candidato e a sanção de inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos três anos subsequentes.” (Recurso Eleitoral nº 6051 (36.346), TRE/RJ, Rel. Maria Helena Cisne. j. 29.09.2008, unânime).
“(...) Investigação judicial. Art. 41-A da Lei n0 9.504/97. (...) Ilícito eleitoral. Desnecessidade. Participação direta. Candidato. Possibilidade. Anuência. Conduta. Terceiro. (...) 3. Para a caracterização da infração ao art. 41-A da Lei das Eleições, é desnecessário que o ato de compra de votos tenha sido praticado diretamente pelo candidato, mostrando-se suficiente que, evidenciado o benefício, haja participado de qualquer forma ou com ele consentido. Nesse sentido: Acórdão no 21.264. (...)” NE: Distribuição de padrão de luz. (Ac. N0 21.792, de 15.9.2005, rel. Min. Caputo Bastos.)
Por derradeiro, não excede dizer que, conquanto seja irrelevante sua potencialidade lesiva
[5], a ilegalidade apontada neste caso (distribuição de combustível a eleitores) pode, sim, ter adulterado o resultado das eleições, ainda mais se considerada a diferença entre os primeiros e os segundos, que foi de apenas 22 (vinte e dois) votos.
DISPOSITIVO
Por todo o exposto, julgo parcialmente procedente a Representação Eleitoral no 139/2008, proposta pela Coligação Frente de Libertação de São Mateus, e, nos termos do art.41-A da Lei no 9.504/97:
1) casso os diplomas de Prefeito e Vice-prefeito expedidos, respectivamente, em favor de Francisco Rovélio Nunes Pessoa e José Maria Teixeira Plácido, relativamente à eleições havidas em outubro de 2008;
2) imponho a Francisco Rovélio Nunes Pessoa e José Maria Teixeira Plácido multa de 10.000 (dez mil) Ufir, para cada um.
Dos efeitos desta decisão
Não desconheço que, em casos como este, a jurisprudência majoritária é no sentido de que os efeitos da sentença são imediatos, pois, dentre outras coisas, não há declaração de inelegibilidade.
Em que pese isso, parece-me desarrazoado determinar de logo a posse dos que ficaram em segundo lugar na disputa eleitoral. Num momento de crise institucional como o que experimentou este município nos últimos meses, com episódios de extrema violência e depredação de importantes prédios públicos, deve-se evitar, tanto quanto possível, alterações precárias (isto é, sujeitas a reforma judicial) no comando da administração municipal.
Deve-se, pois, aguardar o trânsito em julgado desta decisão ou deliberação distinta de Corte recursal.
Da remessa de cópias dos autos ao Ministério Público
Tendo em conta que, no curso da instrução processual, foram colhidos indícios do cometimento de ilícitos eleitorais, civis, administrativos e criminais, determino a remessa de cópia integral dos autos ao Ministério Público.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se
São Mateus/MA, 13 de abril de 2009.

Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa
Designado pela Portaria n0 111/2009-CRE
[1] “Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral relatando fatos e indicando provas e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.
§ 1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.
§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.”
[2] Recurso Eleitoral nº 3125, TRE/GO, Mutunópolis, Rel. Amélia Netto Martins de Araújo. j. 19.09.2005, unânime, DJ 26.09.2005.
[3] Ramayana, Marcos. Direito eleitoral – 2ª edição / Marcos Ramayana – Rio de Janeiro : Impetus, 2004. P.288.
[4] “[...] QUE doou para a campanha dos apresentados aproximadamente R$20.000,00” [...] “QUE o informante chegou a disponibilizar carros seus, devidamente abastecidos, para participarem das carreatas [...]” (Vol.I, fls.210 e 211)

[5] “Agravo regimental. Recurso especial. Eleição 2000. Captação de sufrágio. Nexo de causalidade. Desnecessidade. Matéria fática. Reexame. Impossibilidade. Dissídio não caracterizado. Fundamentos não infirmados. Negado provimento. I – Em se tratando de captação ilegal de sufrágio, esta Corte já assentou ser desnecessário o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado do pleito. II – Nega-se provimento a agravo regimental que não infirma os fundamentos da decisão impugnada” (Ac. n0 20.312, de 29.5.2003, rel. Min. Peçanha Martins)

26 de fevereiro de 2009

Controle judicial da Administração Pública e direitos fundamentais

Publico, a seguir, sentença que proferi em mandado de segurança.
Há outra semelhante no blog.
A publicação se justifica porque fiz referência ao processo numa decisão de outro feito.
O tema é recorrente e enseja muita discussão.
Espero que seja assim também neste espaço.
MANDADO DE SEGURANÇA N0 170/05
Impetrantes: JOZELIA FERREIRA CUTRIM E OUTROS
Advogados: HÉLIO BEZERRA DA COSTA JÚNIOR E OUTRO
Impetrado: PREFEITO MUNICIPAL DE MATINHA/MA
Promotora de Justiça: EVELINE BARROS MALHEIROS
Juiz de Direito: MÁRIO MÁRCIO DE ALMEIDA SOUSA

SENTENÇA
Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por Jozelia Ferreira Cutrim, Ubiratania Serra Silva, Jadirson Mendonça Soeiro, José Carlos Silva Lindoso, Sheila Regina Mendes Lima e Luana Maria Alves Cutrim, contra atos do Excelentíssimo Senhor Prefeito do Município de Matinha/MA.
Na inicial, os impetrantes alegaram em síntese que, malgrado sua condição de servidores públicos municipais concursados e estáveis, foram demitidos pela autoridade dita coatora, com o argumento de que suas nomeações teriam ocorrido de forma irregular e que não teriam sido encontrados, nos arquivos da municipalidade, documentos que legitimassem seu ingresso no serviço público.
Com base nessas afirmações, formularam os pedidos de praxe e pugnaram pela concessão de liminar, a fim de que fossem suspensos os atos administrativos que resultaram em suas exonerações. No mérito, pediram a concessão da segurança.
Vários documentos foram juntados aos autos.
Deferiu-se a liminar.
A autoridade coatora prestou as informações que lhe foram requisitadas e o município de Matinha apresentou defesa.
Manifestou-se o Ministério Público Estadual pela concessão da segurança.
É o que importa relatar. Passo a decidir.
Tendo-se em vista que os impetrantes buscam nesta via mandamental proteger direitos fundamentais e ainda que, em última análise, as disposições constitucionais consagradoras desses direitos são dirigidas ao Poder Público e, também, que cabe ao Judiciário a salvaguarda do ordenamento jurídico, não excede que se teçam, antes do exame do mérito, comentários sobre o controle judicial dos atos administrativos.
Ao praticar os atos que o ordenamento jurídico lhe faculta ou impõe, a Administração Pública não pode ladear os parâmetros estabelecidos pelas normas que criam ou protegem direitos fundamentais. As normas jurídicas (das quais são espécies os princípios e as regras) devem, por quem quer que seja, sempre ser interpretadas e aplicadas segundo esses direitos e em função deles, mesmo porque é por eles e para eles que existe a lei
[1] e o próprio Estado.
Quando isso não ocorre, isto é, quando o Estado não pauta sua conduta nas regras e nos princípios insculpidos no ordenamento jurídico brasileiro, o próprio sistema normativo, mais precisamente os artigos 2º, 5º, inciso XXXV, e 37, caput, da Constituição Federal, assegura que o Poder Judiciário pode e deve atuar para restabelecer a legalidade
[2].
Noutros termos: há casos em que o Poder Judiciário pode e deve intervir para resguardar o primado da legalidade e - por que não dizer? – a própria essência do Estado Democrático de Direito, que passa, necessariamente, pelo respeito ao conjunto normativo que lhe serve de alicerce. E isso sem que se possa cogitar de afronta aos princípios da harmonia e da independência entre os Poderes da República, porquanto se trata, apenas e tão-somente, de não esquivar o Judiciário de sua missão precípua: aplicar a lei ao caso concreto e distribuir Justiça.
Conforme ensina Jessé Torres Pereira Júnior, o Poder Judiciário tem legitimidade para agir – desde que provocado, é claro! – sempre que estiverem em jogo direitos fundamentais, haja vista que no sistema constitucional brasileiro de controle da Administração Pública (autocontrole, controle parlamentar, controle popular e controle judicial) lhe “cabe dar a última palavra sobre se as normas expedidas e os atos praticados nos mais recônditos escaninhos da ordem jurídica se compadecem, ou não, com os princípios e normas do sistema”
[3]
E aos magistrados, frise-se, cabe relevante papel sempre que o exercício de direitos fundamentais encontrar óbice na ação ou na omissão da Administração Pública. Afinal, são eles quem tem autoridade e legitimidade para garantir ou restabelecer o respeito às normas do país, notadamente àquelas relativas aos direitos fundamentais.
Especificamente em relação a esses direitos – os fundamentais -, Ingo Wolfgang Sarlet, fazendo referência a Gomes Canotilho, chega a afirmar que “a vinculação dos órgãos judiciais aos direitos fundamentais manifesta-se, por um lado, por intermédio de uma constitucionalização da própria organização dos tribunais e do procedimento judicial, que, além de deverem ser compreendidos à luz dos direitos fundamentais, por estes são influenciados, expressando-se, de outra parte, na vinculação do conteúdo dos atos jurisdicionais aos direitos fundamentais, que, neste sentido, atuam como autênticas medidas de decisão material, determinando e direcionando as decisões judiciais”.
[4]
Negar-se a possibilidade de haver controle judicial sobre a Administração Pública seria o mesmo que destituir o Poder Judiciário de sua missão precípua e negar validade ao mandamento constitucional segundo o qual a lei não excluirá da apreciação judicial lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV).
Equivocam-se sobremaneira aqueles que afirmam não ter o Poder Judiciário legitimidade para controlar a Administração Pública. Na precisa lição de Aury Lopes Jr. “a legitimidade democrática do juiz deriva do caráter democrático da Constituição, e não da vontade da maioria. O juiz tem nova posição dentro do Estado de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política, mas constitucional, e seu fundamento é unicamente a intangibilidade dos direitos fundamentais. É uma legitimidade democrática, fundada na garantia dos direitos fundamentais e baseada na democracia substancial”.
[5]
Forte nesse entendimento foi que assentei, nos autos da Ação Cautelar 213/04, proposta neste juízo contra o vizinho município de Olinda Nova do Maranhão, que a interpretação correta e sistemática dos artigos 2º, 5º, inciso XXXV, e 37, caput, da Carta Política brasileira, bem assim de todos os outros com os quais eles guardam pertinência, conduz, sem qualquer resquício de dúvida, à ilação de que o Poder Judiciário, uma vez provocado por quem detenha legitimidade para tanto, pode e deve atuar sempre que a Administração Pública não pautar sua conduta nos princípios e regras insculpidos no ordenamento jurídico nacional.
Não se trata aqui - e nem se tratou acolá – de admitir a interferência pura e simples de um Poder no outro. Nada disso. Cuida-se, em verdade, do legítimo exercício do poder-dever que tem o Judiciário de controlar a constitucionalidade/legalidade de atos administrativo, sobretudo quando eles produzem efeitos extremamente significativos para a própria municipalidade e para os servidores.
A separação dos Poderes não pode, em absoluto, servir de suporte para a prática de atos atentatórios ao Estado Democrático de Direito, tampouco para excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Malgrado não tenha relação direta com o presente caso, não sobeja mencionar que igualmente incapaz de impedir o controle ora defendido é a reserva do possível, que muitas vezes não passa de retórica. Acerca disso, confira-se o magistério de Américo Bedê Freire Jr.:
“Será que é possível falar em falta de recursos para a saúde quando existem, no mesmo orçamento, recursos com propaganda de gorveno? Antes de os finitos recursos do Estado se esgotarem para os direitos fundamentais, precisam estar esgotados em áreas não prioritárias do ponto de vista constitucional e não do detentor do poder.
Por outro lado, é preciso observar que, se os recursos não são suficientes para cumprir integralmente a política pública, não significa de per si que são insuficientes para iniciar a política pública.
Nada impede que se inicie a materialização dos direitos fundamentais e, posteriormente, se verifique como podem ser alocados novos recursos. O que não é razoável é simplesmente o Executivo ou legislativo descumprir a Constituição e a decisão judicial, alegando simplesmente que não tem recursos para tanto.”
[6]
Em que pesem todas essas ponderações, não se pode deixar de reconhecer que a atuação da autoridade judiciária deve ser absolutamente necessária e adequada, não podendo ir além de garantir o exercício do direito invocado.
Feitas essas consideração, já é tempo de dizer que, dados os fatos narrados na inicial e sua disciplina legal e constitucional, não tenho dúvidas de que se está diante de um caso que comporta a intervenção do Judiciário, porquanto em jogo direitos fundamentais (CF, art.5º, XXXV). Também já é hora de reconhecer que merece acolhida a pretensão dos impetrantes.
Diferentemente do que foi consignado nas informações e na defesa juntadas aos autos, os impetrantes lograram, sim, demonstrar que os atos impugnados malferiram direitos seus, os quais são fundamentais, líquidos e certos. São eles: o direito à preservação da dignidade da pessoa humana, o de fruir de uma Administração Pública pautada, dentre outros, nos princípios da legalidade e publicidade, o direito à ampla defesa e ao contraditório, com os meios e recursos a ela inerentes, e o direito que têm os servidores públicos estáveis de somente perderem seus cargos através de processos administrativos regulares (CF arts.1º, 5º, LV, III, 37, caput, 41, § 1º, II).
Com efeito, imperioso é reconhecer que a Administração Pública pode revogar e/ou anular atos por ela praticados, sobretudo quando estiveram em confronto com a lei. Todavia, isso não significa que o Poder Público tudo pode, principalmente quando em discussão direitos fundamentais. Se bem me lembro da singela lição dos bancos da faculdade de direito na Universidade Federal do Maranhão, “o cidadão pode fazer aquilo que não é vedado por lei; já a Administração Pública somente pode aquilo que a lei permite”.
Nestes autos, resta evidente que os impetrantes foram exonerados sem o prévio e devido processo administrativo e por meio de atos desprovidos de fundamentação.
Ora, a exoneração de servidores públicos estáveis, por sua gravidade, exige ato administrativo formal e materialmente perfeito (principalmente no que tange à fundamentação) e prova robusta de irregularidades e ilegalidades, prova essa a ser apurada em procedimento próprio, no curso do qual deve ser assegurado aos diretamente envolvidos o direito ao contraditório e à ampla defesa. Contudo, repita-se, nada disso ocorreu aqui, numa flagrante violação ao disposto nos artigos 5º, inciso LV, e 41, § 1º, da Constituição Federal e ao enunciado da Súmula 20 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “é necessário processo administrativo, com ampla defesa, para demissão de funcionário admitido por concurso”.
A autoridade coatora afrontou ainda os princípios da legalidade e da publicidade, porquanto lhe cumpria explicitar as razões e os motivos justificadores de sua ação e, por óbvio, apontar quais as normas jurídicas malferidas, bem assim aquelas que serviram de suporte para a exoneração dos impetrantes. Mas houve, apenas, mera referência a “inúmeras irregularidades” e a uma suposta inexistência, nos arquivos da municipalidade, de documentos exigidos pelo edital do concurso. E isso não basta para fundamentar e justificar ações de tamanha envergadura, sobretudo porque se deve presumir que toda a documentação exigida foi oportunamente apresentada, pois, do contrário, os impetrantes não estariam exercendo seus cargos. A prova do oposto cabia à Administração – por incrível que pareça, à mesma Administração que admitiu e sempre remunerou os impetrantes e hoje quer demiti-los! Não se pode olvidar: os homens e mulheres públicos passam, a Administração Pública fica!
Ainda nessa seara, vale ressaltar o equívoco daqueles que afirmam ser o artigo 93, IX, da Constituição Federal aplicável apenas à atividade jurisdicional. Isso porque, como corolário do princípio da legalidade – que limita sua atuação aos termos da lei -, o administrador público também interpreta o ordenamento jurídico quando pratica os atos que lhe competem. Porém, quando o faz sem apresentar os fundamentos de sua decisão, malfere tanto a regra (CF, art.93, IX) quanto o princípio constitucional (legalidade), como ocorreu aqui.
Cumpre gizar, ainda, que o princípio da publicidade não impõe apenas a divulgação dos atos da Administração Pública, mas também que tais atos ostentem clareza e fundamentação, em ordem a permitir e garantir que seu conteúdo seja conhecido e compreendido pelos administrados, notadamente aqueles diretamente interessados.
Como bem lembra o já referido Jessé Torres Pereira Júnior, “foi Digo de Figueiredo Moreira Neto quem sustentou que, a partir dela
[7], todos os atos jurídicos dos poderes públicos teriam de revelar os seus motivos, mesmo aqueles em que a lei reservasse espaços à discrição administrativa. Vale dizer: todo ato administrativo deve deixar expressas, no seu instrumento veiculador (os consideranda de um decreto ou ato normativo, por exemplo), ou nos autos do processo administrativo em que o ato foi editado, as razões de fato e de direito que levaram a autoridade competente a decidir daquele modo, naquelas circunstâncias, mediante aqueles meios”.[8]
Por fim, resta asseverar que as portarias combatidas também ofenderam o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que, devido à falta de justificativa idônea e influenciados por uma lamentável – mas não raro correta - impressão de que atos dessa natureza não passam de vendeta contra opositores políticos, os impetrantes experimentaram a angústia de pensar que estavam sendo vítimas de igual perseguição – o que, neste caso, decerto não corresponde à verdade dos fatos.
Como se vê, as exonerações dos impetrantes devem ser declaradas nulas, porquanto malferiram direitos fundamentais, líquidos e certos.
Assim sendo, confirmo a liminar anteriormente deferida e concedo a segurança pleiteada pelos impetrantes, para o fim anular as portarias que resultaram em suas exonerações.
Não há custas processuais ou honorários advocatícios a pagar (STF, Súmula 512).
Expirado o prazo legal sem recurso voluntário, subam os autos ao E. Tribunal de Justiça do Maranhão.
Façam-se as intimações necessárias.
Publique-se. Registre-se.
Matinha/MA, 27 de janeiro de 2006.

Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa
Titular da Comarca de Matinha/MA
[1] O vocábulo lei é empregado nesta decisão em sentido amplo.
[2] Diga-se o mesmo da expressão legalidade.
[3] Controle judicial da Administração Pública: da legalidade estrita à lógica do razoável. 1ª ed., 2005, Editora Fórum, p.27.
[4] A eficácia dos direitos fundamentais. 5ª ed. rev. atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 368.
[5] Introdução crítica ao processo penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p.73.
[6] O controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. – (Coleção temas fundamentais de direito; v.1), p.74.
[7] Refere-se o autor à Constituição Federal de 1988.
[8] Op.cit. p.51.

26 de janeiro de 2009

Prestação de contas - Produtividade 2008

É com grande satisfação que divulgo relatório das minhas atividades no ano de 2008.
De janeiro a dezembro do ano passado, na 1ª Vara da Comarca de Viana, foram distribuídos 607 (seiscentos e sete) novos processos e realizadas 625 (seiscentas e vinte e cinco) audiências. No mesmo período, descontados os meses de fevereiro e março, nos quais gozei férias, proferi 625 (seiscentas e vinte e cinco) sentenças – isso sem contar despachos, decisões interlocutórias, etc.
Em dezembro de 2007, quando assumi a titularidade da 1ª Vara de Viana, o acervo era de 2334 (dois mil trezentos e trinta e quatro) processos. Já em dezembro de 2008, o número total de feitos em andamento foi reduzido para 2262 (dois mil duzentos e sessenta e dois).
Na 2ª Vara de Viana e nas comarcas de Matinha, São Vicente Férrer e Colinas, onde também atuei em 2008, proferi 45 (quarenta e cinco) sentenças. Isso significa que, em 10 (dez) meses de efetivo exercício da judicatura, prolatei 670 (seiscentas e setenta) sentenças.
É importante registrar que o bom resultado dos trabalhos se deve – e muito – à colaboração dos servidores, que não mediram esforços para compensar o número insuficiente de colaboradores e a falta de estrutura física. Neste ponto, vale registrar que as duas varas do Fórum de Viana funcionam num acanhado prédio, sem condições até de armazenar devidamente os processos e de instalar condignamente magistrados e servidores. Para ficar apenas num exemplo, cito o fato de que as audiências são realizadas nos próprios gabinetes dos juízes, uma vez que não há espaço disponível
A meta de 2009 é reduzir ainda mais o acervo processual. E mudar de prédio.
Deus há de ajudar, como sempre.

24 de dezembro de 2008

Feliz Natal

Desejo aos leitores e leitoras do blog que tenham um Natal de Paz, Amor e Fraternidade.
E que essas Bênçãos se estendam por todo o ano de 2009.
Mário Márcio

26 de novembro de 2008

Uma imagem vale mais que mil palavras?


Eis uma foto do meu gabinete na segunda-feira, dia 24 de novembro de 2008.
“Felizmente”, os processos haviam sido despachados na semana anterior e “só” faltava assinar mandados, ofícios etc.
Caso alguém esteja estranhando o formato da mesa, explico: há duas varas no Fórum, mas nenhuma sala de audiência. Por isso, eu e o colega da 2ª Vara fazemos as audiências em nossos gabinetes.
E vamos levando.

20 de novembro de 2008

No texto abaixo, abordo, sucintamente, a polêmica gerada pela Lei nº 11.719/08 em torno do momento do recebimento da denúncia.

Os artigos 396 e 399 do CPP e o recebimento da denúncia

O Brasil é mesmo um país pródigo em contrariar a máxima segundo a qual “a lei não contém expressões inúteis”. E não foi diferente com a chamada “mini-reforma” do Código de Processo Penal, levada a efeito pelas leis 11.689, 11.690 e 11.719, todas de 2008.
Dentre as muitas alterações introduzidas por essas normas, decerto que uma das mais polêmicas diz com os artigos 396 e 399, cuja redação foi alterada pela Lei nº 11.719/08. Eis as respectivas transcrições:
“Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.”
“Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.”
Desde a primeira hora, não poucos juristas afirmam que foram instituídos pela reforma dois momentos para o recebimento da peça acusatória: o primeiro logo após seu oferecimento (art.396); o outro, depois de apresentada a defesa preliminar (art.399). Já outros, como Lenio Luiz Streck, invocando argumentos de matriz constitucional (princípio da proibição de retrocesso, p.ex.), sustentam que “o dispositivo do art. 396 somente é constitucional se entendido no sentido de que, não rejeitada liminarmente a denúncia ou a queixa, o juiz recebê-la-á e ordenará a notificação do acusado para responder a acusação no prazo de dez dias, por escrito”.[1] Uma terceira linha, que será adiante sucintamente defendida, assevera haver apenas um momento para o recebimento da inicial da acusação: aquele do art.396 do CPP.
É bem verdade que toda essa celeuma não advém de mera “litigância acadêmica”; sua origem está, sem dúvida, no lamentável equívoco da redação do artigo 399. Contudo, essa erronia não autoriza as sobreditas interpretações.
Com efeito, não se afigura lógico que, doravante, uma mesma denúncia seja recebida por duas vezes, sobretudo porque não é isso que se pode extrair da nova sistemática. Ademais, essa duplicidade implicaria também na desnecessária discussão acerca do momento de interrupção da prescrição – atente-se que não houve alteração no artigo 117 do Código Penal.
Igualmente equivocado é afirmar que o legislador pretendeu instituir um contraditório anterior ao recebimento da denúncia, a exemplo do que já ocorre com a Lei nº 8.038/90 e a Lei nº 11.343/06. Como bem lembra Jacinto Coutinho, a Câmara dos Deputados alterou o Projeto de Lei nº 4.701/01, que deu origem à Lei nº 11.719/08, para inserir no artigo 396 a expressão “recebê-la-á”. [2] Logo, forçoso é concluir que, se desejasse criar uma fase pré-processual, assim teria feito o Parlamento. Se não o fez é porque essa não era sua intenção.
Sem embargos, a solução para o problema está na interpretação sistemática. Ou seja, os dispostvos não podem ser vistos como normas isoladas, cada um a disciplinar institutos jurídicos também estanques.
Então, se, nos termos do art.393, o processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado e, a teor do art.397, após a resposta o juiz deverá absolvê-lo sumariamente quando verificar qualquer das hipóteses nele previstas, é evidente que a denúncia somente pode e deve ser recebida num único momento, qual seja aquele do artigo 396 do CPP. Afinal, só é possível absolver quem já está sendo processado. Por outro lado, caso se aceitasse a teoria do duplo recebimento ou do recebimento somente num segundo momento (art.399), ter-se-ia que concluir não pela absolvição, mas pela rejeição da peça acusatória. E não é isso que ocorre.
Avançando nessa linha, Guilherme de Souza Nucci afirma que “inexistem ‘dois recebimentos’ da peça acusatória, nem é dado à parte (acusação ou defesa) qual deles é o mais conveniente. Não deve o juiz, por outro lado, receber outra vez a peça acusatória, após ler os argumentos da defesa prévia. Ao contrário, deve mencionar que, lidos os referidos argumentos defensivos, inexiste motivo para absolvição sumária, portanto, designa audiência de instrução e julgamentos, intimando-se o réu”.[3]
Como se vê, não há falar-se em duplo recebimento da denúncia; tampouco em recebimento apenas na fase do art.399 do CPP.
Em verdade, a denúncia deve ser recebida somente na fase do art.396 do Código de Processo Penal. E o artigo 399 do Código de Processo Penal, por sua vez, deve ser lido da seguinte forma: “na fase do art.396, caso não seja rejeitada a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente”.
[1] A jurisdição constitucional e o “duplo juízo de admissibilidade” do artigo 396 do CPP: uma solução hermenêutica. Disponível em www.leniostreck.com.br.
[2] Solução para o absurdo legal e técnico do novo art. 396 do CPP. Jornal “O Estado do Paraná”, Caderno Direito e Justiça de 20/09/2008
[3] Código de Processo Penal Comentado, 8ª ed., p.720.

6 de outubro de 2008

Encerradas as eleições na grande maioria dos municípios, publico um texto no qual abordo, sucintamente, as contradições desse nosso Brasil.

O que é democracia, afinal?

A idéia de escrever este artigo me veio por volta das oito horas de hoje (04 de outubro de 2008 - véspera das eleições), no município de Anajatuba, onde há meses atuo como juiz eleitoral. Durante todo o dia, entre um preparativo e outro para a grande festa da democracia, como diz um jurista pelo qual tenho grande simpatia e respeito, apliquei-lhe retalhos dos meus pensamentos. Contudo, penso mais prudente publicá-lo somente depois do pleito, para diminuir o risco de lhe atirarem a pecha de “político-partidário”. Sinceramente, isso não seria justo, pois ele é apenas político.
Aproximadamente uma hora antes desse lampejo literário, comunicava-me eu, via rádio, com o chefe do cartório, a fim de saber se estava tudo certo para a partida de uma integrante da nossa equipe, encarregada de um posto avançado de transmissão (dos dados da urna eletrônica) a ser instalado a apenas doze quilômetros da sede do município, num povoado com o pitoresco nome Teso do Bom Prazer. Na bagagem, além de muita coragem e elevado compromisso com seu trabalho (em nenhum momento ela cogitou desistir ou se mostrou aborrecida), a jovem levaria consigo um computador portátil, um celular via satélite, cédulas de votação, duas urnas eletrônicas e uma de lona. Além, é claro, de protetor solar, hidratante, cremes etc.
Quem tem pouco conhecimento da realidade de um Estado pobre como o Maranhão deve estar se perguntando: o que isso tem demais? E eu respondo: nada. Tem de menos!
É que, para vencer esses modestos doze quilômetros, que muitos engravatados de gabinetes percorrem diariamente em parques, academias e até mesmo em suas esteiras tecnológicas, seria – e de fato foi – necessário se aventurar numa canoa, montar num jumento e caminhar muito, muito mesmo. Em alguns pontos até na lama! Quando fora da pequena embarcação, o material seria – e foi – carregado nas cabeças de homens especialmente contratados para a tarefa. Ah! Quase esqueci do guia...
Volto, então, ao título deste artigo: o que é democracia, afinal?
Dias antes da eleição, eu mesmo cheguei a comentar que garantir o exercício do direito (?) ao voto às pessoas do Teso do Bom Prazer era um grande feito da Justiça Eleitoral. E é mesmo.
Hoje, revendo o que disse, acrescento que não podemos deixar que essa passageira sensação de dever cumprido inebrie nosso senso crítico, encobrindo a triste e cruel realidade: há pelo Brasil afora muitos e muitos Tesos, onde a bela expressão “cidadania” representa apenas o direito (?!) ao voto. Nada mais. O Poder Público quase nunca os alcança - quase...
Valho-me aqui de outro texto meu, intitulado o “O ovo e a galinha”, para afirmar que um regime verdadeiramente democrático não se resume a dar ao povo o direito ao sufrágio, ao voto. O verdadeiro exercício da cidadania não consiste apenas em marcar um “x” em uma cédula ou apertar os botões de uma máquina. Antes de tudo, a concretização do Estado Democrático de Direito passa, necessariamente, pela criação de políticas públicas que, dentre outras coisas, permitam ao povo escolher seus representantes de acordo com seus reais anseios e necessidades. E mais ainda que, uma vez eleitos, esses representantes possibilitem uma vida digna à nossa gente, ou que pelos menos tentem fazê-lo.
Já é noite. Acaba de chegar mais uma denúncia de compra de votos. Tenho que sair.
Mas não sem antes reiterar: o que é democracia, afinal?
Ah! Obrigado, Eva.
Em tempo: felizmente, todos os nossos esforços foram recompensados, especialmente os da nossa intrépida companheira. Somente duas urnas eletrônicas apresentaram problemas e foram substituídas. Às 17h12min os votos do Teso do Bom Prazer já estavam totalizados. A totalização das 77 seções do município de Anajatuba se encerrou às 19h03min. Ufa!

27 de setembro de 2008

Mandado de Segurança – Servidores - Transferência - Sentença - Concessão

Caríssimos leitores,
A partir de hoje, o blog entre em uma nova fase (assim espero). Tentarei mantê-lo com textos novos. E também passarei a publicar algumas decisões minhas. Quem tiver interesse pode mandar material para publicação.
Na estréia dessa nova fase (!), publico uma sentença que proferi ainda na comarca de Matinha/MA. Trata-se de um mandado de segurança impetrado por servidores públicos municipais que foram removidos de seus postos de trabalho.
A decisão aborda dois pontos que reputo da maior importância, sobretudo porque, cada vez mais, o Poder Judiciário tem sido chamado a avaliar atos dos Poderes Executivo e Legislativo: controle judicial da Administração Pública e direitos fundamentais.
O tema muito me interessa. Tanto que sobre ele escrevi na monografia de conclusão da minha pós-graduação em Direito Constitucional.
Aguardo comentários.
Mário Márcio

MANDADO DE SEGURANÇA N0 147/05
Impetrantes: ELIELMA NUNES GALVÃO E OUTROS
Advogado: RANUFO GOMES
Impetrado: PREFEITO MUNICIPAL DE MATINHA/MA
Promotora de Justiça: EVELINE BARROS MALHEIROS
Juiz de Direito: MÁRIO MÁRCIO DE ALMEIDA SOUSA
SENTENÇA
Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por Elielma Nunes Galvão, Anastácia Cunha, Maria bárbara cunha Martins, Marly Aroucha Belfort, Maria de Jesus Alves Souza, Sócrates Cutrim Araújo, Maria Cristina Mota Chagas, Almirana Furtado Costa, Leiliane Duarte Mouzinho, Eriones Melônio Silva, Maria da Conceição Pereira dos Santos, Antônia Luciana de Ribamar Trindade Silva e Lucilene dos Santos Mendonça, contra atos do Excelentíssimo Senhor Prefeito do município de Matinha/MA.
Na inicial, as impetrantes consignaram, em síntese, que foram “sumária e arbitrariamente” removidos de seus postos de trabalho para outros que distam até trinta quilômetros de suas residências - em alguns casos -, “sem que houvesse qualquer vaga nos locais para onde foram removidos, e, além disso, todos os locais onde originariamente ocupavam os impetrantes, foram preenchidos por pessoas contratadas pelo Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal de Matinha/MA, sem prestarem concurso público, o que prova que os mesmos foram removidos meros e exclusivos motivos políticos, bem como por inafastável abuso de poder” (sic).
Com base em tais argumentos, formularam os pedidos de praxe e pugnaram pela concessão de liminar, a fim de que fossem suspensos os atos administrativos que resultaram em suas remoções. No mérito, pediram a concessão da segurança.
Vários documentos foram juntados aos autos.
Deferiu-se a liminar.
A autoridade coatora prestou as informações que lhe foram requisitadas e o município de Matinha apresentou defesa.
Manifestou-se o Ministério Público Estadual pela concessão da segurança requerida.
É o que importa relatar. Passo a decidir.
Tendo-se em vista que as impetrantes buscam nesta via mandamental proteger direitos fundamentais e ainda que, em última análise, as disposições constitucionais consagradoras desses direitos são dirigidas ao Poder Público e, também, que cabe ao Judiciário a salvaguarda do ordenamento jurídico, não excede que se teçam, antes do exame do mérito, comentários sobre o controle judicial dos atos administrativos.
Ao praticar os atos que o ordenamento jurídico lhe faculta ou impõe, a Administração Pública não pode ladear os parâmetros estabelecidos pelas normas que criam ou protegem direitos fundamentais. As normas jurídicas (das quais são espécies os princípios e as regras) devem, por quem quer que seja, sempre ser interpretadas e aplicadas segundo esses direitos e em função deles, mesmo porque é por eles e para eles que existe a lei e o próprio Estado.
Quando isso não ocorre, isto é, quando o Estado não pauta sua conduta nas regras e nos princípios insculpidos no ordenamento jurídico brasileiro, o próprio sistema normativo, mais precisamente os artigos 20, 50, inciso XXXV, e 37, caput, da Constituição Federal, assegura que o Poder Judiciário pode e deve atuar para restabelecer a legalidade .
Noutros termos: há casos em que o Poder Judiciário pode e deve intervir para resguardar o primado da legalidade e - por que não dizer? – a própria essência do Estado Democrático de Direito, que passa, necessariamente, pelo respeito ao conjunto normativo que lhe serve de alicerce. E isso sem que se possa cogitar de afronta aos princípios da harmonia e da independência entre os Poderes da República, porquanto se trata, apenas e tão-somente, de não esquivar o Judiciário de sua missão precípua: aplicar a lei ao caso concreto e distribuir Justiça.
Conforme ensina Jessé Torres Pereira Júnior , o Poder Judiciário tem legitimidade para agir – desde que provocado, é claro! – sempre que estiverem em jogo direitos fundamentais, haja vista que no sistema constitucional brasileiro de controle da Administração Pública (autocontrole, controle parlamentar, controle popular e controle judicial) lhe “cabe dar a última palavra sobre se as normas expedidas e os atos praticados nos mais recônditos escaninhos da ordem jurídica se compadecem, ou não, com os princípios e normas do sistema”
E aos magistrados, frise-se, cabe relevante papel sempre que o exercício de direitos fundamentais encontrar óbice na ação ou na omissão da Administração Pública. Afinal, são eles quem tem autoridade e legitimidade para garantir ou restabelecer o respeito às normas do país, notadamente àquelas relativas aos direitos fundamentais.
Especificamente em relação a esses direitos – os fundamentais -, Ingo Wolfgang Sarlet , fazendo referência a Gomes Canotilho, chega a afirmar que “a vinculação dos órgãos judiciais aos direitos fundamentais manifesta-se, por um lado, por intermédio de uma constitucionalização da própria organização dos tribunais e do procedimento judicial, que, além de deverem ser compreendidos à luz dos direitos fundamentais, por estes são influenciados, expressando-se, de outra parte, na vinculação do conteúdo dos atos jurisdicionais aos direitos fundamentais, que, neste sentido, atuam como autênticas medidas de decisão material, determinando e direcionando as decisões judiciais”.
Negar-se a possibilidade de haver controle judicial sobre a Administração Pública seria o mesmo que destituir o Poder Judiciário de sua missão precípua e negar validade ao mandamento constitucional segundo o qual a lei não excluirá da apreciação judicial lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV).
Equivocam-se sobremaneira aqueles que afirmam não ter o Poder Judiciário legitimidade para controlar a Administração Pública. Na precisa lição de Aury Lopes Jr. “a legitimidade democrática do juiz deriva do caráter democrático da Constituição, e não da vontade da maioria. O juiz tem nova posição dentro do Estado de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política, mas constitucional, e seu fundamento é unicamente a intangibilidade dos direitos fundamentais. É uma legitimidade democrática, fundada na garantia dos direitos fundamentais e baseada na democracia substancial”.
Forte nesse entendimento foi que assentei, nos autos da Ação Cautelar 213/04, proposta neste juízo contra o vizinho município de Olinda Nova do Maranhão, que a interpretação correta e sistemática dos artigos 20, 50, inciso XXXV, e 37, caput, da Carta Política brasileira, bem assim de todos os outros com os quais eles guardam pertinência -, conduz, sem qualquer resquício de dúvida, à ilação de que o Poder Judiciário, uma vez provocado por quem detenha legitimidade para tanto, pode e deve atuar sempre que a Administração Pública não pautar sua conduta nos princípios e regras insculpidos no ordenamento jurídico nacional.
Não se trata aqui - e nem se tratou acolá – de admitir a interferência pura e simples de um Poder no outro. Nada disso. Cuida-se, em verdade, do legítimo exercício do poder-dever que tem o Judiciário de controlar a constitucionalidade/legalidade de atos administrativo, sobretudo quando eles produzem efeitos extremamente significativos para a própria municipalidade e para os servidores.
A separação dos Poderes não pode, em absoluto, servir de suporte para a prática de atos atentatórios ao Estado Democrático de Direito, tampouco para excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Malgrado não tenha relação direta com o presente caso, não sobeja mencionar que igualmente incapaz de impedir o controle ora defendido é a reserva do possível, que muitas vezes não passa de retórica. Acerca disso, confira-se o magistério de Américo Bedê Freire Jr. :
“Será que é possível falar em falta de recursos para a saúde quando existem, no mesmo orçamento, recursos com propaganda de gorveno? Antes de os finitos recursos do Estado se esgotarem para os direitos fundamentais, precisam estar esgotados em áreas não prioritárias do ponto de vista constitucional e não do detentor do poder.
Por outro lado, é preciso observar que, se os recursos não são suficientes para cumprir integralmente a política pública, não significa de per si que são insuficientes para iniciar a política pública.
Nada impede que se inicie a materialização dos direitos fundamentais e, posteriormente, se verifique como podem ser alocados novos recursos. O que não é razoável é simplesmente o Executivo ou legislativo descumprir a Constituição e a decisão judicial, alegando simplesmente que não tem recursos para tanto.”
Em que pesem todas essas ponderações, não se pode deixar de reconhecer que a atuação da autoridade judiciária deve ser absolutamente necessária e adequada, não podendo ir além de garantir o exercício do direito invocado.
Feitas essas consideração, já é tempo de dizer que, dados os fatos narrados na inicial e sua disciplina legal e constitucional, não tenho dúvidas de que se está diante de um caso que comporta a intervenção do Judiciário, porquanto em jogo direitos fundamentais (CF, art.5º, XXXV). Também já é hora de reconhecer que merece acolhida a pretensão das impetrantes.
Diferentemente do que foi consignado nas informações e na defesa juntadas aos autos, as impetrantes lograram, sim, demonstrar que os atos impugnados malferiram direitos seus, os quais, dado o seu caráter fundamental, são líquidos e certos. São eles: o direito à preservação da dignidade da pessoa humana e o fruir de uma Administração Pública pautada, dentre outros, nos princípios da legalidade e publicidade (CF arts.1º, III, e 37, caput).
Imperioso é reconhecer que o administrador público goza, em certos casos, de discricionariedade para atuar. Negar-se esse poder – o discricionário - seria incorrer em grave equívoco. Isso não significa, todavia, que o agente público tudo pode, principalmente quando em discussão direitos fundamentais. Se bem me lembro da singela lição dos bancos da faculdade de direito na Universidade Federal do Maranhão, “o cidadão pode fazer aquilo que não é vedado por lei; já a Administração Pública somente pode aquilo que a lei permite”.
Sobre esse ponto, confira-se, ainda uma vez, a lição de Ingo Sarlet :
“O que importa é a constatação de que os direitos fundamentais vinculam os órgãos administrativos em todas as suas formas de manifestação e atividades, na medida em que atuam no interesse público, no sentido de um guardião e gestor da coletividade.
No que diz com a relação com relação entre os órgãos da administração e os direitos fundamentais, no qual vigora o princípio da constitucionalidade imediata da administração, a vinculação aos direitos fundamentais significa que os órgãos administrativos devem executar apenas as leis que àqueles sejam conformes, bem como executar estas leis de forma constitucional, isto é, aplicando-as e interpretando-as em conformidade com os direitos fundamentais. A não-observância destes postulados poderá, por outro lado, levar à invalidação judicial dos atos administrativos contrários aos direitos fundamentais...”
Nestes autos, é evidente que a autoridade coatora exercitou seu poder discricionário. Contudo, fê-lo afrontando os princípios da legalidade e da publicidade, pois, conquanto se trate de atos discricionários, cumpria-lhe explicitar as razões e os motivos justificadores das transferências. Mas houve, apenas, mera referência à “necessidade do serviço” e ao “interesse da Administração Pública Municipal”. E isso não basta para fundamentar e justificar ações de tamanha envergadura e que, por isso mesmo, importaram em pesados ônus para as impetrantes, que, de um súbito, tiveram suas rotinas completamente alteradas, com reflexos também de ordem financeira (despesas para deslocamento).
Com efeito, equivocam-se aqueles que afirmam ser o artigo 93, IX, da Constituição Federal aplicável apenas à atividade jurisdicional. Isso porque, como corolário do princípio da legalidade – que limita sua atuação aos termos da lei -, o administrador público também interpreta o ordenamento jurídico quando pratica os atos que lhe competem. Porém, quando o faz sem apresentar os fundamentos de sua decisão, malfere tanto a regra (CF, art.93, IX) quanto o princípio constitucional (legalidade), como ocorreu aqui.
Cumpre registrar, ainda, que o princípio da publicidade não impõe apenas a divulgação dos atos da Administração Pública, mas também que tais atos ostentem clareza e fundamentação, em ordem a permitir e garantir que seu conteúdo seja conhecido e compreendido pelos administrados, notadamente aqueles diretamente interessados.
Como bem lembra o já referido Jessé Torres Pereira Júnior , “foi Digo de Figueiredo Moreira Neto quem sustentou que, a partir dela , todos os atos jurídicos dos poderes públicos teriam de revelar os seus motivos, mesmo aqueles em que a lei reservasse espaços à discrição administrativa. Vale dizer: todo ato administrativo deve deixar expressas, no seu instrumento veiculador (os consideranda de um decreto ou ato normativo, por exemplo), ou nos autos do processo administrativo em que o ato foi editado, as razões de fato e de direito que levaram a autoridade competente a decidir daquele modo, naquelas circunstâncias, mediante aqueles meios”.
Por fim, restar asseverar que as portarias combatidas também ofenderam o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que, devido à falta de justificativa idônea e influenciados por uma lamentável – mas não raro correta - impressão de que atos dessa natureza não passam de vendeta contra opositores políticos, as impetrantes experimentaram a angústia de pensar que estavam sendo vítimas de igual perseguição – o que, neste caso, decerto não corresponde à verdade dos fatos.
Como se vê, as remoções das impetrantes devem ser declaradas nulas, porquanto malferiram direitos fundamentais – e, por óbvio, líquidos e certos.
Assim sendo, confirmo a liminar anteriormente deferida e concedo a segurança pleiteada pelas impetrantes, para o fim anular as portarias que resultaram em suas remoções, com seu conseqüente retorno aos locais onde prestavam serviços.
Não há custas processuais ou honorários advocatícios a pagar (STF, Súmula 512).
Expirado o prazo legal sem recurso voluntário, subam os autos ao E. Tribunal de Justiça do Maranhão.
Façam-se as intimações necessárias.
Publique-se. Registre-se.
Matinha/MA, 23 de janeiro de 2006.
Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa
Titular da Comarca de Matinha/MA

10 de fevereiro de 2007

Pimenta nos olhos dos outros é refresco

No Brasil de hoje, não se passa um único dia sem que os meios de comunicação sejam invadidos por notícias de furtos, roubos, seqüestros, homicídios, crimes de toda sorte, enfim. No mesmo passo, vêem-se “pessoas públicas” de todas as “correntes” tentando pegar carona na imensa repercussão que têm as notícias de violência. Vê-se, sempre, uma miríade de acalorados discursos em que se diz “Basta de violência”.
Por outro lado, o da prática, esses discursos não florescem, isto é, não resultam em políticas públicas eficazes e eficientes. O povo continua abandonado à sua própria sorte. Enquanto isso, os poderosos protegem a si e a seus pares; quando falham na prevenção, esforçam-se na repressão.
O episódio envolvendo o apresentador Silvio Santos reflete bem essa realidade. Nesse caso, o Governador paulista interveio pessoalmente e chegou mesmo a expor sua integridade física. É evidente que a atitude do Governador paulista não poder ser de todo repreendida. Afinal, havia vidas em jogo. Em que pese tal fato, não se pode perder de vista a situação daqueles que não podem contar nem mesmo com a ajuda policial, quanto mais com uma intervenção direta de um Chefe de Poder.
Por isso, é realmente hora de dizermos basta. Aliás, isso já foi feito por nós, cidadãos de bem. O que falta agora é a atitude realizadora daqueles que, desejando, tudo podem. A nós, resta torcer para que todos esses discursos não se percam no costumeiro vazio da atuação política nacional.
Outro grave exemplo dessa letargia governamental é o da cidade do Rio de Janeiro, onde já se fala até em Estado Paralelo, sobretudo depois da saraivada de balas que atingiu a sede da Prefeitura da Cidade Maravilhosa.
Diante desse grotesco e deplorável episódio, alguns moradores daquela bela cidade não sabem se comemoram ou se desesperam de vez. É dizer: como a violência quase atingiu o Chefe do Executivo municipal, subsiste a esperança de que algo seja efetivamente feito, de que os discursos inflamados – até mesmo do Presidente da República - não sejam apenas figura de retórica; por outro lado, o povo sabe que se não foram adotadas medidas sérias e concretas, infelizmente, haverá ainda mais motivos para se desesperar.
Se algo for efetivamente realizado – e é o que se espera -, decerto que todos comemorarão; todavia, sem deixar de lamentar o fato de que foi preciso a violência atingir aqueles que não a combatem para que algo fosse feito. Mas, se esse for o preço, que se pague.
Seria realmente uma pena que o preço fosse esse. Seria realmente uma pena ter-se que constatar que a ação governamental só fez sentir depois que a brutal violência, que há muito grassa em nosso país, atingiu um de seus membros. Seria realmente uma pena ter-se que reconhecer que o povo tem razão ao afirmar que pimenta nos olhos todos outros é refresco.
Obs.: Este texto foi escrito em 20 de janeiro de 2002, em São Luís/MA, quando o autor ainda era assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Maranhão. Nunca havia sido publicado. Passados cinco, lamentavelmente, ele ainda se mantém atual. Basta que se mudem os fatos citados.