28 de maio de 2022

Atentai, litigante de boa-fé!

Desde o dia 10 de maio de 2022, a seccional da Ordem dos Advogados no Maranhão tem comemorando o que considera uma “vitória da advocacia”: o restabelecimento do “horário de funcionamento ordinário do Poder Judiciário do Maranhão, e também de atendimento ao público, de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, a partir do dia 16 de maio de 2022”.

Embora creia sinceramente que possa fazê-lo, não quero e não vou tecer comentários sobre o acerto ou desacerto da medida. Primeiro, porque cada um luta pelo que acredita e com as armas de que dispõe. Segundo, porque muito cedo aprendi que minha carreira é estruturada em instâncias judiciais e administrativas e, salvo em restritas hipóteses e por meios outros, não me cabe questionar decisões da Alta Administração. Terceiro, porque considero que há batalhas em que todos os combatentes saem derrotados.

Para além disso, vali-me da introdução apenas para tentar prender a atenção de quem me dá a honra da leitura. Quero mesmo é tratar de outro assunto. Afinal, como digo aos meus filhos, a vida é feita de escolhas e assunção de consequências.

Qualquer magistrado ou magistrada minimamente experiente sabe que vem de longe a prática consistente na distribuição de várias ações idênticas na mesma comarca e até mesmo em todo o estado, de modo a “escolher o juízo”, numa flagrante violação às regras e aos princípios jurídicos que norteiam a formação e o desenvolvimento válido e regular dos processos judiciais, o que acaba por colocar em risco o bom nome do Poder Judiciário e dos seus próprios membros e servidores. Isso sem contar nos custos da movimentação indevida da máquina judiciária.

Ocorre que o absurdo não se basta, ele dá crias.

Conforme já oficiei ao Tribunal de Justiça e à Corregedoria Geral da Justiça, com a implantação do Processo Judicial Eletrônico (PJe) em 100% no Poder Judiciário do Maranhão, essa nefasta conduta tem sido constatada com deplorável e preocupante frequência.

Ontem, 11 de maio de 2022, ainda uma vez descobri que uma mesma parte autora ajuizou diversas demandas contra uma instituição de ensino superior, objetivando “certidão de curso” e “colação de grau especial”. Isso se dá em demandas de saúde, contra bancos, grandes grupos econômicos etc.

Ocorre que num dos processos houve até mesmo extinção por desistência. Noutro, o juízo reconheceu a prevenção e determinou a remessa dos autos àquele referido no parágrafo anterior.

No terceiro, a parte formulou pedido de desistência.

Minutos depois, juntou ao feito por mim presidido numa quarta vara o comprovante de pagamento das custas.

Ou seja, é flagrante a tentativa de “escolher” o juízo, ou, pior, “o juiz” ou “a juíza”. Tal como em outras oportunidades, novamente determinei a remessa de cópias dos autos à OAB - – por dever de ofício, claro.... No ano passado, a direção do TJMA já havia encaminhado expediente meu à Casa dos Advogados. Nunca tive notícia de qualquer providência externa às colunas do Palácio Clóvis Beviláqua. Talvez seja eu um sujeito deveras desinformado.

Lamento dizer que há outras práticas espúrias, como “distribuir” processos sem nada juntar – nem mesmo a inicial -, fazendo-o somente depois. Isso, por óbvio, se cair na unidade desejada.

Não se pode perder de vista também que diariamente são distribuídas inúmeras ações idênticas em nome de pessoas não alfabetizadas e com endereços declarados como sendo em cidades que distam centenas de quilômetros. No mais das vezes, esses litigantes jamais comparecem às audiências em que deveriam ser ouvidos, seja física ou virtualmente. Diga-se o mesmo dos(as) patronos(as). Que seria de nós não fosse o politicamente correto, o parecer mais que o ser...

Caminhando pro gole final da cerveja amiga e confidente desta noite que sucede a mais um dia longo e cansativo, confesso que ando um tantinho distante de me convencer do equívoco das minhas escolhas (vide texto Amplo acesso. Saída incerta. E o porvir?). Mas não está sendo fácil. Também passo ao largo de me imaginar melhor ou mais compromissado.

Em verdade, admito minha natureza mesma – humana. Se o que importa pro CNJ, pro TJ, pra CGJ, pra OAB, pra cidadania brasileira e pras borboletinhas amarelas da margem esquerda do rio – da direita há quem se ocupe… (plágio de mim mesmo…) são apenas números, há de chegar o tempo em que apenas isso entregarei. Pouquíssimo tempo antes de buscar outros caminhos, preciso esclarecer… Se tanto...

Como eu disse pra um sujeito que dia desses me ameaçou de representação perante o CNJ, CGJ e até em blogs (kkkkkkk) porque não decidi de acordo com os seus interesses, só tenho medo mesmo é da desonra!!! Conforta-me saber que nisso não estou só…

Façamos todos, pois, nossos deveres de casa! Do contrário, a má-fé e a deslealdade seguirão impunes e o justo chegará “a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto” (Rui Barbosa).

Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa

P.S.: Há anos não sou vinculado a nenhuma entidade de classe.

4 de agosto de 2021

Amplo acesso. Saída incerta. E o porvir?

Tão logo digitei as primeiras letras deste texto, as teclas do computador começaram a sentir o peso dos meus dedos trêmulos. Não, eu não havia levado um susto. Tampouco penso que esteja com algum (novo) problema de saúde. Pelo menos no corpo físico. Os atuais já me bastam... Depois de dias de profundo estresse por conta de problemas de saúde com filhos e de extenuantes jornadas de trabalho, inclusive dentro do hospital, meu corpo fraquejou. E tremeu.

Longe de mim desconhecer que mundo afora há milhões e milhões de pessoas em situação de estresse e condições de trabalho muito, muito piores que as minhas. Não se trata disso. As primeiras palavras são apenas um mote para entrar no assunto que pretendo abordar.

Tampouco ouso generalizar ou questionar condutas alheias. Em absoluto! Estas linhas revelam apenas o desabafo de um magistrado que luta há quase dezoito anos para não se deixar vencer pela letargia, muito menos pela lógica de que bons mesmo são os juízes e juízas que julgam muito, que apresentam sempre gigantescos números de produtividade, que participam – durante o expediente, claro - de projetos que cuidam das borboletinhas que vivem à margem esquerda do rio das lorotas etc. Da margem direita já há quem se ocupe...

Este nada despretensioso texto busca alertar - sem nenhuma vênia e com toda ênfase - para um fato que se mostra cada dia mais grave: o Poder Judiciário - com o argumento dito politicamente correto e muitas vezes mentiroso de melhorar a tal prestação jurisdicional e distribuir justiça - a cada dia terceiriza mais e mais a principal função de seus membros, que é efetivamente examinar os processos e só depois despachar, decidir e julgar.

Há pouco, sobrecarregado, mas lisonjeado com a confiança numa capacidade que eu mesmo desconheço, estava respondendo por duas varas cíveis e auxiliando o titular numa outra. Salvo engano, isso quer dizer que havia pelo menos dez pessoas elaborando minutas que posteriormente seriam e foram submetidas à minha apreciação. Pedidos de liminares minavam como água em beira de praia. Demandas de saúde, então... Humano que sou, por óbvio assinei coisas que reputei simples sem uma avaliação mais detida. Embora não conheça, adianto que sinceramente admiro quem teria agido de modo diferente.

Alguém poderá dizer que estou reclamando de barriga cheia, que nós de fato não costumamos ler as petições, nem quando nelas um gaiato transcreve uma receita de bolo. Ledo engano.

Num país no qual as agências reguladoras e os órgãos fiscalizadores são ineficientes e o Poder Judiciário é instado diuturnamente a decidir sobre a (não)nomeação de ministros, (não)políticas de saúde, (não)construção de creches e hospitais, atrasos em voos, abusos bancários, relações amorosas, falência de grandes grupos econômicos, guarda de animais, borrachas de geladeiras que não vedam e até sobre a falta de sobremesa dietética numa churrascaria, para ficar em poucos exemplos, é impossível que os processos sejam examinados com o devido rigor. Ah! Lembrei-me de um caso recente: numa ação simples de indenização por danos morais, que deveria estar num Juizado Especial, penso eu, somente a petição inicial, a contestação e a réplica somavam quase cento e cinquenta páginas!!! Ou seja, algo feito para não ser lido às inteiras.

Não raro, ouvem-se vozes a gritar que o Judiciário se mete em tudo. Olvidam-se, entretanto, que magistrados e magistrados não acordam de manhã e simplesmente dizem que decidirão sobre isso ou aquilo. Para que nos manifestemos, é imprescindível que alguém provoque. E, uma vez provocados, não podemos nos negar a decidir. Isso decorre do princípio da inderrogabilidade da jurisdição, se não me falha a cansada memória. Mas há racionalidade num sistema em que tudo se judicializa? Evidente que não. Costumo dizer que não demora e me verei diante de um pedido para estabelecer a rotina de um casal na alcova. Oxalá fosse apenas uma piada de mau gosto...

Seja por abuso de direito com objetivos financeiros, seja porque ainda não se deram conta do que isso de fato representa, muitos brasileiros e brasileiras estão, em todos os níveis e Poderes, equivocada e irrefletidamente transferindo para terceiros as rédeas dos seus destinos. Mas não existe almoço grátis, como se diz por aí, sobretudo num estabelecimento lotado, com muitos maîtres e garçons, mas um só cozinheiro.

A nobre missão de julgar exige cautela, reflexão, tempo. Como – ainda – não canso de repetir, estudei e estudo para dar prevalência às pessoas, não aos números. Mas isso tem me custado caro, física e mentalmente. Até agora, esse sistema perverso não me dobrou. No porvir, rogo que não me convença do equívoco das minhas escolhas.

Mário Márcio de Almeida Sousa

Magistrado no Maranhão

19 de novembro de 2020

Breves notas sobre o acesso ao Poder Judiciário

                O ano que parece nunca ter começado e ameaça nunca terminar é 2020. Desde 2016, quando assumi a titularidade da 1ª Vara Cível de Imperatriz, segunda maior cidade/comarca do Maranhão (em setembro de 2017 fui promovido para a capital), tenho registrado em grande parte das minhas sentenças não ser razoável que demandas sem complexidade e que envolvam bens jurídicos de valor compatível com os Juizados Especiais tramitem em varas cíveis, de procedimento muito, muito mais complexo e, por isso, mais caro. 

                Insistentemente tenho dito que já passou do tempo de se pensar em competência exclusiva para processos dessa natureza, sob pena de se inviabilizarem os juízos cíveis ordinários, que, aliás, Brasil afora não raro apresentam distribuição maior que a de alguns juizados.

                Daí porque formulo uma sincera indagação, sem qualquer resquício de desprezo a pretensões, direitos, juízos e/ou competências: deparando-me diariamente numa vara cível com demandas que poderiam e – ao meu modesto ver - deveriam estar nos Juizados Especiais (de rito mais simples, rápido e barato, não excede repetir), é sensato exigir que eu me dedique a causas complexas, com dezenas de volumes – físicos ou virtuais -, se a todo tempo sou premido – como quase todos os membros da magistratura brasileira - por metas e mais metas, prioridades e mais prioridades? No país da jabuticaba e dos críticos de obras prontas, criou-se, vejam só, a superprioridade (como se escreve, afinal?)!!! 

                Salvo engano – para o qual já antecipo desculpas -, uma sentença sobre demora no atendimento numa fila de banco, por exemplo, “valerá numericamente” para o Conselho Nacional de Justiça, para o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão e para a Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Maranhão o mesmo que o julgamento de uma ação de recuperação judicial de uma grande empresa, com milhares de funcionários, ou de um caso delicado de saúde, no qual se pede para um único paciente medicamento e/ou tratamento que custa milhões. 

                Não me parece fazer sentido! Em tempos de pandemia, de aprofundamento de crise econômica, então! 

                Embora reconheça, por óbvio, que essa não é a única causa da lentidão do Poder Judiciário, ouso dizer que já tarda – e muito – uma reflexão mais profunda e verdadeiramente voltada para a melhoria da tal “prestação jurisdicional célere e eficaz”, não apenas para projetos efêmeros de gestões – até agora passageiras, por sorte… 

                Tenho compromisso com meu ofício e a ele me dedico com afinco. Mas também por isso preciso me preservar. Juízas e juízes não são máquinas. Também somos dotados de instinto de sobrevivência, inclusive profissional e institucional. No meu caso, não sei fazer outra coisa. Pelo menos ainda. 

                Decerto alguns me recomendarão à forca, mas, se não dissesse, não seria eu: ou muda, ou fecha.

                Se houver terceira possibilidade, atrevo-me a dizer que será mais do mesmo: relatórios, planilhas, projetos, aplicações, avaliações, correi… ops, mudou a gestão... relatórios, planilhas, projetos, aplicações, avaliações, correi… ops… E por aí vai!!! E vice-versa!!! 

P.s.1: Sou juiz auxiliar da Comarca da Ilha de São Luís/MA; sequer tenho unidade fixa. Portanto, estou à vontade para falar, pois posso vir a ser titularizado num juizado. 

P.s.2: Enquanto uns e outros - de todos os lados, de todas as cores - se esmeram em cotidianamente despejar bobagens, grosserias e vis pretensões meramente político-eleitoreiras, desprezando por completo as duas fileiras de dentes que nos foram dadas para conter a língua, não se ouve uma só voz a dizer com clareza quando e como nós, o sofrido e cansado povo brasileiro, teremos acesso a uma vacina contra a Covid-19. Qualquer que seja ela, venha de onde vier, não é difícil imaginar que sua distribuição exigirá uma logística gigantesca e que esta, por sua vez, somente será alcançada com cuidadoso e, bingo, prévio planejamento. Começar com respeito à cidadania já ajuda! Até para que depois não se acuse o Poder Judiciário de ativismo! Mário Márcio de Almeida Sousa – Juiz de Direito no Maranhão

8 de maio de 2020

Brasil do antigo, do novo e do tudo igual!


Já não consigo contar nos dedos das mãos as pessoas próximas que tiveram o sopro de vida tragado pela moléstia que aterroriza o mundo. Conhecidos, parentes de amigos, amigos e até da família. Decerto que essa é também a triste realidade de milhões ao redor do planeta. E, ao que tudo indica, assim será por muito tempo, dada a falta de vacinas e medicamentos efetiva e inquestionavelmente capazes de deter a disseminação da doença e de curá-la.
Daí porque fico assombrado ao ver – país afora - imagens de aglomerações em feiras, supermercados, rua de comércio etc. Apesar da maciça campanha de entes públicos e dos meios de comunicação, há aqueles que persistem em dizer que se trata de uma “gripezinha”, que só mata idoso, que é bom pegar logo e outras tantas baboseiras que nem convém listar. Pior: saem por aí sem o menor dos cuidados, expondo a si e aos outros a riscos absolutamente desnecessários. E isso para realizar tarefas que nem de longe podem ser chamadas de essenciais, como aproveitar ofertas na inauguração de uma grande loja e fazer festinhas “para não passar em branco um aniversário”, para ficar só em dois exemplos.
Ora, se quem sempre acaba por sofrer as piores consequências não faz por si, quem ajudará? Livre arbítrio e direito de ir e vir não autorizam e tampouco legitimam essas condutas. Quando o ar não mais alcançar os pulmões e não houver tubo para ser enfiado goela abaixo, o arrependimento somente valerá para questões ligadas à Fé – isso se der tempo de se arrepender, é claro.
A coisa é tão grave que, para além da dilacerante dor da perda, muitas famílias, quando têm ou conseguem dinheiro, precisam travar uma penosa batalha para encontrar um lugar para sepultar seus entes queridos. Sequer podem lhes dar um último beijo. Nem mesmo vê-los...
Neste eterno país do futuro – que teima em nunca chegar -, escasseiam profissionais de saúde, leitos, equipamentos e tudo mais para combater esta praga moderna.
Noutra ponta, aquela de onde deveriam ser oferecidas soluções factíveis e eficientes, abundam incompetência, irresponsabilidade, falta de atuação conjunta, disputa político-eleitoral inoportuna e abjeta e, como não poderia deixar de ser, corrupção. Para espanto de ninguém, houve até mesmo prisões por desvios na compra de respiradores. Quem dera fosse “coisa da mídia”. Quem dera fosse...
Como o que está ruim sempre pode piorar, padecemos da quase completa ausência de lideranças verdadeiras, respeitadas e comprometidas com o bem de todos, não apenas de uns. Por óbvio, há exceções – raríssimas, não excede dizer, mas há.
Talvez esse seja o único aspecto no qual o Brasil guarde perene coerência: nunca evolui. Absoluto estado da arte da grotesca máxima: deixa como está, pra ver como é que fica.
Cá do meu canto, do limite estreito da minha janela virtual, temo que a crise saia do controle. A seguir nessa tocada, não deve demorar.
Peço a Deus que nos proteja a todos. Até porque, fora Ele, não vejo a quem recorrer!
Mário Márcio de Almeida Sousa

9 de dezembro de 2019

A inteligência alheia não me faz burro!


Aqueles que me conhecem sabem que timidez é uma característica que passa longe do meu espírito. E que muitas vezes não me limito a dar bom dia a cavalo, sou o próprio – para lembrar uma expressão que empreguei no texto Magistratura ajoelhada, de julho de 2009. Eita! Lá se vão dez anos desta vida breve, como diria o sábio espanhol Sêneca.
Apesar disso – e por isso mesmo! -, tenho me recolhido à minha insignificância, dada também a incapacidade de entender e sobretudo aceitar estes tempos de modernidade líquida, de cegueira moral e perda da sensibilidade (Zygmunt Bauman), de extremismos, enfim, nos quais importa – talvez não tão diferente de antes – mais o parecer que tem e que é do que efetivamente ter e ser; tempos em que amizade, gratidão, lealdade, respeito, consideração e honradez não resistem a poucos goles de álcool, a um “joinha” - falsamente dado ou recebido -, muito menos à oferta de um naco de poder ou um punhado de dinheiro.
Isso sem contar com o fato de que, nos dias que correm, aqueles que, como eu, não se prestam a – querer – enxergar apenas virtudes ou defeitos em certas pessoas e instituições são alcunhados de “isentões” e até ofendidos em ajuntamentos de seres de luz, únicos detentores de razão e bons propósitos.
Tenho optado, enfim, por tentar praticar os ensinamentos do filósofo Plutarco, para quem não se deve censurar a natureza por ter dado aos homens uma só boca e dois ouvidos (ver Sobre a tagarelice). Tentei fazê-lo inclusive em relação aos textos que vez por outra publicava. Mas estes mesmos tempos líquidos me fizeram retornar. Não sem hesitar. Não sem um lamento profundo.
Semanas atrás, aprovou-se no Maranhão a elevação de alíquotas previdenciárias dos servidores públicos. Por razões óbvias, não desconheço que não é dado a nenhum ente federativo deixar de seguir os comandos da Constituição Federal, venha de que matiz político-ideológico vier o pacote de maldades. Logo, forçoso reconhecer que de fato não há como fugir da chamada Nova Previdência, salvo, é claro, aqueles que, não raro, legislam em causa própria.
Ocorre que minha indignação é de outra ordem.
Ouvi e li muitas figuras ilustres a dizer que não havia escolha, que apenas se obedeceram às mudanças impostas no Planalto Central e que o Estado sofreria restrições diversas se assim não agisse. Nada a estranhar, até porque, ressalvadas aqui as sempre honrosas exceções, quem aluga a consciência não escolhe a hora de pensar.
Costumo dizer que não posso impedir que as pessoas me reputem estúpido, pois isso está na sua esfera do pensar. Mas não aceito calado quando agem conforme esse entendimento.
Daí porque não posso deixar de perguntar: como alguém se sujeita a obedecer com tanta pressa a uma norma que sempre reputou imoral, ilegal e que emagrece as contas dos servidores? Havia de fato urgência a justificar uma tramitação tão célere e sem que houvesse o tão cobrado – dos outros - diálogo com os interessados/atingidos?
Decerto que não! Basta que se vejam, com olhos abertos para a verdadeira verdade, os desdobramentos em nível nacional e até mesmo em outros Estados, tanto de um extremo político-ideológico quanto de outro.
Nas buscas que fiz sobre o assunto, só encontrei uma voz, digo, uma pena a se insurgir. E, pasme quem me deu a honra de ler até aqui, de um… advogado. Sim, um advogado, a quem ainda não tive a honra de conhecer pessoalmente: Dr. Abdon Marinho.
Em mais um corajoso texto, Sua Excelência consignou que “não se ouviu nenhum protesto. Nem mesmo dos ‘valentes’ representantes das categorias”. E foi exatamente depois daquelas linhas que abandonei a hesitação e decidi dar azo à inquietude.
Não só adiro ao arguto escritor como acrescento ter chegado ao meu conhecimento que foi vedada – ou, para usar de um eufemismo, limitada – a entrada de representantes de classes no plenário da dita Casa do Povo. A democracia é mesmo linda! Mas depende do ângulo do sujeito que a divisa, pois não.
Como dizia minha saudosa avó, quem muito se abaixa… Deploro, muitíssimo, o silêncio dos bons.
Com todas as vênias e ressalvadas, por óbvio, as não poucas exceções, repita-se, penso que a soma de cegueira seletiva, ética flácida, coragens de conveniência, covardias abjetas, partidarismos, extremismos juvenis e vaidades vãs é que tem levado muitas de nossas autoridades públicas, inclusive as que sequer podem ter partido (nos vários sentidos da expressão), ao fundo do poço da falta de ética e de moral, da subserviência e da ausência de vergonha na cara.
Como o absurdo sempre dá crias, muitas ainda se jactam ao dizer que ecoam a tal voz rouca das ruas e alcançam com o rigor – quase sempre seletivo - de seus trajes formais os inimigos escolhidos sabe-se lá por quem – ou melhor, sabe-se aqui bem por quem. Pimenta nos olhos dos outros é refresco, não é mesmo? Para piorar, ainda vai piorar… e muito!
Cá do meu canto, não consigo enxergar distinção entre aqueles que, de modo acrítico e pusilânime, se curvam frente a canhões e baionetas, e neles depositam suas esperanças, daqueles que se postam de joelhos diante da foice e do martelo; tampouco entre aqueles que taurina e cegamente buscam um pano rubro e os que se disfarçam em colorida plumagem e até na paleta de cores do arco-íris e do pavilhão nacional. Que dizer então dos que, ávidos por parecer o que não são e ocultar o que têm, gastam suas horas (Ah, de novo o mestre Sêneca) a tentar escamotear seus incontáveis e indizíveis segredos sob o manto negro das vestes talares esvoaçantes... E por aí vai.. E vice-versa…
Isso não me faz "isentão". Antes, o oposto.
Nem de longe a inteligência alheia me faz burro!
Sabe Deus o porvir!
Mário Márcio de Almeida Sousa
Juiz de Direito em São Luís do Maranhão
06 de dezembro de 2019

13 de janeiro de 2018

Até quando, Brasil? Até quando, Maranhão?

 
No início de 2016, escrevi um texto intitulado “O que há com o Maranhão, afinal?”. Passados quase dois anos, cá estou eu a tratar da quase que eterna duplicação da BR 135, no trecho de chegada à capital, São Luís do Maranhão. E isso porque, constrangido e indignado, fui obrigado a assistir a uma tal inauguração de um “pedaço” de uma das pistas da estrada, talvez uma das coisas mais bizarras que vi desde que cheguei ao Maranhão, ainda criança, em 1979. Se neste país houvesse respeito pelo dinheiro público e pela população, não temo dizer, esse vergonhoso evento sequer teria sido pensado. Realizado, então…
Desde que o motor da primeira máquina roncou na malfadada obra, que se iniciou há mais de cinco anos, rompeu sei lá quantos governos e consumiu mais de meio bilhão de reais, salvo engano, não mais é possível contar nos dedos as vítimas fatais. Mas o absurdo não se bastou. Ele deu crias.
Reunidos num só ato – que sequer deveria ter sido cogitado, insisto -, representantes dos mais variados matizes políticos e ideológicos se acotovelavam em pugilatos verbais, chegando perto mesmo das tais vias de fatos. Tudo isso enquanto operários ainda cuidavam de finalizar o acostamento ao lado das tendas sob as quais todos se abrigavam. Um pouco mais adiante, logo ali, bem perto mesmo, jaziam buracos que decerto por muito tempo ainda ficarão insepultos. Mas isso deve ser apenas um detalhe na inauguração de uma estrada, não é mesmo?
Numa tragicomédia repleta de deploráveis cenas de falta de educação, de total desrespeito para com os que não comungam da mesmas opiniões e militam em campos políticos diversos, autoridade federais, estaduais e municipais sucederam-se em discursos acalorados, todos com um único e só propósito: mostrar-se à opinião pública, ou melhor, ao eleitorado, como imprescindíveis ao grande feito, à inauguração de um “pedaço” de uma das pistas da estrada cuja duplicação, repita-se, se arrasta há anos, rompeu sei lá quantos governos e consumiu mais de meio bilhão de reais.
Quando parecia não ser possível piorar, eis que entra em cena a assistência, num patético coro de ofensas e baixarias de lado a lado. Como dizem os mais jovens, senti a tal da vergonha alheia. Ressalvadas as minhas limitações, pelo que pude perceber, os atores desse teatro de horrores têm uma visão muito prática e realista da política - como me disse um amigo que muito respeito -, mas absolutamente turva dos verdadeiros anseios daqueles em cujo nome todo poder dever ser exercido: nós, o povo. Isso sem contar que suas condutas revelam absoluto menoscabo pela inteligência e pela dignidade da massa, da humilde à letrada. Pobre Brasil! Pobre Maranhão!
Por coerência intelectual, reitero o que consignei no texto de 2016. Não busco aqui ou pretendi alhures tecer críticas ou acusações a grupos de situação ou oposição, do passado ou do presente, do novo ou do antigo regime. Primeiro, porque, conquanto por vezes até pensem assim, essas pessoas não são, nem de longe, o Estado, a Nação. Segundo, porque, com deplorável frequência, quando não se enroscam em alianças espúrias, muitas delas acabam sempre por mudar de lado, sem jamais perder algo de essencial que torna algumas delas quase que idênticas: suas ações e realizações estão muito, muito aquém de suas falas.
No fundo da minha cidadania vilipendiada, a grotesca inauguração fez brotar o quase que incontrolável ímpeto de pedir que Suas Excelências tomem vergonha. Mas isso poderia soar grosseiro, sem falar no risco de ser inócuo. Resta-me, pois, rogar: ao menos ruborizem-se, senhores!
Mário Márcio de Almeida Sousa - Juiz de Direito no sofrido Maranhão

27 de fevereiro de 2016


O que há com o Maranhão, afinal?

Logo de início, esclareço que as linhas a seguir não encerram críticas ou acusações a grupos de situação ou oposição, do passado ou do presente, do novo ou do velho. Nem poderia ser diferente, porquanto, com deplorável frequência, quando não se enroscam em alianças espúrias, muitas dessas pessoas acabam sempre por mudar de lado, sem jamais perder algo de essencial que torna algumas delas quase que idênticas: falam muito e pouco ou nada fazem.

Em verdade, o que este texto pretende, além de servir como instrumento de desabafo, é (re)discutir algo que a realidade insiste em nos jogar na cara a cada dia, desde sempre: o persistente descompasso do Maranhão em relação ao resto do mundo. E o faço de um ângulo bem peculiar: o de um motociclista.

No dia 25 de fevereiro de 2016, eu e um dileto amigo encerramos uma viagem de mais de sete mil quilômetros, na qual cruzamos, em duas motos, Maranhão, Tocantins, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, até Corumbá/MS, minha cidade natal. Como diz um dos meus filhos, foi tudo tranquilo, tudo favorável. Mas só até voltarmos ao Maranhão, só até tentarmos vencer o trecho Santa Inês/São Luís. De fato, o que travamos foi uma guerra pelas nossas vidas, tamanhos os riscos que corremos. E isso nada tem a ver com a tão propalada - e muitas vezes equivocada - "periculosidade" das motocicletas.

É evidente que nessa longa aventura nos deparamos com buracos, asfalto irregular, sinalização deficitária ou inexistente etc. Mas, com absoluta convicção, afirmo e reafirmo que nem de longe passamos por algo parecido.

Em muitos pontos entre Santa Inês e Miranda do Norte, a BR 222 deixou de existir. Em seu lugar, o que há são crateras e mais crateras que obrigam os motoristas a rodar em primeira marcha por centenas de metros, num zigue-zague sem fim. Ainda bem que o trafego não é tão intenso. Como o problema vem de anos, a explicação parece óbvia. E não há sinal de intervenção, sequer para minimizar os riscos e transtornos.

Já na BR 135, acredite, nobre leitor(a), o caos se instalou. Não há outra expressão a empregar. Os buracos se sucedem ininterruptamente até São Luís, obrigando os motoristas a cometer todo tipo de infração de trânsito para tentar resguardar seu patrimônio, bem assim suas vidas e dos passageiros. Após o Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no trevo que dá acesso aos portos, a água se acumula e toma a pista. Mais engarrafamento. E isso ocorre há anos, não só nesse trecho. Vale ressaltar que a situação piorou muito em toda a via desde a nossa partida, em 13 de fevereiro.

Para além dos aborrecimentos, esse estado de coisas faz aflorar grande estresse e até compreensível agressividade em quem dirige por essa buraqueira, como facilmente se percebe nas ultrapassagens e fechamentos. É um salve-se quem puder. E fica até difícil condenar. Aqui cabe um duplo sentido...

Como tive oportunidade de dizer ao próprio governador no ano de 2015, pedi remoção para Imperatriz para fugir desse tormento. Mas como fica quem não tem essa opção e se vê obrigado a circular por esse ajuntamento de buracos? Aliás, naquela ocasião, todos os presentes à reunião ouviram de um aguerrido servidor do DNIT que os problemas das nossas estradas decorrem, além da desculpa do momento (a crise!), das fortes chuvas que sempre nos assolam. Ora, compre-me um bode! E gordo! Já fui a Belém de moto e logo depois da divisa com o Pará já se percebe a diferença. Será que lá chove menos que aqui?

Sinceramente, duvido que em algum outro lugar do mundo uma capital do porte e da importância de São Luís tenha sua única via de acesso terrestre em situação tão caótica. Sou capaz de apostar. Por isso, com a ressalva sincera e respeitosa às pessoas sérias e probas que tiveram ou têm qualquer relação com as estradas do Maranhão, não hesito em afirmar que o problema aqui não é a escassez de recursos ou o excesso de chuvas, mas sim a absoluta falta de vergonha de alguns.

E não pense quem me deu a honra da leitura até aqui que considero minha instituição, o Poder Judiciário, indene de críticas. Absolutamente! Tal como em muitas casas alheias, na minha também há obras que nunca findam e outras que não superam incólumes seu primeiro aniversário, para ficar em apenas dois exemplos. Contudo, tanto os números quanto um olhar imparcial revelam que temos evoluído. Assim não fosse, que autoridade moral e institucional nos restaria?

Por isso mesmo e por tudo mais que da nossa triste realidade consta, na mais pura - e talvez ingênua - esperança de que alguém lance luzes sobre minha ignorância, reitero: o que há com o Maranhão, afinal?

Mário Márcio de Almeida Sousa – Magistrado

30 de junho de 2013

Sobre o direito de protestar, o direito dos outros e o dever de agir



Tentei, tentei muito não externar publicamente minha opinião sobre os protestos que tomam conta do Brasil, sobretudo em virtude dessa praga do politicamente correto, como diz o filósofo Luiz Felipe Pondé, que empurra muita gente que se acredita boa a dizer somente o que alguns querem ouvir. Mas a minha natureza não deixou, Graças a Deus! Então, lá vai.

Como disse um sujeito acostumado a externar apenas o que lhe convém, ninguém em sã consciência pode ser contra manifestações populares por melhores condições de vida - considerada essa expressão, vale dizer, em sua mais ampla acepção. Ocorre que as tais manifestações brasileiras já passaram – e muito – do razoável. Basta ver que os atos de violência aumentaram e se tornaram mais graves e que o emprego e o sustento de milhares de pessoas já estão comprometidos a pretexto do tal despertar do gigante.

É bem verdade que muito pouca gente imaginou que as coisas tomariam tamanha proporção. Mas deve ser como aquele velho ditado: quem nunca comeu melado, quando come se lambuza. Depois de séculos de letargia, o povo acha que acordou e perdeu a medida. A pretexto de bradar contra políticos e governantes, esse mesmo povo que ora se acredita em estado de vigília acaba por atingir apenas aos seus iguais e a si próprio. Ou alguém acredita mesmo que as “conquistas” alcançadas não serão pagas por nós mesmos?

Creio, sinceramente, que temos o direito e o dever de protestar e que algumas vezes se faz necessário endurecer as ações. Por outro lado, tenho a firme convicção de que o Estado tem o dever de agir para evitar as badernas, as destruições e as inadmissíveis restrições que uns poucos têm imposto a milhares de cidadãos que só querem trabalhar, estudar, enfim, seguir a vida normalmente.

Por mais que possa parecer, não sou tão imbecil a ponto de dizer que a polícia não tem cometido excessos. É evidente que tem. Mas esses excessos não são unilaterais. Ora, não se pode esperar comedimento de uma tropa que está há semanas de prontidão, muitas vezes sem comer e dormir direito e sem ver a família. Ainda mais quando se depara com uma turba que a agride física e moralmente, turba essa que muitas vezes sequer arca com os custos das passagens que pretende reduzir, para ficar apenas num exemplo. É fácil passar dias a protestar quando se tem em casa alguém trabalhando ou tentando trabalhar para pagar a conta...

Caminhando para o encerramento deste pequeno desabafo, registro que neste belo domingo de sol me deparei na avenida Litorânea, em São Luís/MA, com uma passeata de médicos que protestavam pela manutenção do “ato médico” e contra a contratação de profissionais estrangeiros, além de uma concentração em prol do Telexfree (não sei se virou passeata ou carreata). Embora tenha opinião formada sobre os três assuntos – como leigo, no caso dos médicos, é claro -, não me sinto autorizado para dizer do acerto, ou não, das bandeiras levantadas. Quero apenas dizer que, depois de uma semana infernal, na qual quase não se pode ir nem vir, trabalhar, estudar, amar, bem que os profissionais da saúde, muitos dos quais meus amigos, poderiam ter ocupado apenas uma faixa da via, mesmo tendo sido curta a manifestação. Afinal, presas no engarrafamento, ainda uma vez, estavam famílias, bebês, crianças, idosos e doentes. Se a ideia era angariar apoio popular, penso que deram um tiro no pé. Pelo menos foi o que ouvi das pessoas com as quais conversei.

Repito, desta feita para finalizar: muito pouca gente imaginou que as coisas tomariam tamanha proporção. Talvez por isso muitos governantes, mais preocupados com popularidade e votos, tenham demorado tanto para agir. Perderam, pois, o controle. Mas ainda dá tempo de reagir. Até porque, se nada for feito, sabe Deus onde vamos parar.

Em tempo: antes que alguns me recomendem à forca, lembro que também sou cidadão brasileiro e, por isso mesmo, tenho o direito de dizer o que penso e de protestar da forma que me convém: escrevendo.