4 de julho de 2009

Magistratura ajoelhada

Segue um desabafo. Espero que fomente a reflexão

Quando eu ainda era um adolescente, meu querido tio Sinval me ensinou que quem fala muito dá bom dia a cavalo. Embora tenha concordado com a máxima desde o primeiro momento, devo confessar que sempre tive dificuldade de exercitá-la. Muitas vezes não cumprimentei um cavalo, fui o próprio – talvez isso explique este texto. Para tentar serenar esse ímpeto animalesco, recorri a muitas coisas. Mas somente encontrei as explicações que buscava na obra Sobre a tagarelice, do filósofo Plutarco. Recomendo a leitura, pois ela ajuda a compreender que não se deve censurar à natureza por ter dado aos homens uma só boca e dois ouvidos.
Passo, pois, ao mérito, como se diz na linguagem judicial.
Em 2004, o Poder Judiciário passou por aquilo que se convencionou chamar de Reforma do Judiciário. Do ponto de vista prático, a alteração mais significativa foi, sem dúvida, a criação do Conselho Nacional de Justiça. Desde o início apoiei a idéia, principalmente por acreditar que o Conselho seria de grande valia para a construção de um Poder Judiciário capaz de fazer aquilo que talvez seja sua finalidade precípua e mais nobre: distribuir justiça e promover, na medida do possível, a pacificação social. Passados quase cinco anos, são inegáveis os avanços decorrentes da atuação do CNJ, como a proibição do nepotismo, por exemplo.
Em que pese isso, ouso dizer que, a pretexto de “fazer o Judiciário funcionar” e “dar uma resposta à sociedade”, o CNJ tem-se excedido, tanto ao avançar em áreas que não lhe dizem respeito, como ao estabelecer metas e cobrar resultados que sabidamente não podem ser alcançados, não com as condições atuais da maioria dos Fóruns deste país continental – e por isso mesmo multifacetado. A propósito, convido a todos que desejarem a visitar o Fórum da Comarca de Viana, no Maranhão. Lá, em menos de um minuto é possível constatar que, para “fazer o Judiciário funcionar”, não bastam discursos, pactos disso e daquilo. Como se diz por aí, de boas intenções o inferno está cheio.
Com o devido respeito, somente alguém sem a menor noção do que é a atividade de um juiz pode crer que, em menos de um ano, os magistrados e magistradas brasileiros conseguirão julgar todos os processos distribuídos até 31 de dezembro de 2005. É a chamada Meta II, constante da Resolução n0 70, de 18 de março de 2009. Ressalte-se que pouco importa que o atual titular do juízo não tenha contribuído para o atraso!
Não bastasse o absurdo em si, ele já deu crias. Para iniciar esse megalômano feito, os juízes brasileiros foram instados a informar, até 5 de julho de 2009, a quantidade de processos incluídos na Meta II. Poucos dias depois, uma mente brilhante decidiu que tantas outras informações deveriam ser prestadas. Resultado: será necessário rever todos os processos. E no mesmo prazo. Imagine-se a loucura para cumprir essa metinha com um quadro reduzido de servidores, sem espaço para separar os autos e, principalmente, tendo que manter o atendimento ao público e as audiências. Ah! Quase esqueço de mencionar que, dias antes de requisitar as informações relativas à Meta II, o CNJ havia determinado o preenchimento de um questionário, o que implicou na análise de todos, todos os processos existentes na vara!!!
Pior de tudo é que, salvo raras exceções, aqueles que poderiam reagir institucionalmente nada dizem, nada fazem, sequer reclamam. Sinceramente, não sei como interpretar essa postura. Como diria Martin Luther King, “o que preocupa é o silêncio dos bons”.
É evidente que algo deve ser feito para acabar ou pelo menos diminuir a chamada “taxa de congestionamento” da Justiça nacional. Todavia, essa luta não pode ser travada sem a preservação da qualidade das decisões. Justiça tardia é injustiça. Justiça rápida demais é irresponsabilidade. Como escrevi noutra oportunidade, estatística positiva é importante, mas eu estudei e estudo para dar prevalência às pessoas, não aos números.
Por óbvio, não estou a defender que juízes não tenham metas de desempenho, até mesmo porque já as temos. Tanto assim que, há anos, eu e muitos valorosos colegas Brasil afora temos conseguido proferir sentenças em número maior que o de processos novos - Deus sabe a que custo. Defendo, sim, que não incorramos na nefasta prática de prometer aquilo que não poderemos dar; que não coloquemos todos os magistrados na vala comum da inoperância, da falta de compromisso com a nobre e honrosa tarefa de julgar; que sejamos cobrados, enfim, na medida das condições que nos forem ofertadas.
É hora de encerrar. Creio que já relinchei demais. Que me perdoem, então, os magistrados e magistradas sérios, probos, dedicados e trabalhadores do Brasil, mas o meu sentimento, meu triste sentimento é de que a magistratura brasileira está de joelhos. De joelhos diante de um Conselho que não aconselha, não orienta, cobra sem oferecer condições e, sobretudo, não considera, como ensina a sabedoria popular, que cada caso é um caso.

20 de maio de 2009

Tribunal do Júri condena acusados de homicídio em Viana

Em júri realizado na terça-feira, 19, os réus Edilson Pinto Silva e Givanildo Sousa Cutrim foram condenados a 18 anos de reclusão em regime fechado e seis anos de reclusão em regime semi-aberto. O juiz da 1ª vara da comarca, Mário Márcio de Almeida Sousa, presidiu o julgamento. Foi negado aos réus o direito de recorrer em liberdade.

Os acusados responderam pelo homicídio de José Antonio Sousa, o “Lourenço”. Consta do processo que o crime ocorreu em 19 de outubro de 2007, no Povoado Estrela de Santana (Viana), quando Edílson, que se encontrava acompanhado de Givanildo, teria desferido na vítima um tiro de espingarda do tipo conhecido como “bate-bucha”, causando-lhe a morte.

Segundo a acusação, o crime teria sido motivado por vingança, uma vez que a vítima teria impedido que Edílson devastasse parte da área onde morava, uma reserva ambiental fiscalizada pelo Ibama. Conforme decisão do Conselho de Sentença, Edílson cometeu contra a vítima homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe (vingança), empregando meio que impossibilitou a defesa da vítima. A Givanildo, o Conselho atribuiu o delito de homicídio simples

De acordo com o processo, no dia do crime Edílson teria saído de casa e se dirigido para o Povoado Estrela na companhia de Givanildo. Este teria presenciado o momento em que Edílson teria escondido a espingarda de sua propriedade atrás da casa de forno da vítima. Ao escurecer, os acusados voltaram ao local, onde se esconderam atrás de uma parede, quando Edílson atirou contra José Antonio, que estava do lado de fora de sua residência e foi surpreendido pela ação do acusado.

O júri teve início às 9h e se encerrou às 18h30. Atuaram na acusação os promotores Ana Carolina Cordeiro de Mendonça Leite e Raimundo Benedito Barros Pinto. Na defesa, os advogados Hélio Leite (defesa de Edílson) e Cícero Carlos de Medeiros (defesa de Givanildo).


Marta Barros
Assessoria de Comunicação da CGJ
ascom_cgj@tjma.jus.br
( 98)3221.8527

11 de maio de 2009

MANDADO DE SEGURANÇA – APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO – EXPECTATIVA DE DIREITO OU DIREITO LÍQUIDO E CERTO?

Estou em Brasília, participando de um curso de Capacitação em Poder Judiciário, fruto de uma parceria entre a Escola Nacional de Magistratura - ENM e a FGV-Direito Rio. Foram selecionados 50 magistrados e magistradas de todo o Brasil, através de análise curricular.
Do Maranhão, somos eu, o Des. Paulo Velten e o juiz Anderson Sobral Azevedo.
Aproveito uma folga para atualizar o blog e publicar sentença que proferi em mandado de segurança, na última sexta-feira, 08 de maio de 2009.
Neste caso – e em mais outros sobre o mesmo tema -, tive a oportunidade de externar entendimento que há muito defendo: candidatos aprovados em concurso público, dentro do número de vagas, têm, sim, direito a nomeação.
O tema é polêmico. Mais uma vez, estou aberto ao debate.
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Mandado de Segurança n0 419/2009
Impetrante: STAEL REGINA MUNIZ CARVALHO
Impetrado: PREFEITO MUNICIPAL DE VIANA/MA
Juiz de Direito: MÁRIO MÁRCIO DE ALMEIDA SOUSA
SENTENÇA
Trata-se de Mandado de Segurança, impetrado por Stael Regina Muniz Carvalho, contra ato do Exmo. Sr. Prefeito do Município de Viana/MA.
De relevante para o deslinde da questão, a impetrante alegou, em síntese, que foi aprovada em concurso público realizado pelo município de Viana/MA, dentro do número de vagas previsto no edital, mas não foi nomeada, embora outras pessoas tenham sido contratadas precariamente (sem concurso) para o mesmo cargo.
Valendo-se de tais argumentos, pugnou pela concessão de tutela de urgência, a fim de que fosse nomeada e empossada, com os efeitos daí decorrentes.
No mérito, pediu a confirmação da liminar – que foi deferida.
Manifestou-se o Ministério Público Estadual pela concessão da segurança.
É o que importa relatar.
Desde os bancos da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Maranhão – UFMA, sempre me soou estranho o entendimento segundo o qual a aprovação em concurso público gera para o candidato apenas expectativa de direito.
Nunca fui capaz de aceitar que um órgão público se valesse – ou se valha - de concursos para fazer “caixa”. Menos ainda consigo admitir que se diga a alguém que passou dias, meses, anos, enfim, estudando para um certame que ele (candidato), uma vez aprovado, tem apenas a expectativa de ser “chamado”.
Também não simpatizo com os chamados “cadastros de reserva”, conquanto até os aceite, desde que sua natureza esteja expressamente prevista no edital.
Ora, quando o Estado lança um concurso e divulga o número de vagas, é evidente que o ato administrativo, antes discricionário, passa a ser vinculado, ou melhor, transmuda-se em ato vinculante. E que, por óbvio, os aprovados dentro desse número têm, sim, direito a nomeação.
A discricionariedade da Administração é de fato plena no que tange à necessidade e a conveniência de contratar e, portanto, de lançar edital. Todavia, tornada pública a convocação, surge o dever de contratar quem preencher os requisitos, desde que, é claro, dentro do número de vagas abertas.
Nem poderia ser diferente, porquanto, se houve exteriorização do interesse em contratar, forçoso é concluir que os profissionais a recrutar são necessários à boa prestação de serviços públicos e há previsão orçamentária para custear os respectivos vencimentos, sobretudo quando o Poder Público admite ter contratado pessoas sem concurso para a mesma função.
Admitir-se o oposto seria compactuar com o enriquecimento ilícito do Poder Público e malferir um direito legitimamente conquistado.
Neste caso, outra não é a hipótese tratada.
Conforme se depreende dos autos, a impetrante foi aprovada em certame realizado pelo município de Viana/MA e dentro do número de vagas previsto no edital. E isso, por si só, é o quanto basta para sua nomeação e posse.
Acerca do tema, confira-se o entendimento do C. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em acórdão lavrado pelo eminente Desembargador Antonio Guerreiro Júnior nos autos do Agravo de Instrumento nº 15.880/2008, interposto, aliás, pelo município de Viana/MA:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO. APROVAÇÃO DE CANDIDATO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS EM EDITAL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO E À POSSE NO CARGO. RECURSO PROVIDO.
I. Em conformidade com jurisprudência pacífica do c. STJ, o candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previstas em edital, possui direito líquido e certo à nomeação e à posse. II. A partir da veiculação, pelo instrumento convocatório, da necessidade de a Administração prover determinado número de vagas, a nomeação e posse, que seriam, a princípio, atos discricionários, de acordo com a necessidade do serviço público, tornam-se vinculados, gerando, em contrapartida, direito subjetivo para o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas em edital (RMS 20.718/SP, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 04.12.2007, DJ 03.03.2008 p. 1) III – Recurso desprovido.”
Nesse sentido também já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça, como revela a ementa a seguir transcrita:
“ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - CONCURSO - APROVAÇÃO DE CANDIDATO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS EM EDITAL - DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO E À POSSE NO CARGO - RECURSO PROVIDO. 1. Em conformidade com jurisprudência pacífica desta Corte, o candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previstas em edital, possui direito líquido e certo à nomeação e à posse. 2. A partir da veiculação, pelo instrumento convocatório, da necessidade de a Administração prover determinado número de vagas, a nomeação e posse, que seriam, a princípio, atos discricionários, de acordo com a necessidade do serviço público, tornam-se vinculados, gerando, em contrapartida, direito subjetivo para o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas em edital. Precedentes. 3. Recurso ordinário provido.” (RMS 20.718/SP, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 04.12.2007, DJ 03.03.2008 p. 1)
Por todo o exposto, confirmo a liminar e concedo a segurança pleiteada, para o fim específico de determinar ao Município de Viana/MA, na pessoa do Exmo. Sr. Prefeito, que promova, em definitivo, a nomeação e a posse da impetrante no cargo para o qual foi aprovada.
Esclareço, por oportuno, que os efeitos financeiros desta sentença devem retroagir somente à data da impetração.
Esta decisão deverá ser cumprida no prazo de dois dias, a contar da ciência pelo Exmo. Sr. Prefeito de Viana/MA, sob pena de multa diária no valor de R$500,00 (quinhentos reais), a ser suportada pelo patrimônio pessoal do Chefe do Poder Executivo Municipal.
Não há custas processuais ou honorários advocatícios a pagar (STF, Súmula 512, e STJ, Súmula 105).
Expirado o prazo legal sem recurso voluntário, subam os autos ao E. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.
Viana/MA, 08 de maio de 2009.

Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa
Titular da 1ª Vara

17 de abril de 2009

Representação eleitoral – Captação ilícita de sufrágio – Sentença - Procedência

Publico, a seguir, sentença que proferi no dia 13 de abril de 2009, nos autos de representação eleitoral.
E o faço para fomentar o debate, sobretudo no que tange aos efeitos da decisão.
Muitos não compreenderam. Já outros discordaram. Alguns aderiram ao entendimento.
Ao debate, então!



Representação Eleitoral no 139/2008 – São Mateus/MA
Representante: COLIGAÇÃO FRENTE DE LIBERTAÇÃO DE SÃO MATEUS
Advogados: RICARDO DA SILVA LINS E OUTROS
Representados: FRANCISCO ROVÉLIO NUNES PESSOA E JOSÉ MARIA TEIXEIRA PLÁCIDO
Advogados: WILLAMY ALVES DOS SANTOS E OUTROS
Promotor Eleitoral: CLODOMIR BANDEIRA LIMA NETO
Juiz Eleitoral: MÁRIO MÁRCIO DE ALMEIDA SOUSA
SENTENÇA
RELATÓRIO
Trata-se de Representação Eleitoral proposta pela Coligação Frente de Libertação de São Mateus, contra Francisco Rovélio Nunes Pessoa e José Maria Teixeira Plácido, eleitos, respectivamente, prefeito e vice-prefeito da cidade de São Mateus nas eleições de 2008.
De relevante para o deslinde da questão, a coligação representante asseverou, em síntese, que, no “dia 03.08.08, domingo, o representado promoveu uma grande passeata na cidade com vasta distribuição de camisas verdes, com a estampa em destaque do número em disputa, ou seja, o Número 43” [sic] (fl.04).
Aduziu, ainda, que “o Representado além da camisa entregava como atrativo aos eleitores o valor de R$20,00 (vinte reais) e uma nota de combustível com 06 (seis) litros de gasolina”[sic] (fl.05).
Em continuação, expôs seus argumentos de cunho jurídico, formulou pedidos de praxe e, no mérito, requereu:
a) “a procedência desta representação”, para o fim de “cassar o registro da candidatura ou o diploma (caso eleito) do representado, bem assim aplicar-lhe multa (em seu grau máximo, dada a gravidade da conduta e a quantidade de eleitores atingidos, por violação ao art.41-A, da Lei 9.504/97)”;
b) “negar o diploma ao representado, ou cassar-lhe, se no curso da ação vier a lhe ser outorgado, por violação ao art.30-A, da Lei 9.5-4/97”.
Com a inicial foram juntados os documentos de fls.17/24 e arroladas 04 (quatro) testemunhas.
Em suas defesas, os representados afirmaram, em suma, que não praticaram as ilegalidades apontadas pela representante e que esta não trouxe aos autos provas idôneas para sustentar suas acusações (fls.33/41). Com a defesa não foi apresentado rol de testemunhas.
No curso da instrução processual, foram realizadas duas audiências, ambas destinadas a ouvir as testemunhas trazidas pelas partes, bem assim aquelas cuja oitiva foi determinada pelo Juízo (Vol.I, fls.195/212 e Vol.II, fla393/404).
Encerrados os depoimentos testemunhais e juntados aos autos os documentos solicitados pelas partes, abriu-se o prazo de dois dias para alegações (Vol.II, fl.609).
Às fls.616/622, manifestou-se o Ministério Público Eleitoral “pela procedência da representação proposta, para que reconhecida a captação ilícita de sufrágio por parte do representado Francisco Rovélio Nunes Pessoa, seja cassado seu diploma, ex vi do disposto no artigo 41-A, da Lei n0 9.504/97, bem assim seja estabelecida multa em desfavor dos demais representados”.
Os representados, por sua vez, tornaram a asseverar, em suma, que “a representação é manifestamente improcedente e como tal deve ser julgada” (fls.623/666).
Já a representante pugnou pela procedência de suas pretensões (fl.667/679).
Por ter concluído a instrução, o Excelentíssimo Senhor Desembargador José JOAQUIM FIGUEIREDO dos Anjos, Corregedor Regional Eleitoral, expediu a Portaria n0 111/2009-CRE, que me designou para julgar o feito.
É o que importa relatar.
FUNDAMENTAÇÃO
Logo de início, cumpre delimitar quem pode ser diretamente atingido pela decisão a ser proferida neste feito, a capitulação jurídica das condutas nele tratadas e o lapso temporal que aqui interessa.
Do pólo passivo
Embora a coligação representante atribua somente ao representado Francisco Rovélio Nunes Pessoa as condutas tidas por ilícitas, o vice-prefeito eleito, José Maria Teixeira Plácido, também faz parte da relação processual, porquanto foi incluído no pólo passivo, foi devidamente citado, apresentou defesa e participou de todos os atos processuais.
Destarte, os efeitos desta decisão também o alcançam, sobretudo porque a jurisprudência nacional é assente no sentido de que o vice segue a sorte do cabeça da chapa. Portanto, doravante, também será ele tratado como representado.
Das condutas atribuídas aos representados
Conforme se extrai da inicial, pesa sobre os representados a acusação de que teriam distribuído dinheiro, camisas verdes com a inscrição “43” e notas de combustível para que pessoas participassem de carreata ou passeata por eles promovida. Tudo em troca de votos.
Tais condutas são reputadas ilícitas pelos artigos 39, § 60, e 41-A da Lei nº 9.405/97, que dispõem, respectivamente:
“Art.39 [...]
§ 6º É vedada na campanha eleitoral a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor.”
“Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.”
Nos termos dos artigos 30-A, §§ 10 e 20
[1], e 41-A da mesma Lei n0 9.504/97, as representações tendentes a apurar essas práticas devem seguir o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, e sujeitam os responsáveis a pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir e cassação do registro ou do diploma (30-A, § 20 e 41-A).
Contudo, impende registrar, com a devida vênia, o equívoco do entendimento segundo o qual, neste processo, os representados estariam sujeitos à sanção da inelegibilidade prevista no art. 22, XIV, da Lei Complementar n0 64/90. Em casos desse jaez, as Cortes Eleitorais já assentaram que “na hipótese de configuração da infração prevista no art. 41-A, da Lei nº 9.504/97, inaplicável a pena de inelegibilidade, tendo em vista que as sanções presentes neste artigo restringem-se às penas de cassação de registro ou diploma e multa”.
[2]
Do lapso temporal a perquirir
Nos exatos termos da peça que inicia este feito, as ações dos representados que devem ser investigadas são aquelas já referidas e que teriam sido praticadas em 03 de agosto de 2008. Nem um dia a mais. Nem um dia a menos.
Se, porventura, forem ventiladas outras ilicitudes, sua apuração deve se dar em procedimento próprio, tanto se atribuídas aos representados quanto a terceiros.
Da análise das pretensões postas
Feitos esses breves registros, passo ao exame das acusações contra aos representados.
Em última análise, os dispositivos legais acima transcritos têm por escopo garantir a regularidade e a legitimidade das eleições, a igualdade entre os candidatos e, sobretudo, a plena liberdade do eleitor no momento de fazer suas escolhas políticas.
Discorrendo sobre o bem jurídico tutelado pelo artigo 22, caput, da LC nº 64/90, Marcos Ramayana professa que são a “normalidade e legitimidade das eleições e interesse público primário da lisura eleitoral. A tutela jurisdicional subsume-se nos valores fundamentais à eficácia social do regime representativo”.
[3]
Rogando vênia ao respeitado jurista, estendo suas lições aos artigos 39, § 6º, e 41-A da Lei nº 9504/97, cuja finalidade não é outra senão assegurar eleições regulares, legítimas e que revelem apenas a verdadeira vontade popular.
Tamanha é a importância dada pelo legislador pátrio aos sobreditos institutos que, para as condutas que porventura venham a malferi-los, foram estabelecidas reprimendas extremamente severas, tanto no caput do já transcrito artigo 41-A, quanto no artigo 30-A, § 2º.
Busca-se, com tanto rigor, não apenas punir de modo exemplar aqueles que venham a macular o processo eleitoral, mas também prevenir que outros tantos tentem fazê-lo.
Tais punições, por outro lado, transcendem os responsáveis pelas condutas ilícitas ou aqueles que delas se beneficiam - conscientemente. Como podem resultar, dentre outras coisas, no afastamento de titulares de cargos eletivos ou obstar-lhes a diplomação, a posse e o exercício, as penalidades previstas nos dispositivos em comento acabam por atingir diretamente o eleitor, o cidadão, toda a comunidade, enfim, porquanto a instabilidade política sempre compromete a implementação de ações públicas tão caras ao sofrido povo brasileiro.
E é por isso que, ao se defrontar com um caso como o ora sub examine, deve o Juiz Eleitoral agir com redobrada cautela e - desnecessário dizer, mas digo – absoluta imparcialidade, sob pena de prejudicar não apenas os envolvidos diretamente na demanda judicial, mas também aqueles que, em verdade, são os destinatários finais de sua atuação: o ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO e a SOCIEDADE.
Noutros termos, pode-se dizer que, numa lide como esta, deve o Magistrado cercar-se de todos os cuidados para apurar se realmente foram cometidos os ilícitos apontados e, em caso afirmativo, quem foram seus autores, sob pena de cometer graves equívocos.
In casu, depois de ler e reler por diversas vezes os autos e rememorar os fatos ocorridos nas audiências realizadas, concluí, sem qualquer resquício de dúvida, que de fato foram colhidos elementos capazes de comprovar as alegações contidas na peça inaugural. Mas somente em parte.
Sem delonga, já assevero que, no tocante à distribuição de dinheiro e de camisas verdes com a inscrição 43, não há provas a autorizar a penalização dos representados.
Nada está a indicar, com a devida clareza, a distribuição de dinheiro em espécie no dia 03 de agosto de 2008; tampouco é possível inferir-se, com segurança, que houve distribuição de camisas naquela mesma data.
Por outro lado, melhor sorte não socorre os representados no que diz com a captação ilícita de sufrágio (Lei n0 9.504/97, art.41-A), consubstanciada na distribuição de combustível em 03 de agosto de 2008, no Posto Mariana, sob o comando de Geisa Câmara Mendonça. Quanto a isso, não sobejam dúvidas.
E nem cogite que a prova dessa ilegalidade teria sido trazida pela representante, porque de fato não o foi.
Em verdade, essa convicção se formou, sobretudo, das declarações prestadas pela testemunha Josevaldo Pereira dos Santos, que foi ouvida por determinação deste juízo. As imagens gravadas nas mídias juntadas aos autos, vale dizer, nenhuma influência tiveram no espírito deste julgador.
Em seu depoimento, Josevaldo, também conhecido por Valdo, foi firme e convincente. E, pelo que depreendi, sobre ele não pode, nem de longe, recair a pecha de parcial, de tendencioso, de interessado em resultado favorável à representante. Antes o oposto, porquanto, ao dizer o que disse, decerto colocou em risco seu emprego – de cinco anos - num posto administrado por um doador e colaborador da campanha dos representados, Sr. Domingos Sousa Silva Júnior.
[4]
Para melhor compreensão do que foi dito, eis a transcrição integral do depoimento de Josevaldo Pereira dos Santos:
“QUE trabalha como frentista no Posto Mariana há aproximadamente cinco anos; QUE o posto pertence ao Sr. Rovélio e é arrendado ao Sr. Domingos Junior; QUE foi contratado já na administração de Domingos Junior; QUE em 2008 a prefeitura deste município já tinha conta no Posto Mariana e os abastecimentos eram feitos mediante apresentação de notas e que essas notas eram assinadas pelo prefeito Rovélio; QUE não sabe dizer como era feito o acerto da conta, tampouco quem era responsável pelo pagamento; QUE o Posto São Domingos também pertence ao Sr. Rovélio e é arrendado ao Sr. Domingos Junior; QUE as notas timbradas de um posto não valem no outro; QUE não se recorda de já ter visto as assinaturas constantes nas notas de fls. 23 e 24; QUE estava trabalhando no dia 03 de agosto de 2008, data em que houve na cidade uma carreata promovida pelos representados; QUE trabalhou das 05:00 às 23:00 horas; QUE muitos carros e motos foram abastecidos por pessoas que participariam da carreata; QUE a maioria dos motoristas já chagava ao Posto trajando camisas como a que foi juntada os autos e apresentada ao depoente nesta oportunidade; QUE não presenciou distribuição de camisas ou notas de combustível no posto; QUE alguns motoristas já chegavam ao posto com as notas, que seriam pagas posteriormente; QUE nesse dia o depoente estava trabalhando sozinho como bombeiro; QUE a Sra. Geisa, funcionária da prefeitura, passou quase o dia todo no posto coordenando os abastecimentos; QUE nos abastecimentos com notas Geisa não tinha nenhuma interferência; que, entretanto, ela autorizou vários abastecimentos e de imediato efetuou os respectivos pagamentos com dinheiro em espécie; QUE os veículos das pessoas que não tinham notas eram abastecidos depois que Geisa autorizava; QUE no dia 03 de agosto de 2008 a maioria dos abastecimentos foi de pessoas que participariam da carreata dos representados; QUE essas notas eram assinadas por Ivanildo e outra pessoas cujo nome não se recorda, mas que sabe dizer que são servidores da prefeitura; QUE essas pessoas disseram ao depoente que esses abastecimentos seriam pagos pela prefeitura de São Mateus; QUE nessas notas não havia identificação do responsável pelo pagamento; QUE nesse dia motos eram abastecidas com aproximadamente 3 litros e carros com 7 litros; QUE já viu as assinaturas constantes das notas de fls. 23 e 24, mas não se recorda de quem são; QUE os abastecimentos sem notas eram pagos em dinheiro antecipadamente por Geisa e distribuídos de acordo com sua orientação; QUE no dia 03 de agosto de 2008 o depoente abasteceu carros de som dos representados com notas emitidas pela prefeitura de São Mateus e assinadas pelo Sr. Rovélio e pelo seu genro Marcos (do prefeito); QUE nesse dia algumas motos também foram abastecidas com notas da prefeitura de São Mateus; QUE nessas notas constava expressamente ‘Prefeitura de São Mateus’; QUE às fls. 20, as duas primeiras fotos são do Posto Mariana e as outras duas do Posto São Domingos; QUE às fls. 20, na segunda foto de cima para baixo, o depoente consegue se reconhecer encostado em uma bomba de combustível; QUE às fls. 20 não reconhece mais ninguém; QUE não se recorda de ter visto alguém fazendo filmagens do Posto Mariana no dia 03 de agosto de 2008; QUE o depoente não participou da carreata dos representados; QUE não se recorda de quantos litros foram vendidos para o representado no dia 03 de agosto de 2008; QUE a maioria das pessoas que abasteceram seus veículos para participar da carreata dos representados trajava camisas como a constante dos autos; QUE as notas apresentadas ao depoente no dia 03 de agosto de 2008 não continham carimbo, nem mesmo aquelas emitidas pela Prefeitura de São Mateus; QUE em algumas notas não constava o nome do emitente, apenas as assinaturas de Ivanildo e de outra pessoas cujo nome não se recorda; QUE não sabe dizer se Ivanildo era coordenador da campanha dos representados em 2008; QUE Ivanildo trabalhava na campanha dos representados e tinha autoridade para assinar notas de combustível para a campanha; Aos questionamentos feitos pelos advogados do representante respondeu QUE o Sr. Marcos, genro do Sr. Rovélio também assinou notas para abastecimento de carros que participaram da carreata do dia 03 de agosto de 2008; QUE Bonifácio, Geisa e Bogea também assinaram notas que foram utilizadas para abastecer veículos que participaram da carreata; QUE Bogea é genro do Sr. Rovélio e que o Sr. Bonifácio é funcionário da prefeitura; QUE Bogea tem um cargo na prefeitura mas o depoente não sabe qual é; QUE durante o tempo em que esteve no posto, no dia 03 de agosto de 2008, Geisa não fazia anotações; QUE o gerente do posto, Sr. Carpegiani, autorizou o depoente a abastecer, no dia 03 de agosto de 2008, veículos mediante apresentação de notas assinadas por Ivanildo, Marcos e Bogea estes dois últimos, genros do Sr. Rovélio; QUE no dia 03 de agosto de 2008, ao final de seu expediente, o depoente prestou contas do movimento com o gerente, o Sr. Carpegiani; QUE não sabe dizer o critério utilizado por Geisa para autorizar abastecimento; QUE a maioria das pessoas que abasteceram seus veículos sem notas, trajavam camisas iguais as constantes dos autos; QUE nesse dia o movimento maior foi no turno da tarde; QUE em alguns momentos do dia formaram-se filas para o abastecimento; QUE não sabe precisar quantas motocicletas foram abastecidas nesse dia; QUE nesse dia foram abastecidos mais de mil litros para as pessoas que participariam da carreata; QUE antes de abastecer os veículos o depoente verificava se as notas estava assinadas por pessoas autorizadas; QUE o depoente somente abastecia mediante apresentação de notas assinadas por Ivanildo, Marcos e Bogea; QUE o posto Mariana também é chamado de São Domingos; QUE não existem notas timbradas com o nome Posto Mariana; QUE o Posto Mariana ainda é assim conhecido porque esse foi o nome que lhe foi dado pelo proprietário quando da inauguração; QUE não sabe dizer se no dia da carreata havia abastecimento da campanha também no Posto São Domingos, do mesmo dono do Posto Mariana; QUE não sabe dizer se Domingos Junior é aliado político do Sr. Rovélio; QUE no dia da carreata as notas apresentadas ao depoente eram iguais àquelas de fls. 23 e 24; QUE o Sr. Rovélio não esteve no Posto no dia 03 de agosto de 2008; QUE nesse dia o depoente e seus familiares não receberam camisas para participar da carreata; Aos questionamentos feitos pelos advogados do representado respondeu QUE as notas usadas no dia da carreata em nome da prefeitura de São Mateus tinha o nome do emitente (Prefeitura de São Mateus) escrito à mão; QUE as notas em nome da Prefeitura de São Mateus eram assinadas pelo genro do Sr. Rovélio, o Sr. Marcos; QUE conhece as assinaturas de Marcos e Bogea, e por isso no dia da carreata conseguia reconhecer as notas por eles assinadas em nome da prefeitura; QUE no dia da carreata não foram abastecido carros oficiais da prefeitura da São Mateus; QUE não se recorda quem eram os motoristas dos carros de som dos representados abastecidos no dia da carreata; QUE Geisa não disse ao depoente de quem era o dinheiro utilizado para pagar os abastecimentos realizados no dia da carreata; QUE durante esse dia, por diversas vezes, o depoente repassou ao gerente do posto o faturamento; QUE nesse dia mesmo entregou as notas para a gerência e não tirou cópia de nenhuma delas.; QUE Geisa estava sozinha no posto no dia da carreata; QUE não se recorda que hora Geisa deixou o posto, mas pode afirmar que foi do meio para o final da tarde; QUE em 2008 só trabalhou no Posto Mariana; QUE Ivanildo esteve no posto no dia da carreata, mas o depoente não sabe se ele conversou com Geisa; QUE não sabe dizer se Domingos Junior foi doador da campanha do Sr. Rovélio; QUE Marcos e Bogea não estiveram no posto no dia da carreata; QUE conhece de vista Urubatan, irmão de Pará; QUE no dia da carreata Urubatan não esteve no posto Mariana abastecendo nenhum veículo; QUE não sabe precisar quanto em dinheiro recebeu de Geisa para abastecimento de veículos no dia da carreata; QUE Geisa não abasteceu nenhum veiculo seu no dia da carreata; QUE ninguém comentou com o depoente que estava abastecendo para participar da carreata dos representados; QUE conhece de vista Manoel Moura e pode afirmar que ele não esteve no posto Mariana no dia da carreata; QUE não sabe dizer qual frentista trabalhou no Posto São Domingos no dia da carreata; QUE conhece Marco Antonio Castro, conhecido como Marquinhos, e pode afirmar que ele não esteve no posto Mariana no dia da carreata; QUE no dia da carreata também foram abastecidos carros que nada tinham a ver com o evento e que esses abastecimentos foram pagos em dinheiro; QUE a carreata não passou em frente ao Posto Mariana; QUE Geisa não disse ao depoente que estava abastecendo os carros para que participassem da carreata; QUE Geisa não disse a mando de quem estava executando o trabalho e tampouco o depoente tem essa informação; QUE não se recorda o nome de alguma pessoa que tenha abastecido no posto no dia da carreata; QUE no dia da carreata nenhum veiculo particular dos representados foi abastecido no Posto Mariana; QUE não se recorda de nenhum candidato ter abastecido seu veiculo no dia da carreata no Posto Mariana; QUE não presenciou as convenções partidárias havidas em 2008; QUE não se recorda de ter visto ninguém vestindo a camisa juntada aos autos antes do dia da carreata; QUE conhece Sebastião Nunes Neto, conhecido como Neto do Bradesco e que pode afirmar que o mesmo não esteve no posto mariana no dia da carreata; Dada a palavra ao MP respondeu QUE procura o emitente sempre que recebe uma nota erroneamente preenchida, mas que paga o respectivo valor caso não consiga a correção; QUE no dia da carreata não houve nenhum caso de preenchimento equivocado de notas e todas recebidas naquela data foram devidamente pagas; QUE a gerência do Posto também não detectou nenhuma nota errada no dia da carreata” (Vol.II, fls.399/402).
Como se vê, mesmo sendo empregado – há anos – de um doador de campanha e colaborador político do representado Rovélio, o frentista Josevaldo não hesitou e sustentou, com notável firmeza, que, no dia 03 de agosto de 2008, Geisa Câmara Mendonça, servidora comissionada da Prefeitura de São Mateus desde 2005 (fl.403), coordenou a distribuição de combustível para pessoas que participariam da carreata promovida pelos representados naquele mesmo dia.
Vale dizer, por oportuno, que a firmeza de Josevaldo se evidenciou ainda mais quando da acareação com Geisa. Diferentemente desta informante, a testemunha do juízo não hesitou e inspirou ainda mais confiança.
Impõe-se, portanto, nessa parte, o acolhimento da pretensão da representante, por afronta ao disposto no art.41-A da Lei n0 9.504/97.
Nesse sentido, confiram-se os arestos a seguir transcritos:
“O CANDIDATO A POSTO ELETIVO QUE DISTRIBUI COMBUSTÍVEL VISANDO A CAPTAÇÃO DA VONTADE DO ELEITOR SUJEITA-SE ÀS PENAS PREVISTAS NO ART. 41-A DA LEI Nº 9504/97. Decisão: UNÂNIME, em rejeitar as preliminares argüidas e conhecer do recurso, para, no mérito, por maioria de votos, dar-lhe provimento, para aplicar ao recorrido a pena de multa no valor de 3000 UFIRS.” (Recurso Eleitoral nº 1652 (25087), TRE/PR, Iporã, Rel. Jaime Stivelberg. j. 28.06.2001, DJ 03.08.2001).
“ELEIÇÕES 2008. RECURSO. REPRESENTAÇÃO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. DISTRIBUIÇÃO DE VALES-COMBUSTÍVEL. APREENSÃO. MULTA. CASSAÇÃO DE REGISTRO. INELEGIBILIDADE. Verificada, por meio da análise dos fatos e das provas trazidas aos autos, a existência de diversos elementos que atestam a materialidade da distribuição de vales-combustíveis e a autoria da captação ilícita de votos, impõe-se o reconhecimento da prática vedada pelo art. 41-A, da Lei 9.504/97. O elevado número de veículos participantes da carreata do candidato, artificialmente provocado pela distribuição dos vales-combustível, evidencia a potencialidade da conduta configuradora do abuso de poder econômico de influenciar decisivamente o pleito, tornando imperativas a cassação do registro do candidato e a sanção de inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos três anos subsequentes.” (Recurso Eleitoral nº 6051 (36.346), TRE/RJ, Rel. Maria Helena Cisne. j. 29.09.2008, unânime).
“(...) Investigação judicial. Art. 41-A da Lei n0 9.504/97. (...) Ilícito eleitoral. Desnecessidade. Participação direta. Candidato. Possibilidade. Anuência. Conduta. Terceiro. (...) 3. Para a caracterização da infração ao art. 41-A da Lei das Eleições, é desnecessário que o ato de compra de votos tenha sido praticado diretamente pelo candidato, mostrando-se suficiente que, evidenciado o benefício, haja participado de qualquer forma ou com ele consentido. Nesse sentido: Acórdão no 21.264. (...)” NE: Distribuição de padrão de luz. (Ac. N0 21.792, de 15.9.2005, rel. Min. Caputo Bastos.)
Por derradeiro, não excede dizer que, conquanto seja irrelevante sua potencialidade lesiva
[5], a ilegalidade apontada neste caso (distribuição de combustível a eleitores) pode, sim, ter adulterado o resultado das eleições, ainda mais se considerada a diferença entre os primeiros e os segundos, que foi de apenas 22 (vinte e dois) votos.
DISPOSITIVO
Por todo o exposto, julgo parcialmente procedente a Representação Eleitoral no 139/2008, proposta pela Coligação Frente de Libertação de São Mateus, e, nos termos do art.41-A da Lei no 9.504/97:
1) casso os diplomas de Prefeito e Vice-prefeito expedidos, respectivamente, em favor de Francisco Rovélio Nunes Pessoa e José Maria Teixeira Plácido, relativamente à eleições havidas em outubro de 2008;
2) imponho a Francisco Rovélio Nunes Pessoa e José Maria Teixeira Plácido multa de 10.000 (dez mil) Ufir, para cada um.
Dos efeitos desta decisão
Não desconheço que, em casos como este, a jurisprudência majoritária é no sentido de que os efeitos da sentença são imediatos, pois, dentre outras coisas, não há declaração de inelegibilidade.
Em que pese isso, parece-me desarrazoado determinar de logo a posse dos que ficaram em segundo lugar na disputa eleitoral. Num momento de crise institucional como o que experimentou este município nos últimos meses, com episódios de extrema violência e depredação de importantes prédios públicos, deve-se evitar, tanto quanto possível, alterações precárias (isto é, sujeitas a reforma judicial) no comando da administração municipal.
Deve-se, pois, aguardar o trânsito em julgado desta decisão ou deliberação distinta de Corte recursal.
Da remessa de cópias dos autos ao Ministério Público
Tendo em conta que, no curso da instrução processual, foram colhidos indícios do cometimento de ilícitos eleitorais, civis, administrativos e criminais, determino a remessa de cópia integral dos autos ao Ministério Público.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se
São Mateus/MA, 13 de abril de 2009.

Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa
Designado pela Portaria n0 111/2009-CRE
[1] “Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral relatando fatos e indicando provas e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.
§ 1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.
§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.”
[2] Recurso Eleitoral nº 3125, TRE/GO, Mutunópolis, Rel. Amélia Netto Martins de Araújo. j. 19.09.2005, unânime, DJ 26.09.2005.
[3] Ramayana, Marcos. Direito eleitoral – 2ª edição / Marcos Ramayana – Rio de Janeiro : Impetus, 2004. P.288.
[4] “[...] QUE doou para a campanha dos apresentados aproximadamente R$20.000,00” [...] “QUE o informante chegou a disponibilizar carros seus, devidamente abastecidos, para participarem das carreatas [...]” (Vol.I, fls.210 e 211)

[5] “Agravo regimental. Recurso especial. Eleição 2000. Captação de sufrágio. Nexo de causalidade. Desnecessidade. Matéria fática. Reexame. Impossibilidade. Dissídio não caracterizado. Fundamentos não infirmados. Negado provimento. I – Em se tratando de captação ilegal de sufrágio, esta Corte já assentou ser desnecessário o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado do pleito. II – Nega-se provimento a agravo regimental que não infirma os fundamentos da decisão impugnada” (Ac. n0 20.312, de 29.5.2003, rel. Min. Peçanha Martins)

26 de fevereiro de 2009

Controle judicial da Administração Pública e direitos fundamentais

Publico, a seguir, sentença que proferi em mandado de segurança.
Há outra semelhante no blog.
A publicação se justifica porque fiz referência ao processo numa decisão de outro feito.
O tema é recorrente e enseja muita discussão.
Espero que seja assim também neste espaço.
MANDADO DE SEGURANÇA N0 170/05
Impetrantes: JOZELIA FERREIRA CUTRIM E OUTROS
Advogados: HÉLIO BEZERRA DA COSTA JÚNIOR E OUTRO
Impetrado: PREFEITO MUNICIPAL DE MATINHA/MA
Promotora de Justiça: EVELINE BARROS MALHEIROS
Juiz de Direito: MÁRIO MÁRCIO DE ALMEIDA SOUSA

SENTENÇA
Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por Jozelia Ferreira Cutrim, Ubiratania Serra Silva, Jadirson Mendonça Soeiro, José Carlos Silva Lindoso, Sheila Regina Mendes Lima e Luana Maria Alves Cutrim, contra atos do Excelentíssimo Senhor Prefeito do Município de Matinha/MA.
Na inicial, os impetrantes alegaram em síntese que, malgrado sua condição de servidores públicos municipais concursados e estáveis, foram demitidos pela autoridade dita coatora, com o argumento de que suas nomeações teriam ocorrido de forma irregular e que não teriam sido encontrados, nos arquivos da municipalidade, documentos que legitimassem seu ingresso no serviço público.
Com base nessas afirmações, formularam os pedidos de praxe e pugnaram pela concessão de liminar, a fim de que fossem suspensos os atos administrativos que resultaram em suas exonerações. No mérito, pediram a concessão da segurança.
Vários documentos foram juntados aos autos.
Deferiu-se a liminar.
A autoridade coatora prestou as informações que lhe foram requisitadas e o município de Matinha apresentou defesa.
Manifestou-se o Ministério Público Estadual pela concessão da segurança.
É o que importa relatar. Passo a decidir.
Tendo-se em vista que os impetrantes buscam nesta via mandamental proteger direitos fundamentais e ainda que, em última análise, as disposições constitucionais consagradoras desses direitos são dirigidas ao Poder Público e, também, que cabe ao Judiciário a salvaguarda do ordenamento jurídico, não excede que se teçam, antes do exame do mérito, comentários sobre o controle judicial dos atos administrativos.
Ao praticar os atos que o ordenamento jurídico lhe faculta ou impõe, a Administração Pública não pode ladear os parâmetros estabelecidos pelas normas que criam ou protegem direitos fundamentais. As normas jurídicas (das quais são espécies os princípios e as regras) devem, por quem quer que seja, sempre ser interpretadas e aplicadas segundo esses direitos e em função deles, mesmo porque é por eles e para eles que existe a lei
[1] e o próprio Estado.
Quando isso não ocorre, isto é, quando o Estado não pauta sua conduta nas regras e nos princípios insculpidos no ordenamento jurídico brasileiro, o próprio sistema normativo, mais precisamente os artigos 2º, 5º, inciso XXXV, e 37, caput, da Constituição Federal, assegura que o Poder Judiciário pode e deve atuar para restabelecer a legalidade
[2].
Noutros termos: há casos em que o Poder Judiciário pode e deve intervir para resguardar o primado da legalidade e - por que não dizer? – a própria essência do Estado Democrático de Direito, que passa, necessariamente, pelo respeito ao conjunto normativo que lhe serve de alicerce. E isso sem que se possa cogitar de afronta aos princípios da harmonia e da independência entre os Poderes da República, porquanto se trata, apenas e tão-somente, de não esquivar o Judiciário de sua missão precípua: aplicar a lei ao caso concreto e distribuir Justiça.
Conforme ensina Jessé Torres Pereira Júnior, o Poder Judiciário tem legitimidade para agir – desde que provocado, é claro! – sempre que estiverem em jogo direitos fundamentais, haja vista que no sistema constitucional brasileiro de controle da Administração Pública (autocontrole, controle parlamentar, controle popular e controle judicial) lhe “cabe dar a última palavra sobre se as normas expedidas e os atos praticados nos mais recônditos escaninhos da ordem jurídica se compadecem, ou não, com os princípios e normas do sistema”
[3]
E aos magistrados, frise-se, cabe relevante papel sempre que o exercício de direitos fundamentais encontrar óbice na ação ou na omissão da Administração Pública. Afinal, são eles quem tem autoridade e legitimidade para garantir ou restabelecer o respeito às normas do país, notadamente àquelas relativas aos direitos fundamentais.
Especificamente em relação a esses direitos – os fundamentais -, Ingo Wolfgang Sarlet, fazendo referência a Gomes Canotilho, chega a afirmar que “a vinculação dos órgãos judiciais aos direitos fundamentais manifesta-se, por um lado, por intermédio de uma constitucionalização da própria organização dos tribunais e do procedimento judicial, que, além de deverem ser compreendidos à luz dos direitos fundamentais, por estes são influenciados, expressando-se, de outra parte, na vinculação do conteúdo dos atos jurisdicionais aos direitos fundamentais, que, neste sentido, atuam como autênticas medidas de decisão material, determinando e direcionando as decisões judiciais”.
[4]
Negar-se a possibilidade de haver controle judicial sobre a Administração Pública seria o mesmo que destituir o Poder Judiciário de sua missão precípua e negar validade ao mandamento constitucional segundo o qual a lei não excluirá da apreciação judicial lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV).
Equivocam-se sobremaneira aqueles que afirmam não ter o Poder Judiciário legitimidade para controlar a Administração Pública. Na precisa lição de Aury Lopes Jr. “a legitimidade democrática do juiz deriva do caráter democrático da Constituição, e não da vontade da maioria. O juiz tem nova posição dentro do Estado de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política, mas constitucional, e seu fundamento é unicamente a intangibilidade dos direitos fundamentais. É uma legitimidade democrática, fundada na garantia dos direitos fundamentais e baseada na democracia substancial”.
[5]
Forte nesse entendimento foi que assentei, nos autos da Ação Cautelar 213/04, proposta neste juízo contra o vizinho município de Olinda Nova do Maranhão, que a interpretação correta e sistemática dos artigos 2º, 5º, inciso XXXV, e 37, caput, da Carta Política brasileira, bem assim de todos os outros com os quais eles guardam pertinência, conduz, sem qualquer resquício de dúvida, à ilação de que o Poder Judiciário, uma vez provocado por quem detenha legitimidade para tanto, pode e deve atuar sempre que a Administração Pública não pautar sua conduta nos princípios e regras insculpidos no ordenamento jurídico nacional.
Não se trata aqui - e nem se tratou acolá – de admitir a interferência pura e simples de um Poder no outro. Nada disso. Cuida-se, em verdade, do legítimo exercício do poder-dever que tem o Judiciário de controlar a constitucionalidade/legalidade de atos administrativo, sobretudo quando eles produzem efeitos extremamente significativos para a própria municipalidade e para os servidores.
A separação dos Poderes não pode, em absoluto, servir de suporte para a prática de atos atentatórios ao Estado Democrático de Direito, tampouco para excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Malgrado não tenha relação direta com o presente caso, não sobeja mencionar que igualmente incapaz de impedir o controle ora defendido é a reserva do possível, que muitas vezes não passa de retórica. Acerca disso, confira-se o magistério de Américo Bedê Freire Jr.:
“Será que é possível falar em falta de recursos para a saúde quando existem, no mesmo orçamento, recursos com propaganda de gorveno? Antes de os finitos recursos do Estado se esgotarem para os direitos fundamentais, precisam estar esgotados em áreas não prioritárias do ponto de vista constitucional e não do detentor do poder.
Por outro lado, é preciso observar que, se os recursos não são suficientes para cumprir integralmente a política pública, não significa de per si que são insuficientes para iniciar a política pública.
Nada impede que se inicie a materialização dos direitos fundamentais e, posteriormente, se verifique como podem ser alocados novos recursos. O que não é razoável é simplesmente o Executivo ou legislativo descumprir a Constituição e a decisão judicial, alegando simplesmente que não tem recursos para tanto.”
[6]
Em que pesem todas essas ponderações, não se pode deixar de reconhecer que a atuação da autoridade judiciária deve ser absolutamente necessária e adequada, não podendo ir além de garantir o exercício do direito invocado.
Feitas essas consideração, já é tempo de dizer que, dados os fatos narrados na inicial e sua disciplina legal e constitucional, não tenho dúvidas de que se está diante de um caso que comporta a intervenção do Judiciário, porquanto em jogo direitos fundamentais (CF, art.5º, XXXV). Também já é hora de reconhecer que merece acolhida a pretensão dos impetrantes.
Diferentemente do que foi consignado nas informações e na defesa juntadas aos autos, os impetrantes lograram, sim, demonstrar que os atos impugnados malferiram direitos seus, os quais são fundamentais, líquidos e certos. São eles: o direito à preservação da dignidade da pessoa humana, o de fruir de uma Administração Pública pautada, dentre outros, nos princípios da legalidade e publicidade, o direito à ampla defesa e ao contraditório, com os meios e recursos a ela inerentes, e o direito que têm os servidores públicos estáveis de somente perderem seus cargos através de processos administrativos regulares (CF arts.1º, 5º, LV, III, 37, caput, 41, § 1º, II).
Com efeito, imperioso é reconhecer que a Administração Pública pode revogar e/ou anular atos por ela praticados, sobretudo quando estiveram em confronto com a lei. Todavia, isso não significa que o Poder Público tudo pode, principalmente quando em discussão direitos fundamentais. Se bem me lembro da singela lição dos bancos da faculdade de direito na Universidade Federal do Maranhão, “o cidadão pode fazer aquilo que não é vedado por lei; já a Administração Pública somente pode aquilo que a lei permite”.
Nestes autos, resta evidente que os impetrantes foram exonerados sem o prévio e devido processo administrativo e por meio de atos desprovidos de fundamentação.
Ora, a exoneração de servidores públicos estáveis, por sua gravidade, exige ato administrativo formal e materialmente perfeito (principalmente no que tange à fundamentação) e prova robusta de irregularidades e ilegalidades, prova essa a ser apurada em procedimento próprio, no curso do qual deve ser assegurado aos diretamente envolvidos o direito ao contraditório e à ampla defesa. Contudo, repita-se, nada disso ocorreu aqui, numa flagrante violação ao disposto nos artigos 5º, inciso LV, e 41, § 1º, da Constituição Federal e ao enunciado da Súmula 20 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “é necessário processo administrativo, com ampla defesa, para demissão de funcionário admitido por concurso”.
A autoridade coatora afrontou ainda os princípios da legalidade e da publicidade, porquanto lhe cumpria explicitar as razões e os motivos justificadores de sua ação e, por óbvio, apontar quais as normas jurídicas malferidas, bem assim aquelas que serviram de suporte para a exoneração dos impetrantes. Mas houve, apenas, mera referência a “inúmeras irregularidades” e a uma suposta inexistência, nos arquivos da municipalidade, de documentos exigidos pelo edital do concurso. E isso não basta para fundamentar e justificar ações de tamanha envergadura, sobretudo porque se deve presumir que toda a documentação exigida foi oportunamente apresentada, pois, do contrário, os impetrantes não estariam exercendo seus cargos. A prova do oposto cabia à Administração – por incrível que pareça, à mesma Administração que admitiu e sempre remunerou os impetrantes e hoje quer demiti-los! Não se pode olvidar: os homens e mulheres públicos passam, a Administração Pública fica!
Ainda nessa seara, vale ressaltar o equívoco daqueles que afirmam ser o artigo 93, IX, da Constituição Federal aplicável apenas à atividade jurisdicional. Isso porque, como corolário do princípio da legalidade – que limita sua atuação aos termos da lei -, o administrador público também interpreta o ordenamento jurídico quando pratica os atos que lhe competem. Porém, quando o faz sem apresentar os fundamentos de sua decisão, malfere tanto a regra (CF, art.93, IX) quanto o princípio constitucional (legalidade), como ocorreu aqui.
Cumpre gizar, ainda, que o princípio da publicidade não impõe apenas a divulgação dos atos da Administração Pública, mas também que tais atos ostentem clareza e fundamentação, em ordem a permitir e garantir que seu conteúdo seja conhecido e compreendido pelos administrados, notadamente aqueles diretamente interessados.
Como bem lembra o já referido Jessé Torres Pereira Júnior, “foi Digo de Figueiredo Moreira Neto quem sustentou que, a partir dela
[7], todos os atos jurídicos dos poderes públicos teriam de revelar os seus motivos, mesmo aqueles em que a lei reservasse espaços à discrição administrativa. Vale dizer: todo ato administrativo deve deixar expressas, no seu instrumento veiculador (os consideranda de um decreto ou ato normativo, por exemplo), ou nos autos do processo administrativo em que o ato foi editado, as razões de fato e de direito que levaram a autoridade competente a decidir daquele modo, naquelas circunstâncias, mediante aqueles meios”.[8]
Por fim, resta asseverar que as portarias combatidas também ofenderam o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que, devido à falta de justificativa idônea e influenciados por uma lamentável – mas não raro correta - impressão de que atos dessa natureza não passam de vendeta contra opositores políticos, os impetrantes experimentaram a angústia de pensar que estavam sendo vítimas de igual perseguição – o que, neste caso, decerto não corresponde à verdade dos fatos.
Como se vê, as exonerações dos impetrantes devem ser declaradas nulas, porquanto malferiram direitos fundamentais, líquidos e certos.
Assim sendo, confirmo a liminar anteriormente deferida e concedo a segurança pleiteada pelos impetrantes, para o fim anular as portarias que resultaram em suas exonerações.
Não há custas processuais ou honorários advocatícios a pagar (STF, Súmula 512).
Expirado o prazo legal sem recurso voluntário, subam os autos ao E. Tribunal de Justiça do Maranhão.
Façam-se as intimações necessárias.
Publique-se. Registre-se.
Matinha/MA, 27 de janeiro de 2006.

Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa
Titular da Comarca de Matinha/MA
[1] O vocábulo lei é empregado nesta decisão em sentido amplo.
[2] Diga-se o mesmo da expressão legalidade.
[3] Controle judicial da Administração Pública: da legalidade estrita à lógica do razoável. 1ª ed., 2005, Editora Fórum, p.27.
[4] A eficácia dos direitos fundamentais. 5ª ed. rev. atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 368.
[5] Introdução crítica ao processo penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p.73.
[6] O controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. – (Coleção temas fundamentais de direito; v.1), p.74.
[7] Refere-se o autor à Constituição Federal de 1988.
[8] Op.cit. p.51.

26 de janeiro de 2009

Prestação de contas - Produtividade 2008

É com grande satisfação que divulgo relatório das minhas atividades no ano de 2008.
De janeiro a dezembro do ano passado, na 1ª Vara da Comarca de Viana, foram distribuídos 607 (seiscentos e sete) novos processos e realizadas 625 (seiscentas e vinte e cinco) audiências. No mesmo período, descontados os meses de fevereiro e março, nos quais gozei férias, proferi 625 (seiscentas e vinte e cinco) sentenças – isso sem contar despachos, decisões interlocutórias, etc.
Em dezembro de 2007, quando assumi a titularidade da 1ª Vara de Viana, o acervo era de 2334 (dois mil trezentos e trinta e quatro) processos. Já em dezembro de 2008, o número total de feitos em andamento foi reduzido para 2262 (dois mil duzentos e sessenta e dois).
Na 2ª Vara de Viana e nas comarcas de Matinha, São Vicente Férrer e Colinas, onde também atuei em 2008, proferi 45 (quarenta e cinco) sentenças. Isso significa que, em 10 (dez) meses de efetivo exercício da judicatura, prolatei 670 (seiscentas e setenta) sentenças.
É importante registrar que o bom resultado dos trabalhos se deve – e muito – à colaboração dos servidores, que não mediram esforços para compensar o número insuficiente de colaboradores e a falta de estrutura física. Neste ponto, vale registrar que as duas varas do Fórum de Viana funcionam num acanhado prédio, sem condições até de armazenar devidamente os processos e de instalar condignamente magistrados e servidores. Para ficar apenas num exemplo, cito o fato de que as audiências são realizadas nos próprios gabinetes dos juízes, uma vez que não há espaço disponível
A meta de 2009 é reduzir ainda mais o acervo processual. E mudar de prédio.
Deus há de ajudar, como sempre.