28 de outubro de 2006

O novo Código Civil e a possibilidade de mudança do regime matrimonial

O regime matrimonial é o instituto jurídico que rege as relações patrimoniais dos cônjuges. Através dele, buscam os consortes a proteção dos seus bens, comuns e/ou individuais, durante a constância do casamento e após a sua dissolução.
O artigo 230 do Código Civil de 1916 – que já não vigora - dispunha que o regime de bens era irrevogável, isto é, uma vez celebrado o casamento, os cônjuges não mais poderiam alterá-lo, pouco importando se sua estipulação tivesse decorrido de convenção ou de imperativo legal (em alguns casos, o Código antigo impunha e o novo ainda impõe o regime, independentemente da vontade do casal).
De acordo com o Professor Sílvio de Salvo Venosa, a imutabilidade do regime matrimonial tinha por objetivo resguardar os direitos dos consortes e de terceiros, pois, “no curso da vida conjugal, um dos cônjuges poderia fazer prevalecer indevidamente sua vontade para alterar o regime, em detrimento do outro ou de credores”. À época de sua instituição, essa proibição era de grande valia, sobretudo porque, naquele momento histórico, o Brasil ostentava uma sociedade permeada pelo ideário machista, restringindo-se à mulher um papel secundário.
Aos olhos da Lei, o homem era o “chefe da sociedade conjugal” e, por isso, muitas mulheres viviam uma espécie de jugo, limitando-se a fazer e a deixar de fazer somente aquilo que convinha a seus maridos. Nesse contexto, era realmente necessário que o legislador presumisse que a possibilidade de alteração do regime de bens poderia causar prejuízos a um dos cônjuges, especialmente à mulher.
Mas isso mudou. O processo de emancipação feminina - que, do ponto vista legal, culminou com a Constituição Federal de 1988 (mulheres e homens são iguais em direitos e obrigações) - aboliu esse papel de coadjuvante, que era indevidamente conferido às mulheres no complexo cenário social. Hoje, o que se vê é sua efetiva e valorosa participação em todos os setores da sociedade, da administração da entidade familiar até a condução dos mais altos postos da nação.
Daí que, atento às mudanças havidas na sociedade e empurrado pela brisa benfazeja da evolução, o legislador brasileiro também contemplou no novo Código Civil a igualdade entre homens e mulheres, em especial no seio familiar, ao estabelecer que a direção da sociedade conjugal será exercida por ambos os cônjuges (art.1567). Na mesma trilha, possibilitou a alteração do regime de bens após o casamento. Agora, por força do disposto no artigo 1639, § 20, da nova Lei Civil, “é admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.
À primeira vista, a inovação parece simples. Mas, dadas as conseqüências que podem advir do exercício do direito nela contido, alguns esclarecimentos se fazem necessários.
De acordo com o novo texto legal, a alteração do regime de bens não pode se dar por iniciativa de apenas um dos cônjuges, ou seja, se a mulher não concordar com a mudança, o marido nada pode fazer – e vice-versa. Essa foi a forma encontrada pelo legislador para não fomentar demandas entre cônjuges.
Além disso, é importante ressaltar que não basta que o casal concorde em alterar o regime matrimonial. É imprescindível, pois, que essa pretensão seja submetida à apreciação de um Juiz de Direito, que, além de analisar a relevância das razões que ensejaram o pedido, deverá certificar-se de que o seu deferimento não resultará em prejuízos a terceiros ou mesmo a um dos consortes. Essa foi a forma encontrada pelo legislador para evitar fraudes e pressões contra a parte mais fraca da relação, quer seja do ponto de vista econômico, quer do psicológico.
Outro ponto que merece destaque é o relativo à possibilidade de alteração do regime de bens em casamentos celebrados antes da entrada em vigor do atual Código Civil, que se deu no dia 11 de janeiro de 2003.
Alguns renomados juristas entendem que essa alteração não pode ser deferida àqueles que se casaram até o dia 10 de janeiro de 2003, devido aos institutos do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. Já outros defendem que qualquer casal pode pleitear em juízo a modificação do regime matrimonial, independentemente da data do enlace.
Ao nosso sentir, afigura-se mais coerente possibilitar a todos a alteração do regime de bens, pouco importando a data de celebração do casamento. Afinal, como se trata de questão eminentemente patrimonial, deve prevalecer a vontade das partes, respeitadas, é claro, as disposições legais mencionadas acima. Com efeito, defender posicionamento contrário seria o mesmo que negar o exercício dos direitos conferidos pela Lei do Divórcio às pessoas que se casaram antes de sua entrada em vigor. E isso não ocorre.
Com a palavra os Tribunais brasileiros.
* Juiz
Mário Márcio de Almeida Sousa
** Rafael Lima da Costa - Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA
(Artigo escrito em 2003, quando os autores ainda eram, respectivamente, assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão e estudante do 7º período do curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão)

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