28 de outubro de 2006

Breves considerações sobre o novo Código Civil e os institutos do estado de perigo e da lesão

No dia 06 de março de 1999, tive a grata satisfação de publicar em um jornal local artigo sobre os chamados contratos de adesão, que são aqueles “cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo” (art. 54 do Código de Defesa do Consumidor). Como exemplos, citei os contatos bancários, de seguros e planos de saúde.
Naquela oportunidade, referi-me também aos artigos 60 e 51 do Código de Defesa do Consumidor e afirmei que, ao contrário do que pensam alguns consumidores e, mais ainda, ao contrário do que querem entender alguns doutrinadores, sempre que as cláusulas de um contrato relativo ao fornecimento de produtos ou serviços acarretarem, devido a fatos supervenientes, encargos excessivos ao consumidor, ou, de outro modo, encaixarem-se no conceito de cláusulas abusivas, a lei assegura sua modificação, no primeiro caso, ou a decretação de sua nulidade, isto é, a decretação de que não têm força alguma, no segundo.
Passados seis anos da citada publicação, alegra-me ocupar este espaço para dizer ao leitor que o novo Código Civil, seguindo a trilha do Código de Defesa do Consumidor, contemplou expressamente dois institutos de grande valia, tanto para os consumidores, quanto para os contratantes em geral: o estado de perigo e a lesão. E o fez como forma de dar efetividade aos princípios da função social do contrato, da boa-fé e da probidade, também expressamente consagrados na nova Lei Civil (arts.421 e 422).
De acordo com o artigo 156 do novo Código, “configura-se o estado de perigo quando alguém, premido de extrema necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa”. Já o parágrafo único do mesmo artigo dispõe: “Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias”.
Em termos práticos, significa dizer que, a partir de 11 de janeiro de 2003, tornou-se legalmente possível aos contratantes, consumidores ou não, pedir a anulação judicial de negócios excessivamente desvantajosos que tenham sido celebrados com o objetivo de salvar a si, a pessoa de sua família ou mesmo a um terceiro, sendo que, neste último caso, a anulação dependerá de uma análise mais rigorosa por parte do juiz.
Mas é importante esclarecer: não basta que o contratante venha a pensar ou mesmo perceber que fez um mau negócio ou, ainda, que, aos seus olhos, a outra parte tenha feito um “negócio da China”. Nos termos da norma atual, é preciso que esse trato tenha sido celebrado com uma urgência tal que não seja possível à parte atentar para os prejuízos ou encargos excessivos que pode vir a ter, ou, em os vislumbrando, não lhe seja possível negociar melhor, sob pena de não poder salvar a si, a pessoa de sua família ou a um terceiro.
Além disso, é necessário restar comprovado que, ao tempo da negociação, a parte que mais se beneficiou sabia da premente necessidade da outra. Há que se destacar, por fim, que a anulação de um negócio feito em estado de necessidade somente pode ocorrer através de uma ação judicial, sendo que, de acordo com os Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, “passado o perigo, sob cuja iminência foi feito o negócio jurídico, nada impede que o declarante confirme sua declaração, convalidando o negócio jurídico que deixará de ser anulável”.
Exemplo de negócio celebrado em estado de necessidade: um pai que vende seu carro por um preço muito abaixo do de mercado para uma pessoa que sabe que o dinheiro será usado no pagamento de uma cirurgia de emergência a que deverá se submeter o filho do vendedor.
A lesão, por sua vez, está inserta no artigo 157 do atual Código Civil e “ocorre quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga à prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação da outra parte”.
Muito semelhantes, os institutos do estado de perigo e da lesão têm como maior diferencial o fato de que para a configuração deste último não é necessário que a parte mais beneficiada tenha ciência da necessidade ou da inexperiência da outra, ou seja, basta que um dos contratantes fique em excessiva desvantagem para se tornar possível a anulação do negócio. Entretanto, “não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito” (art.157, parágrafo segundo).
Exemplo de negócio em que se configura o instituto da lesão: financiamentos de veículos que venham a se tornar impagáveis devido à excessiva alta dos índices pactuados para reajuste de suas parcelas.
Com se vê, após a entrada em vigor do novo Código Civil, os contratantes brasileiros, consumidores ou não, passaram a contar com mais dois importantes instrumentos legais contra pessoas físicas e/ou jurídicas que venham a tentar auferir vantagens através da exploração de sua necessidade ou de sua inexperiência.
Alvíssaras ao legislador brasileiro!
* Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa

(Artigo escrito em 2003, quando o autor ainda era assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão)

Um comentário:

Gleison disse...

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