28 de outubro de 2006

Onde está a razão?

De acordo com o dicionarista Pedro Nunes, senso comum “é a faculdade inata em quase todos os homens normais, de julgar e proceder segundo os ditames da razão”.
Pois bem. Hoje, nos quatro cantos do mundo, não há um único homem dotado de senso comum que não seja capaz de perceber que o real interesse dos americanos com a guerra contra Saddam Hussein é a importantíssima reserva de petróleo iraquiana e que a libertação daquele árido país e de seu povo é apenas mais um argumento falacioso advindo lá das bandas do Tio Sam.
Particularmente, acredito que George W. Bush e seus asseclas dispensem alguma atenção aos graves problemas sociais e políticos que afligem aquele pobre - e ao mesmo tempo tão rico – país das arábias. Por outro lado, não tenho dúvidas de que essa preocupação é residual, isto é, após a nefasta guerra que hoje assistimos em tempo real, a eventual ajuda americana ao povo do Iraque consistirá apenas numa espécie de retribuição pelo domínio dos campos de petróleo e conseqüente “americanização” da economia da terra das mil e uma noites.
- Mas isso tudo é muito óbvio! - devem estar afirmando o leitor e a leitora.
E eu concordo. Mas não é exatamente sobre essa questão que estou pensando. Na verdade, o que também me preocupa no momento é o modo como a violência vem sendo usada, cada vez mais, para que se façam valer até mesmo interesses tidos como legítimos por seus titulares.
Num passado que não sei exatamente a que distância fica, alguém disse que a violência é a arma dos ignorantes, dos despreparados intelectualmente. Com o passar dos tempos, essa idéia foi tomando corpo e, nos dias que correm, tem servido como argumento para tentar-se impedir ou pelo menos minimizar os efeitos extremamente danosos que certamente produzirá a guerra que os Estados Unidos e o Reino Unido insistem em travar contra o Iraque.
Mas, infelizmente, essa regra, como qualquer outra, não é absoluta. As recentes imagens dos protestos ao redor do mundo contra o conflito multimídia demonstram bem que a violência não é utilizada apenas como instrumento para a concretização das idéias e dos ideais dos tiranos, dos ditadores e dos falsos estadistas que ainda teimam em habitar nosso planeta.
Em toda parte, o que se vê são jovens e até mesmo adultos valendo-se da violência para dizer não ao conflito. Pessoas que se dizem a favor da paz agridem covardemente aquelas que apoiam – um tanto insensatamente, é certo – o uso de força militar contra o regime de Saddam. E o mais grave é que o fazem crentes de que sua luta, essa sim, é legítima.
Vendo discursos e atitudes tão paradoxais, pergunto-me: onde está a razão?
Ora, por mais pacifistas que sejamos, não podemos deixar de reconhecer que os EUA contam com uma razoável - eu disse razoável – legitimidade quando tentam destituir um governante que representa verdadeira ameaça para os americanos e até mesmo para o mundo. Eis que surge, então, outra pergunta: será que o meio escolhido por Bush e Blair é o mais indicado? E o preço em vidas humanas, valerá a pena? Creio que não.
Por outro lado, também é certo que pacifistas e pseudopacifistas têm a seu favor o igualmente legítimo argumento de que uma guerra não é a melhor solução para nada e que umas poucas nações não podem se sobrepor aos interesses de quase todas as outras Nações Unidas. Mas aqui também cabem perguntas: será que protestos violentos contribuem para alcançarmos a paz? Ou será que essa incapacidade de viver sem violência - mesmo quando o que se busca é a paz – já faz parte da natureza humana? A esses questionamentos eu não ouso responder.
Mas uma coisa eu afirmo: ninguém está com a razão! E nem poderia ser diferente, pois, como bem assentou o escritor alemão Schiller, “a violência é sempre terrível, mesmo quando a causa é justa”.
Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa
(Artigo elaborado em 2003, quando o autor ainda era assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Maranhão)

Nenhum comentário: