28 de março de 2011

SENTENÇA – INTERDIÇÃO DO MATADOURO MUNICIPAL DE VIANA

A seguir, publico sentença proferida em ação civil pública, na qual determinei a imediata interdição do matadouro municipal de Viana, bem como a adoção de medidas para a construção de um novo prédio, fora dos limites urbanos e em obediência a todas as normas legais e administrativas relativas à atividade. Ao final, pode-se observar sistemática empregada na 1ª Vara de Viana, que consiste em utilizar as decisões e sentenças como mandados, o que contribui para desafogar a Secretaria Judicial.



Ação Civil Pública no 261-21.2003.8.10.0061

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL

Requerido: MUNICÍPIO DE VIANA/MA

Juiz de Direito: MÁRIO MÁRCIO DE ALMEIDA SOUSA


SENTENÇA (MANDADO)


Trata-se de Ação Civil Pública, com pedido de liminar, proposta pelo Ministério Público Estadual contra o Município de Viana/MA. Na petição de fls.02/09, o Parquet alegou, em síntese, que o Matadouro Público Municipal de Viana funciona com graves irregularidades higiênico-sanitárias, as quais foram discriminadas em relatório de inspeção realizada Supervisão de Vigilância Sanitária (fls.10/19). Com base nesses e noutros argumentos, pediu a concessão de liminar consistente na imediata interdição do matadouro e na apreensão de todos os equipamentos e ferramentas nele utilizados para abate e tratamento de animais. No mérito, pugnou pela condenação do município na reforma do prédio ou na construção de um novo, de acordo com as normas legais, técnicas e higiênico-sanitárias que regem a atividade. Às fls.39/41 foi deferida a liminar de interdição. Ainda neste juízo, o município pediu, mas não obteve, a revogação da liminar (fls.47/62 e 71/72). Às fls.50/51 repousa Termo de Fiscalização realizada pela Coordenação de Vigilância Sanitária do município, dando conta de que o matadouro não atende a “todas as exigências sanitárias legais”, mas que mesmo assim poderia funcionar. Auto de interdição à fl.67. Contestação do requerido e documentos às fls.80/93. Réplica do MPE às fls.119/121. O Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão indeferiu o pedido de concessão de efeito suspensivo a agravo de instrumento interposto pelo município (fls.131/135). Às fls.140/149 há um relatório técnico de inspeção realizada pela Superintendência de Vigilância Sanitária do Maranhão, em cuja conclusão consta que a VISA Estadual concedeu ao requerido o prazo de noventa dias para construção de um novo matadouro, fora do perímetro urbano. Após manifestação favorável do MPE, a douta magistrada que presidia o feito revogou a liminar e concedeu ao município o prazo de noventa dias para sanar as irregularidades apontadas pelos órgãos de fiscalização, sob pena de nova interdição (fls.163/164 e 166/167). Em virtude da revogação da liminar, o TJMA decidiu pela prejudicialidade do agravo de instrumento manejado pelo requerido (fl.170). Após nova vistoria, a Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Maranhão – AGED recomendou a construção de um novo matadouro, fora do perímetro urbano, uma vez que o atual “não está localizado, construído e nem funcionando conforme o Decreto Federal nº 30691 de 29 de março de 1952, que regulamenta a inspeção industrial e sanitária dos produtos de origem animal (RIISPOA), expondo o produto final a perigos físicos, químicos e biológicos, colocando a saúde do consumidor em risco” (sic) (fls.174/181). À fl.189 o MPE juntou DVD com imagens do precário funcionamento do matadouro. Em sua manifestação sobre a filmagem, o município pediu extinção do feito, afirmando “não existir mais qualquer irregularidade no matadouro” (fls.193/194). Para melhor compreensão da realidade fática tratada nos autos, este magistrado determinou a realização de inspeção nas instalações do matadouro (fl.196), após o que foi lavrado o Auto de Inspeção de fls.200/201 e gravado o CD (com fotos) de fl.218. Acompanharam a inspeção a promotora de justiça Ana Carolina Cordeiro de Mendonça Leite, os advogados do município, Nozor Lauro Lopes de Sousa Filho e João Vianey Cordeiro Mendonça, o administrador do matadouro, Sr. Walter Antônio, o médico veterinário Assuero Batista Feitosa Júnior, e alguns comerciantes de carne que se utilizam do local. O MPE se manifestou sobre a diligência à fl.206 e pugnou pelo julgamento antecipado da lide. Já o requerido mais uma vez admitiu as deficiências do matadouro e pediu prazo mais dilatado para execução de obras no prédio (fl.210). O município foi intimado para comprovar a realização de melhorias no matadouro, mas nada fez (fls.215/217). É o que importa relatar. Em virtude do robusto acervo probatório já constante dos autos, o feito comporta julgamento antecipado, nos termos do art.330, I, do Código de Processo Civil. Por força da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado e deve ser garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (CF, art. 196). Também por mandamento de matriz constitucional, compete ao município “cuidar da saúde e assistência pública” e “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (CF, arts. 23, II, e 225) Por isso mesmo que, interpretando-se correta e sistematicamente os artigos 20 e 50, inciso XXXV, também da Carta Política brasileira, bem assim todos os outros com os quais guardam pertinência, chega-se, sem qualquer resquício de dúvida, à ilação de que o Poder Judiciário, uma vez provocado por quem detenha legitimidade para tanto, pode e deve atuar sempre que a Administração Pública não pautar sua conduta nos princípios insertos no ordenamento jurídico nacional. E outra não é a hipótese ora tratada. É dizer: dados os fatos e sua disciplina jurídica, o Poder Judiciário pode e deve intervir para resguardar a saúde pública e o meio ambiente. Com efeito, os relatórios oficiais, a inspeção judicial, as fotos e as filmagens juntados aos autos - e já referidos - não deixam dúvidas quanto às péssimas condições do matadouro de Viana e ao risco a que estão expostos a população e o meio ambiente. Não bastasse isso, hoje, este magistrado voltou ao matadouro e constatou que absolutamente nada mudou desde a realização da inspeção, mesmo tendo o município assumido o compromisso de reformar o prédio. Sequer há notícia de licitação ou contratação emergencial para resolver esse grave problema. Lamentavelmente, tudo está como antes (fl.200/201): 1) os dejetos originados com o abate e o tratamento dos animais são canalizados e jogados diretamente no lago de Viana, sem qualquer tratamento; 2) há também dejetos expostos por todo o terreno do matadouro, o que atrai urubus e cachorros até o local; 3) pessoas estranhas à atividade do matadouro circulam livremente por todas as instalações, inclusive durante os abates; 4) os currais não são lavados adequadamente; 5) os animais não são lavados antes dos abates; 6) antes dos abates, os animais ficam sem dieta hídrica e alimentação adequada; 7) mesmo animais feridos são abatidos, sem qualquer tratamento; 8) o telhado está visivelmente comprometido e algumas peças que lhe dão sustentação estão podres; 9) na parte interna, onde ocorrem os abates, o ambiente é um pouco mais limpo que o externo, mas também carece de reparos, como revestimento e pintura de paredes; 10) as estruturas onde os animais são abatidos e as peças de carnes penduradas são de madeira velha, quando deveriam ser de aço inoxidável. Impõe-se, portanto, a interdição definitiva do matadouro de Viana e a urgente construção de um novo prédio, fora dos limites urbanos, como, aliás, também foi recomendado pela Superintendência de Vigilância Sanitária do Maranhão e pela Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Maranhão – AGED (fls.140/149 e 174/181). Todos esses fatos justificam, ainda, seja revigorada a liminar de interdição, sob pena de a população permanecer exposta “a perigos físicos, químicos e biológicos, colocando a saúde do consumidor em risco” (sic) (fls.174/181). Nesse sentido: “MATADOURO PÚBLICO - CONDIÇÕES SANITÁRIAS DEFICIENTES - HIGIENE NÃO OBSERVADA - INTERDIÇÃO NECESSÁRIA - ALEGAÇÃO DE CONSEQÜÊNCIAS PARA A MUNICIPALIDADE - DESEMPREGO E CRISE NO ABASTECIMENTO - SAÚDE - PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO MAIOR. As ações e serviços de saúde são de relevância pública, por isso ficam inteiramente sujeitos à regulamentação, fiscalização e controle do poder público. Havendo conflito de interesses públicos, com prova de que o matadouro municipal se encontra em péssima condição de conservação, sendo os animais abatidos sem qualquer fiscalização, em detrimento de condições de higiene e sem prévio exame do animal a ser abatido, deve ser deferida a liminar de interdição até que o município tome as medidas necessárias para afastar o risco a que a saúde pública está exposta, mesmo em detrimento do abastecimento da população e com conseqüência de desemprego. No conflito de princípios e interesses públicos, deve ser privilegiado o interesse maior da saúde e aquele que leva a uma solução e não aquele que mantém o problema. Cabe a responsabilidade ao município em regularizar rapidamente o problema para resguardar todos os bens em conflito.” (Agravo nº 1.0522.06.020765-4/001(1), 1ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Vanessa Verdolim Hudson Andrade. j. 08.05.2007, unânime, Publ. 22.05.2007) (Grifei) “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ATOS ADMINISTRATIVOS. CONTROLE. PODER JUDICIÁRIO. SAÚDE PÚBLICA. MUNICÍPIO. FISCALIZAÇÃO SANITÁRIA. OMISSÃO. MATADOURO MUNICIPAL. SITUAÇÃO PRECÁRIA. INTERDIÇÃO. Os atos ou omissões administrativos devem ser objeto de controle, pelo Judiciário, toda vez que se afastarem dos princípios orientadores da atividade de Administração Pública (Constituição Federal - art. 37). Provada, em ação civil pública, a falta de fiscalização e inspeção sanitária, pelo Município-réu, de produtos de origem animal destinados à comercialização e à industrialização no seu território e a precária situação da estrutura física e higiênico-sanitária do matadouro local, em prejuízo da saúde pública, mantém-se a decisão que determinou a realização das atividades fiscalizatórias omitidas e a interdição do matadouro. Confirma-se a sentença.” (Reexame Necessário nº 1.0142.02.001027-8/001, 4ª Câmara Cível do TJMG, Carmo do Cajuru, Rel. Almeida Melo. j. 09.03.2006, unânime, Publ. 14.03.2006) (Grifei) “REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PRELIMINARES ACOLHIDAS. Matadouro do Município de Areia Branca em desacordo com as normas de vigilância sanitária - Interdição - Manutenção da sentença.” (Reexame Necessário nº 0171/2005 (2005207265), III Grupo da 1ª Câmara Cível do TJSE, Rel. Madeleine Alves de Souza Gouveia. j. 17.09.2007) (Grifei) “AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - ATIVIDADE IRREGULAR DE MATADOURO MUNICIPAL - INTERDIÇÃO MANTIDA. A legitimidade ativa do Ministério Público é reconhecida, em face dos termos do artigo 129, III, § 1º, CF. Matadouro municipal irregular, sem observância das normas da saúde pública no que refere ao abate de animais e quanto ao destino das sobras e efluentes, poluindo mananciais, além das áreas municipais. Recursos negados.” (Apelação Cível nº 281.032-5/5-00, 1ª Câmara de Direito Público do TJSP, Buritama, Rel. Danilo Panizza. j. 10.05.2005, unânime) (Grifei) E nem cogite da possibilidade de animais virem a ser abatidos em locais ainda mais insalubres, porquanto a esta decisão será dada ampla publicidade e a população terá, então, o direito de escolher se prefere deixar de ingerir carne bovina e bubalina por um período ou mesmo buscar outros fornecedores; ou então se assumirá os riscos de consumir alimentos de origem e qualidade desconhecidas. O Estado não pode e não deve pretender tutelar as escolhas dos cidadãos. Cada um come o que quiser e, por óbvio, deve arcar com as consequências de sua escolha. Por todo o exposto, julgo procedentes os pedidos, para o fim de: 1) interditar, imediata e definitivamente, o matadouro municipal de Viana, com a consequente paralisação de todas as atividades nele desenvolvidas, bem assim determinar a apreensão de todos os equipamentos e ferramentas nele utilizados no abate e tratamento de animais; 2) condenar o Município de Viana a adotar, no prazo de noventa dias, todas as medidas administrativas e legais destinadas à construção de um novo matadouro, fora dos limites urbanos e em obediência a todas as normas legais e administrativas relativas à atividade. Quando da interdição, animais ou peças de carne encontrados no matadouro deverão ser encaminhados à Vigilância Sanitária Estadual, para avaliação e providência cabíveis. Para o caso de haver recalcitrância no cumprimento desta decisão por parte do Município de Viana/MA, fixo-lhe multa diária no valor de R$1.000,00 (mil reais), sem prejuízo da apuração das responsabilidades de quem de direito. Caso venha a incidir, essa multa deverá ser computada a partir do nonagésimo primeiro dia da ciência desta decisão por parte do requerido. Fica desde já autorizada requisição de reforço policial. Sem custas ou honorários advocatícios. Objetivando informar a população, determino sejam encaminhadas cópias desta sentença aos órgãos de imprensa deste município (rádios e televisões). Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Viana/MA, 23 de março de 2011. Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa Titular da 1ª Vara SENTENÇA/MANDADO Esta decisão vale como mandado judicial, para todos os fins (citação, intimação/notificação/interdição. Recebido em _____ de ___________ de 2011 Hora: ______:______ __________________________________________ Nome legível (Representante do município) __________________________________________ Assinatura