12 de dezembro de 2006

Carta de um cidadão indignado

Nesses meus vinte e poucos anos de vida, não me recordo de ter presenciado tamanha violência, tamanha falta de respeito pelos mais comezinhos valores, tamanha falta de respeito pela vida. Não sei se tal constatação se deve ao fato de que ela, a violência, nunca esteve tão perto de mim, como agora; não sei é porque eu cultivava a doce ilusão de que vivemos na pequena e (ex) pacata cidade de São Luís. Enfim, não sei se é porque, há pouco, fui vítima dessa violência (e isso é preciso reconhecer...), dessa violência que destrói lares, rouba sonhos, semeia a dor e fomenta o ódio – seja no ofensor, seja no ofendido.
Que me desculpem os partidários de idéias contrárias, mas não há como perdoar o “ofensor gratuito”, não há como perdoar aqueles que nos roubam o convívio dos entes queridos. Sinceramente, quisera eu ter a força (ou seria o desequilíbrio?) da doce Patrícia Abravanel; quisera eu ser crente o bastante para entender – e praticar – que é perdoando que se é perdoado. Sinceramente, quisera eu poder dizer: o que passou, passou; a vida continua; nós estamos melhores que eles... É verdade, a vida continua. Mas continua fragilizada, aviltada.
Por óbvio, nós, cidadãos de bem, não alimentamos o sonho de viver no paraíso. Em absoluto. Afinal, a evolução – ou seria a involução? – do homem não mais permite esse tipo de devaneio.
Não obstante, a Constituição Federal nos garante uma vida tranqüila e segura (é, aquela mesma Constituição que nossos “líderes” insistem em desrespeitar, em violar). Portanto, o que pedimos não são favores. A atuação governamental não pode se apresentar com um caráter de benesse, de gentileza, de modo algum. Mesmo porque essa mesma Constituição dispõe que o poder emana do povo e deve ser exercido em seu favor. Antes de qualquer coisa, a atuação governamental responsável e coerente é um dever inarredável, não um favor.
Para finalizar, permito-me dizer que nossos governantes devem adotar uma postura mais responsável - e de imediato -, sob pena de o povo, esse mesmo povo que reza pela saúde e pela vida dos ilustres e de seus pares, começar a rezar para que a violência atinja também essas ilustres pessoas, para – quem sabe? – alguma coisa ser feita.
Que DEUS me perdoe, mas, sinceramente, qualquer das opções eu desejo, desde que algo aconteça.
* Mário Márcio de Almeida Sousa – Juiz de Direito e Juiz Eleitoral no Maranhão, membro do Instituto dos Advogados do Maranhão – IAM, Sócio-fundador e membro da primeira Diretoria do Instituto Maranhense de Direito Eleitoral – IMADE.
(Artigo escrito no ano de 2001, quando o autor ainda era advogado militante).

Mário Márcio de Almeida Sousa

8 de dezembro de 2006

Conciliar é bom. Conciliar bem é melhor ainda.

O dia 08 de dezembro é extremamente significativo para grande parte do povo brasileiro. Primeiro, porque é o dia de Nossa Senhora da Conceição. Segundo, porque nele também se rendem homenagens ao Poder Judiciário, à Justiça. Neste ano, porém, a data ganhou em importância: passou a ser, também, o Dia Nacional da Conciliação.
Em todo o país serão realizadas, salvo engano, mais de sessenta mil audiências, tanto na Justiça Comum e nos Juizados Especiais quanto nas Justiças Federal e do Trabalho. A iniciativa é louvável e tem grande significado, sobretudo porque pretende difundir a idéia de que um bom acordo é sempre melhor que uma grande briga. E isso é inegável, não apenas por conta da tão propagada lentidão do Judiciário. Mas principalmente devido aos dissabores que um processo – lento ou célere – traz, seja para o requerente, seja para o requerido (exceto nas ações criminais, costumo empregar essas expressões para me reportar às partes, principalmente porque, para muita gente, ser chamado de réu já representa uma penalidade, uma derrota).
Certamente a gigantesca empreitada será um sucesso. Magistrados, membros do Ministério Público, advogados, conciliadores e servidores verão recompensados seus esforços. Também assim as partes. Sim, as partes. Muitas delas farão enormes sacrifícios para participar dessa maratona cívica. E assim será porque, em um país com milhões de miseráveis e de dimensões continentais como o Brasil, as dificuldades de acesso à justiça passam, não raro, mais pela falta de condições de deslocamento até o prédio do Fórum do que pela inexistência dele.
Quem tem - um mínimo que seja - de bom-senso e civilidade não diverge da máxima segundo a qual é melhor fazer um acordo que brigar. Contudo, não se pode perder de vista que a conciliação não é tarefa fácil, seja para as partes envolvidas, seja para quem vai conduzi-la, como é o caso de juízes e conciliadores. Aquelas porque trazem para as audiências prejuízos financeiros e morais, frustrações, mágoas, raivas mesmo. Estes, porque, no mais das vezes, não foram treinados e, também por isso, não sabem como levar a audiência a bom termo. Mediar conflitos exige técnica, treinamento – e boa vontade, é claro. Tanto assim que, Brasil afora, estudiosos têm elaborado profundos trabalhos sobre o tema. Teses e mais teses são escritas, métodos e mais métodos são criados. Faz-se necessário, então, que as cúpulas do Poder Judiciário invistam em recursos humanos e técnicos para aumentar os índices de acordo. E que todos os envolvidos no processo se disponham a aprender, principalmente os magistrados (na maioria das comarcas não há conciliadores e aos juízes cabe a missão de conciliar). Não apenas por uma questão estatística, mas também porque, se há acordo, pode-se imaginar que houve a pacificação do conflito – objetivo maior da Justiça.
Em que pese isso, permito-me fazer algumas considerações, mesmo correndo o risco de ser incompreendido.
Nem sempre a composição judicial entre os litigantes significa que seus ímpetos foram serenados, que o conflito social chegou ao fim. É comum ouvir-se: “É, doutor, vou fazer o acordo para acabar logo com esse negócio”. Ora, é lógico que alguém assim não está conciliado, pacificado. Estatisticamente pode ser um sucesso, pois mais uma ação se encerra com acordo. Entretanto, do ponto de vista social é um desastre, pois muito provavelmente os ditos conciliados voltarão ao embate, talvez até de forma mais acirrada.
Por isso, ouso dizer que é preciso cautela para que projetos como o Movimento Nacional pela Conciliação não soçobrem em sua verdadeira finalidade. Refiro-me, especificamente, ao elevado número de audiências de conciliação que nós juízes, consciente ou inconscientemente, somos levados a marcar num único dia. E o faço baseado na convicção, ou melhor, na experiência de que o simples fato de deixar as partes falarem é muitas vezes a melhor forma de conseguir um acordo. Botar pra fora, como se diz por aí, pode se revelar mais importante que o bem da vida disputado. Mas como fazer isso com quarenta, cinqüenta audiências para serem conduzidas por um só juiz, num só dia? Como conciliar pessoas que já chegaram ao Fórum aborrecidas e lá ficaram mais ainda, esperando horas e horas, normalmente num calor infernal e sem dinheiro nem para um lanchinho sequer?
Nem de longe quero criticar quem assim age. Cada um sabe de sua capacidade. Já fiz muito isso. Decidi mudar. Essa não é a solução para os problemas do Poder Judiciário. A estatística é importante, sem dúvida. Mas eu estudei e estudo para dar prevalência às pessoas, não aos números.
Conciliar é bom. Conciliar bem é melhor ainda.