16 de agosto de 2010

Lei da Ficha Limpa: inelegibilidade é pena, sim

O Brasil é, de fato, um país pitoresco. Não raro, mesmo quando busca acertar, acaba por tropeçar em fisiologismos, demagogias e, pior, na falta de planejamento e de avaliação de ações que, embora nobres e até imprescindíveis, podem ter consequências malfazejas.
Talvez o exemplo mais recente e eloquente dessa inconsequência seja a Lei Complementar nº 135/2010, a chamada Lei de Ficha Limpa, cujo escopo é “proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato”. Fruto de extraordinária e legítima pressão social, a norma veio a lume poucos meses antes das eleições e a polêmica logo se instalou. Devidamente provocados, Tribunais Regionais Eleitorais como os do Maranhão, Pará e Rio Grande do Sul corajosamente negaram aplicação plena ao novo diploma, com o argumento, dentre outros, de que inelegibilidade é pena – como se tentará demonstrar neste singelo texto. Não demorou para que fossem taxados de retrógrados, de contrários aos interesses públicos.
No julgamento do Registro de Candidatura nº 3398-21.2010.6.10.0000 – Classe 38, o relator, Juiz Magno Linhares, membro do TRE do Maranhão, assentou:
“Nesse contexto, com a máxima vênia do Ministério Público Eleitoral, filio-me ao entendimento daqueles que vislumbram a natureza das inelegibilidades decorrentes de infrações à preceitos legais como autêntica hipótese de penalidade, e não de simples conseqüência de uma condenação, afinal os efeitos punitivos decorrentes de uma infração podem ser contemplados por um ou mais textos legais, não se exigindo que estejam restritos no mesmo dispositivo ou na mesma lei.”
De modo diametralmente oposto, há quem defenda a aplicabilidade da norma a casos com condenações transitadas em julgado e até mesmo cumpridas. Vale-se tal corrente, dentre outras, da convicção de que inelegibilidade não é pena.
No voto condutor da Consulta nº 1147-09.2010.6.00.0000, o Min.Arnaldo Versiani – do Tribunal Superior Eleitoral -, ao invocar precedentes do Supremo Tribunal Federal, consignou:
“Realmente, não há, a meu ver, como se imaginar a inelegibilidade como pena ou sanção em si mesma, na medida em que a ela se aplica a determinadas categorias, por exemplo, a de juízes ou a de integrantes do Ministério Público, não porque eles devam sofrer essa pena, mas, sim, porque o legislador os incluiu na categoria daqueles que podem exercer certo grau de influência no eleitorado. Daí, inclusive, a necessidade de prévio afastamento definitivo de suas funções.
O mesmo se diga a respeito dos parentes de titular de cargo eletivo, que também sofrem a mesma restrição de elegibilidade. Ainda os inalistáveis e os analfabetos padecem de semelhante inelegibilidade, sem que se possa falar de imposição de pena.”
Com todas as vênias, o entendimento do Regional maranhense se revela mais acertado, mais consentâneo com os princípios informadores do sistema jurídico-constitucional brasileiro. Dito de modo mais específico: como as causas de inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 135/2010 encerram, sim, verdadeiras penalidades, a decisão do TRE do Maranhão guarda maior coerência com o princípio constitucional da irretroatividade da lei prejudicial.
De acordo com o dicionarista Antônio Houaiss, pena quer dizer “sanção aplicada como punição ou como reparação por uma ação julgada repreensível; castigo, condenação, penitência”, “sanção prevista pelo legislador e aplicada pelos órgãos jurídicos competentes”. Diante disso, mesmo que se parta do sentido literal do termo, forçoso é concluir que inelegibilidade é pena, sobretudo se considerado o fato de que a Lei Complementar nº 135/2010 impede que sejam eleitas pessoas que tenham sido condenadas por diversas modalidades de ilícitos (criminais, eleitorais, administrativos etc.).
Ora, se a inelegibilidade retira do político a possibilidade de se candidatar e, por óbvio, de se eleger, como então dizer que isso não é pena? No mais das vezes, o que importa para essas pessoas são os mandatos eletivos. Se lhes é tolhido o direito até mesmo de concorrer, então como sustentar que elas não estão sendo penalizadas?
Sempre renovando vênias, pouco importa discutir se o disposto no art.5º, incisos XL e LVII, da Constituição Federal se aplica apenas a condenações criminais, mesmo porque a norma é expressa nesse sentido. Em que pese isso, não se pode desconhecer que, no sistema de garantias constitucionais (que também informa as referidas disposições), é inegável que a ninguém pode ser aplicada pena instituída depois de fato já consumado; tampouco se podem ampliar os efeitos de condenação – seja ela de que natureza for – com base em regras posteriores à sua imposição.
Embora seja certo afirmar que não há direito adquirido a elegibilidade, cumpre reconhecer que o há em relação ao julgamento conforme e nos limites das normas (e das penas) vigentes ao tempo do fato tido por ilícito, repita-se, ainda uma vez, seja qual for a sua natureza. Do contrário, viver-se-ia num completo estado de insegurança jurídica.
Outro aspecto que revela a impossibilidade de aplicação retroativa da Lei da Ficha Limpa é o fato de que não há, ao que tudo indica, limites para essa investida contra o passado, ou seja, pouco importa quando tenha havido a condenação ou a rejeição das contas, por exemplo. Da forma como está posto o entendimento dominante, trata-se de uma regra que retroage temporalmente sem limites. Como afirma o professor Flávio Braga, trata-se de uma espécie de regressus ad infinitum. E isso não pode ser tolerado; não na ordem constitucional vigente.
E nem se cogite, por outro lado, que as chamadas inexigibilidades reflexas (parentes de chefes do Executivo e magistrados, p.ex.), serviriam para retirar o caráter de pena das inelegibilidades. Nos casos de inelegibilidades decorrentes de ilícitos, o agente não pode adotar nenhuma nova conduta para superar o impedimento, porquanto ele – impedimento – é decorrente de conduta anterior, por isso mesmo tida como ilícita pelo ordenamento jurídico e já sancionada. Em relação às condições de elegibilidade, contudo, pode o interessado adotar as providências necessárias para atendê-las, como filiar-se a partido político e fixar endereço na jurisdição para a qual pretende concorrer; os magistrados podem, por exemplo, se desligar – definitivamente - de suas funções. Quanto aos parentes de chefes do Executivo, conquanto não lhes seja possível licitamente afastar o impedimento, não se trata de punição. Trata-se, sim, de opção legislativa, como no caso da Lei de Ficha Limpa.
Nesse ponto, vale registrar que não se está a defender que a Lei da Ficha Limpa não poderia ter criado novas causas de inelegibilidade, tampouco que seja inconstitucional. Em absoluto. Afirma-se, tão-somente, que seus efeitos não podem alcançar situações consolidadas e julgadas (pouco importa se transitadas ou não) antes sua entrada em vigor.

5 de agosto de 2010

Lei da Ficha Limpa: os fins justificam os meios?

Neste ano eleitoral de 2010, o assunto mais polêmico é, sem dúvida, a Lei Complementar nº 135/2010, a chamada Lei da Ficha Limpa, resultado de intensa e inédita mobilização social, cujo objetivo é “proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato”.
Por razões óbvias, não se pode desconhecer a relevância e a conveniência da norma, sobretudo se considerado o fato de que, não raro, mandatos eletivos têm sido buscados – e, pior, alcançados – com o propósito de enriquecimento ilícito e para assegurar a impunidade de delitos de toda ordem. Não há, em sã consciência, quem seja contra extirpar da vida pública – ou impedir que nela ingressem – pessoas sem qualquer compromisso com os reais anseios da população e que ostentem condutas contrárias ao ordenamento jurídico.
Afinal, quem se dispõe a servir o povo deve, antes, respeitar as normas que, em última análise, foram concebidas por esse mesmo povo e em seu nome. Também não se pode negar que o Congresso Nacional tem, sim, legitimidade e competência para fixar tanto critérios de elegibilidade quanto de inelegibilidade. Trata-se, pois, do legítimo exercício dos poderes que lhes foram outorgados pela Constituição Federal.
Diante disso, não é desarrazoado afirma-se que inexiste antinomia entre o princípio da inocência presumida e princípio da moralidade necessária ao exercício de cargo eletivo. Ora, quem pretende conduzir os destinos de uma nação com quase duzentos milhões de habitantes não pode carregar suspeitas e muitos menos certezas de condutas tidas por ilícitas. É mais ou menos como se diz sobre a esposa daquele famoso imperador romano: não basta ser honesto, há que se parecer honesto.
Em que pese isso, se considerados – como devem ser – regras e princípios constitucionais (explícitos e implícitos), cumpre também admitir que a tão falada e desejada faxina na política brasileira não pode ser feita a qualquer custo. Por mais relevantes e nobres que sejam os propósitos da Lei da Ficha Limpa, não se pode e não se deve olvidar que as regras do jogo eleitoral não podem ser alteradas senão um ano antes das eleições , muitos menos depois de já deflagrada, ainda que informalmente, a corrida pelos cobiçados cargos eletivos contemplados na Constituição da República.
E nem se diga que a Lei da Ficha Limpa não alterou o processo eleitoral. Basta que se vejam os noticiários e as pautas dos Tribunais Regionais Eleitorais e do próprio Tribunal Superior Eleitoral para concluir que o novo diploma alterou, sim, a disputa por cargos eletivos. Tanto que muitos candidatos estão mais preocupados em defender sua inaplicabilidade para o próximo pleito que em efetivamente buscar convencer o eleitorado de que suas propostas são as melhores.
Com a devida vênia e em conclusão, não se pode deixar de registrar que o quadro atual é deplorável. Numa eleição, sobretudo do porte da brasileira, quem mais deve aparecer são os candidatos, não os magistrados
.

11 de julho de 2010

Sem limites não há democracia


Num texto escrito em julho de 2009 e intitulado “Magistratura ajoelhada”, reconheci - sem qualquer ranço demagógico ou de hipocrisia – que muitas vezes não dei bom dia a cavalo (como diria meu querido tio Sinval), fui o próprio. Hoje, ainda uma vez, admito minha condição, um tanto humana, parte equina, bem como a possibilidade, daí mesmo decorrente, de continuar a pastar por muitos anos nos campos da Baixada Maranhense. Apesar disso, calar seria pior, pois faria brotar em mim a porção de um bicho covarde, sorrateiro, um verme, enfim, que da podridão e na inação alheias se alimenta.
Por razões de natureza legal e ética, bem assim pela sincera convicção de que não se deve jogar lenha em fogueiras alheias, não posso, não quero e não vou me manifestar sobre o mérito do caso que, nos últimos dias, envolve um conhecido empresário com atuação nesse nosso grande Maranhão. Tampouco pretendo formar juízos de valor sobre tudo aquilo que foi dito e que porventura se escondeu a respeito. Valer-me-ei apenas da repercussão dos fatos para externar preocupações que há muito me tomam.
Nos dias que se seguiram à prisão do mencionado empresário, diversos magistrados externaram sua revolta e sua indignação com a notícia de que a colega responsável pelo tão famoso processo teria dito, em entrevista, que o igualmente famoso empresário costumava se gabar de suas relações com autoridades do Judiciário e que isso também serviu de fundamento para a decretação da sua prisão. Cogitou-se, até, interpelar judicialmente a juíza e instaurar procedimento administrativo contra ela.
À primeira vista, tais reações são legítimas e justificáveis. Afinal de contas, não é dado a nenhum magistrado invocar e valer-se de suposições ou insinuações contra quem quer que seja para decidir num ou noutro sentido; muito menos pôr sob suspeita todos os membros de um dos Poderes da República, ainda que em nível estadual. E digo isso com toda tranquilidade, porquanto tenho sofrido - íntima e quase que diariamente - com os ataques generalizantes dirigidos ao Poder Judiciário, seja com os procedentes, seja com os levianos. Afinal de contas, sou juiz e pretendo sê-lo até quando minhas forças e a ordem jurídica permitirem.
Enquanto escrevia este texto, tentei ouvir a colega responsável pelo sobredito caso. Não tive sucesso. Em que pese isso, pelo que pude colher, Sua Excelência não concedeu a tal entrevista na qual teria dito que o empresário costumava se vangloriar de suas relações com membros da magistratura. Em verdade, o que ela fez foi transcrever em sua decisão trechos de depoimentos nos quais essas relações teriam sido ventiladas por quem delas se dizia regozijar. Pelas mesmas razões já mencionadas, não posso, não quero e não vou opinar sobre o acerto ou desacerto da conduta, tampouco sobre as reações que ensejou.
Contudo, até mesmo para chegar ao tema que interessa, uma pergunta se impõe: se nós, magistrados, que, por dever de ofício, temos sempre que ouvir todas as partes envolvidas num processo, por vezes incorremos no equívoco de muitos e tomamos como procedente uma acusação sem consultar o acusado, que se dirá, então, de uma sociedade ávida por escândalos? Arrisco-me a responder. Também nós somos vítimas de uma crescente e perigosa tendência que, por isso mesmo, precisar ser pensada e sobretudo evitada: nos dias que correm, qualquer um diz qualquer coisa e por qualquer meio contra qualquer pessoa e isso logo toma ares de verdade incontestável. Ao que tudo indica, foi exatamente o que ocorreu no caso em comento. Atribuiu-se a alguém uma entrevista que efetivamente não foi dada, como se a simples aposição de aspas numa frase tivesse o condão de torná-la dita por quem se lha atribui.
Eis que surge, então, outro questionamento: a liberdade de informar e o direito à livre manifestação de pensamento tornam quem os exercita detentor da verdade, senhor absoluto da ética e da moralidade, a tal ponto que nem se deve dar ao trabalho de ouvir alguém antes de lhe atirar as mais graves acusações? Como diria um ministro que muito admiro, a resposta é desenganadamente negativa.
Especificamente em relação ao Poder Judiciário, quando uma decisão vai ao encontro daquilo que seguimentos da sociedade reputam correto, justo, o magistrado é correto, justo. Do contrário, mesmo um juiz que sempre se portou com retidão, muitas vezes ao longo de décadas, passa, de uma hora para a outra, a ser tachado de desonesto, de venal e subalterno de interesses inconfessáveis. Isso, por óbvio, não é correto, não é justo.
O tema é vasto e polêmico. E o espaço, além de curto, não é adequado para abordá-lo com a profundidade que merece. Finalizo, então, lembrando que não existem direitos absolutos. Tudo na vida tem e deve sempre ter limites. E não pode ser diferente com o direito de informar e a liberdade de dizer o que se pensa, mesmo sendo eles tão caros a uma democracia. Não nos olvidemos, ademais, que todos estamos sujeitos ao exercício abusivo e muitas vezes devastador dessas franquias constitucionais.
Mário Márcio de Almeida Sousa
Membro do Poder Judiciário do Maranhão – COM MUITA HONRA!!!

8 de junho de 2010

Sentença Criminal Condenatória

Na tentativa de retomar as atividades no blog, publico sentença criminal condenatória, já apreciada e mantida pelo Tribunal de Justiça do Maranhão. Trata-se de um interessante processo, pois envolve latrocínio e concurso de agente e de delitos. O caso teve muita repercussão na cidade de Viana/MA


Ação Penal n0 753/07 (Reunida, por continência, com a Ação Penal nº 250/07)
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
Promotora de Justiça: ANA CAROLINA CORDEIRO DE MENDONÇA LEITE
Acusados: WELISSON MUNIZ SOUSA, VULGO “LELECO”, E LAÉRCIO AZEVEDO PENHA
Advogados: ANTONIO DE PÁDUA E EZEQUIEL PINHEIRO GOMES
Juiz de Direito: MÁRIO MÁRCIO DE ALMEIDA SOUSA
SENTENÇA
Inicialmente, o Ministério Público Estadual ofereceu denúncia contra Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, nos seguintes termos:
“Consta do incluso Inquérito Policial, base da presente Denúncia, que o Denunciado, juntamente com outro comparsa ainda não identificado, no dia 19 de fevereiro de 2007, juntamente com outro comparsa ainda não identificado, no dia 19 de fevereiro de 2007, por volta das 23:30 horas, roubaram as vítimas RAINÉRIO COSTA MENDES e JOSENIRA DE JESUS SANTOS VIEIRA, e para roubarem as vítimas JOSÉ CARLOS NOGUEIRA CARDOSO, MARGARIDA PEREIRA MENDONÇA e CLÁUDIO ROBERTO COSTA, mataram o vitimado ANTÔNIO ANDRADE MENDES, com um disparo de arma de fogo e feriram, com a mesma arma, os demais vitimados.
Segundo apurado no procedimento investigatório, os denunciados no dia dos fatos abordaram os vitimados RAINERIO COSTA MENDES e JOSENIRA DE JEUSS SANTOS VIEIRA, e mediante ameaça feita de arma em punho, subtraíram-lhes os celulares, um cordão de bijuteria e um relógio. Logo em seguida, os denunciados em continuação delitiva, abordaram do vitimados JOSÉ CLÁUIO NOGUEIRA CARDOSO, MARGARIDA PEREIRA MENDONÇA e CLÁUDIO ROBERTO COSA, os quais foram feridos à bala, tendo o primeiro falecido em decorrência dos ferimentos e os últimos ficados gravemente lesionados.
Mister seja dito que a segunda ação dos denunciados não foi apurada em sua integridade, tendo em razão disso, a autoridade policial solicitado prazo para a conclusão do inquisitório. Entanto os elementos até então trazidos aos autos se revelam complementadas as investigações em autos próprios, a fim de que com os novos elementos eventualmente trazidos à lume possa este Órgão Ministerial aditar a peça acusatória, inclusivo para incluir o comparsa do denunciado ainda não identificado.” (fls.02/03)
Essa peça deu origem à Ação Penal nº 250/07 e foi recebida à fl.46.
O réu Welisson foi ouvido e negou a autoria delitiva (AP nº 250/07, fls.89/91). Sua defesa prévia repousa às fls.93/95 (AP nº 250/07).
Foram ouvidas 04 (quatro) testemunhas de acusação e 07 (sete) de defesa (AP nº 250/07, fls.152/165, 199/206 e 223/224).
Foi-lhe denegada ordem de Habeas Corpus (AP nº 250/07, fl.195).
Concluída a instrução da Ação Penal nº 250/07, o Ministério Público Estadual, com base nos mesmos fatos, ofereceu nova denúncia contra Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, agora autuada sob o nº 753/07 e tendo também como acusado Laércio Azevedo Penha. Eis a respectiva transcrição:
“No dia 19.02.2007, por volta das 23:30 horas, as vítimas Rainerio Costa Mendes e Josenira de Jesus Santos Vieira festejavam o carnaval na companhia de duas crianças nas proximidades da rodoviária de Viana-MA, ocasião em que perceberam a aproximação suspeita dos dois denunciados.
Após seguir as vítimas por algum tempo, os denunciados as abordaram e anunciaram um assalto apontando armas de fogo para as mesmas, sendo que um dos meliantes agarrou Rainerio pelo braço, enquanto o outro dominou a vítima Josenira.
Nesse contexto, os denunciados subtraíram para si o celular de Rainerio, dois cordões de bijuteria da vítima Josenira, bem como o relógio de pulso do filho desta última, tendo em seguida libertado as vítimas, que correram para lugar seguro.
Passados aproximadamente 15 minutos do primeiro assalto, no mesmo local, os denunciados abordaram as vítimas José Carlos Nogueira e Margarida Pereira Mendonça, anunciado um assalto e agarrando ambos pelo braço, na tentativa de dominá-los.
Em seguida, José Carlos e Margarida conseguiram se desvencilhar dos denunciados e começaram a correr na tentativa de fugir do assalto, momento em que Welisson e Laércio dispararam diversos tiros de arma de fogo contra as vítimas, vindo a atingir Margarida na perna esquerda e José Carlos no tórax, causando nos mesmos as lesões descritas nos laudos de fls.03/04.
As lesões sofridas por José Carlos Nogueira ocasionaram a sua morte, conforme o exame cadavérico de fls.03.” (AP nº 753/07, fls.02/04)
Foram então arroladas oito testemunhas de acusação (AP nº 753/07, fl.04).
Exame cadavérico, de corpo de delito, termos de reconhecimento e exames complementares às fls.07/09, 14, 17, 26, 39, 55/56, 58, 102/108 (AP nº 753/07).
Certidões de antecedentes criminais às fls.48, 77/78 e 109/114 (AP nº 753/07).
A segunda denúncia foi recebida à fl.64.
Os acusados foram devidamente qualificados e interrogados e negaram a autoria delitiva (AP nº 753/07, fls.116/117).
Apenas o réu Laércio apresentou defesa prévia (AP nº 753/07, fl.119).
Por tratarem dos mesmos fatos, autores e vítimas, foi determinada, por continência, a reunião das Ações Penais nºs 753/07 e 250/07 (AP nº 753/07, fl.158).
Foram devidamente ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes (AP nº 753/07, fls.136/141, 202/204, 221/222).
Indeferiu-se pedido de acareação e reconstituição simulada dos fatos, formulado pela defesa de Welisson.
Por determinação deste juízo, foram reinquiridas quatro testemunhas (AP nº 753/07, fls.236, 259/262).
Às fls.226/233 (AP nº 753/07), o Ministério Público Estadual pugnou pela condenação dos acusados nas penas dos “arts. 157, §2º, I e II; 157, §3º, parte final c/c art.14, II; 157, 3º, parte final; 129, §1º, I, II e III e §2º, I, todos do Código Penal”.
Alegações finais das defesas às fls.264/269 e 279/292, ambas pugnando pela absolvição.
É o que importa relatar.
Logo de início, cumpre registrar, sem delonga, que o depoimento de Idenilson de Sá Costa pode ser considerado como indício da participação de Laércio Azevedo Penha nos delitos ora examinados.
Todavia, as declarações dessa testemunha se mostraram contraditórias e, por isso mesmo, não servem para sustentar uma condenação.
Em verdade, não há nos autos elementos suficientes para condenar o acusado Laércio Azevedo Penha. É dizer: não há provas de que ele tenha concorrido para as infrações penais cuja prática lhe imputa o Ministério Público.
Em diversas passagens, Josenira de Jesus Santos Vieira afirmou ter reconhecido Welisson, mas:
- “que não sabe descrever o outro elemento”; (AP nº 753/07, fl.153/154)
- “que em nenhum momento foi chamada para fazer o reconhecimento do outro acusado, até porque não tinha como reconhece-lo” [sic]; (AP nº 250/07, fl.153/154)
- “que foi o acusado conhecido como Leleco, aqui presente quem assaltou a depoente, seu cunhado Rainério, seu filho Ítalo e seu sobrinho Vínicius; que, entretanto, não pode afirmar que o homem que praticou o crime em companhia de Leleco é o acusado Laércio” [sic] (AP nº 753/07, fl. 259).
A testemunha de acusação José Cutrim, por sua vez, também disse ter reconhecido Welisson e “que não dar para descrever o outro elemento” [sic]; “que entretanto não sabe dizer quem era o homem que o acompanhava, pois não viu seu rosto” (AP nº 753/07, fls.146/147 e 260).
Destarte, como não existe prova de ter ele concorrido para a infração penal, impõe-se a absolvição de Laércio Azevedo Penha, nos termos do art.386, V, do Código de Processo Penal.
Por outro lado, a mesma sorte não socorre o réu Welisson Muniz Sousa, conhecido como “Leleco”.
Após analisar detidamente estes autos, tenho que há, sim, provas suficientes para condená-lo, embora não nos termos pretendidos pelo Ministério Público. E justificar esse entendimento não exige grande esforço argumentativo, sobretudo em virtude dos firmes e convincentes depoimentos testemunhais.
Como são várias as ações, cada uma delas será examinada isoladamente.
Da ação contra Rainério Costa Mendes e Josenira de Jesus Santos Vieira
Segundo o Ministério Público Estadual, contra essas vítimas Welisson e um outro indivíduo teriam cometido o delito de roubo qualificado pelo emprego de arma e concurso de agentes (CP, art.157, § 2º, I e II).
Nesse ponto, a denúncia é, sim, de todo procedente, porquanto a materialidade e a autoria delitivas emergem, cristalinas, dos firmes depoimentos prestados por Josenira de Jesus Santos Vieira.
A seguir, a transcrição dos principais trechos:
“Que reitera integralmente os depoimentos já prestados neste juízo; Que foi o acusado conhecido como “Leleco”, aqui presente quem assaltou a depoente, seu cunhado Rainério, seu filho Ítalo e seu sobrinho Vinícius; Que, entretanto, não pode afirmar que o homem que praticou o crime em companhia de Leleco é o acusado Laércio; Que também viu que Leleco e seu comparsa assaltaram o seu José Nogueira e uma mulher cujo nome não se recorda; Que ambos os assaltantes estavam armados, mas não sabe quem atirou contra essas duas pessoas e atingiu José Nogueira; Que não viu quando a vítima Cláudio foi atingida; Que não tem dúvidas quanto ao reconhecimento do acusado Leleco, aqui presente [...]” (AP nº 753/07, fl.259) (Grifei)
“Que por volta das vinte e três e trinta horas do dia citado na denuncia a depoente vinha na Avenida Luis de Almeida Couto na companhia de seu cunhado Rainerio, seu filho menor e um sobrinho; que em determinado momento perceberam que estavam sendo seguidos por dois elementos e como não queriam assustar as crianças preferiram não correr a depoente e seu cunhado; que após passarem do hotel água viva a depoente ouviu um dos elementos falar "é agora", oportunidade em que um dos elementos quebrou uma garrafa de cachaça no chão e os dois elementos partiram para cima da depoente do seu cunhado e das crianças armados com revolveres cada um com uma arma; que a depoente reconheceu um dos elementos como sendo Leleco, técnico em eletrônica que inclusive já tinha levado para consertar uma televisão do pai da depoente, televisão esta que até hoje nunca foi devolvida; que também conhece Leleco posto que o mesmo foi marido de Maria amiga da depoente; que Maria mora no bairro Vinagre na Rua Vasco da Gama, mais esqueceu o nome do pai e da mãe da amiga; que durante o assalto a depoente entregou celular, cinco reais, relógio do seu filho e um colar de bijuteria e o seu cunhado entregou um celular; que Leleco imobilizou o cunhado da depoente ameaçando-lhe com o revolver e o seu comparsa imobilizou a depoente e ficava passando o revolver na cabeça da mesma e também tocando em seu corpo de forma libidinosa, nos seios, na vagina na frente das crianças [...]” (AP nº 250/07, fls.152/155) (Grifei)
Essas afirmações também foram corroboradas por José Cutrim, que declarou:
“Que no último dia dezenove de fevereiro (2007), por volta das 23:40 horas, estava em sua casa, nas proximidades da Rodoviária de Viana, onde trabalha como vigia para a Prefeitura. Que o depoente estava saindo de sua casa quando a senhora Josenira lhe falou que havia acabado de ser assaltada e que dois assaltantes haviam lhe tomado um relógio, um cordão e dois celulares; que a Josenira ficou conversando com o depoente esperando um moto-taxista para chamar a policia: que cerca de vinte minutos depois viram um casal passando no mesmo local onde Josenira foi assaltada e viram também os dois assaltantes de Josenira se aproximando do casal [...] Que na delegacia reconheceu Leleco como um dos assaltantes e como sendo aquele que atirou na mulher e no homem; Que já conhecia Leleco e apenas ouviu comentários de que ele estaria envolvido em crimes; Que não sabe que era o outro assaltante; Que o rapaz baleado morreu; Que depois de atirar no casal, Leleco ainda atirou no indivíduo conhecido como Badaró [...]” (AP nº 743/07, fls.137/138) (Grifei)
“Que estava em sua casa por volta das vinte e três horas no dia citado na denuncia, quando Josenira chegou falando na porta que tinha sido assaltada [...] que Leleco atirou na direção do depoente duas vezes e depois atirou no rapaz que estava acompanhando a moça assaltada e este depois veio a falecer [...] que reconhece Leleco como um dos assaltantes e autor dos disparas, inclusive daquele que matou José Carlos porque dançou boi seis anos com o mesmo no boi urubu, portanto conhece bem o seu corpo e o seu jeito. Dada a palavra ao representante do Ministério Público, sob perguntas respondeu: que nunca teve nenhuma rivalidade ou rixa com Leleco; que não dar para descrever o outro elemento, porque quando o depoente deu o primeiro grito o outro elemento fugiu logo e somente Leleco ficou efetuando o disparo; que quando iniciaram os disparos todo mundo correu e ai Josenira entrou em uma das casas e Rainério ficou no canto de uma casa; que entre Josenira chegar e o outro assalto deram uns cinco minutos.” (AP nº 250/07, fls.156/157 – AP nº 753/07, fls.146/147) (Grifei)
“Que presenciou os dois crimes atribuídos ao acusado Leleco e não tem dúvida de que ele foi o seu autor, pois o reconheceu quando das ações; Que entretanto não sabe dizer quem era o homem que o acompanhava, pois não viu seu rosto; Que viu o momento em que Leleco atirou contra a mulher que acompanhava o sr. José Carlos, atingindo-a na perna; Que viu também quando Leleco atirou contra o sr. José Carlos; Que não tem dúvidas quanto ao reconhecimento do acusado Leleco, aqui presente; Que também foi Leleco quem atirou contra o depoente, mas não o atingiu; Que o homem que acompanhava Leleco não atirou em ninguém; Que não conhece Laércio, morador do “Campo Novo”; Que não reconheceu o segundo homem porque ele correu logo depois do primeiro disparo efetuado por Leleco.” (AP nº 753/07, fl.260) (Grifei)
Como se vê, a prova oral não deixa dúvidas de que, em 19.02.07, Welisson Muniz Sousa e um comparsa “abordaram os vitimados RAINERIO COSTA MENDES e JOSENIRA DE JESUS SANTOS VIEIRA, e mediante ameaça feita de arma em punho, subtraíram-lhes os celulares, um cordão de bijuteria e um relógio”.
Registre-se, por oportuno, que se afigura irrelevante o fato deste juízo ter reconhecido que Laércio não concorreu para a prática do delito, pois resta comprovado que Welisson agiu em companhia de uma outra pessoa.
Nesse sentido:
“APELAÇÃO CRIMINAL. DENÚNCIA POR FURTO QUALIFICADO PELO ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO E CONCURSO DE DUAS PESSOAS (ART. 155, § 4º, I E IV DO CP). CISÃO DO PROCESSO. Sentença condenatória de um dos acusados que não analisa a qualificadora do concurso de agentes, por julgá-la prejudicada em razão da separação do processo. Impossibilidade. CIRCUNSTÂNCIA QUE PODERÁ SER RECONHECIDA MESMO QUANDO NÃO IDENTIFICADO O CO-AUTOR. NULIDADE. DECISÃO CITRA PETITA. APELO MINISTERIAL PROVIDO. Como a sentença deve ser completa, é nula se o juiz deixar de examinar toda a matéria articulada ou de considerar todos os fatos articulados na denúncia contra o réu. (Júlio Fabbrini Mirabete)” (Apelação Criminal (Réu Preso) nº 2004.036303-8, 2ª Câmara Criminal do TJSC, Urubici, Rel. Des. Maurílio Moreira Leite. unânime, DJ 25.02.2005).
Da ação contra José Carlos Nogueira, Margarida Pereira Mendonça e Cláudio Roberto Costa
Em suas alegações finais, o Ministério Público Estadual consignou que Welisson e um comparsa teriam cometido os delitos de latrocínio consumado contra José Carlos Nogueira, de latrocínio tentado contra Margarida Pereira Mendonça e de leões corporais graves e gravíssimas contra Cláudio Roberto Costa.
De fato, o exame cadavérico de fl.07 e os laudos de fls.08, 09, 55/56 e 57, todos juntados aos autos da Ação Penal nº 753/07, comprovam que a ação resultou na morte de José Carlos e em ferimentos em Margarida e Cláudio. Do mesmo modo, os depoimentos abaixo transcritos revelam que Welisson foi um dos responsáveis por esses graves fatos. Aliás, revelam que foi ele o autor dos disparos que atingiram as vítimas.
Margarida Pereira Mendonça declarou:
“Que no carnaval de fevereiro/2007 a depoente estava caminhando próximo da rodoviária com o seu primo José Carlos Nogueira, quando foi abordada por dois elementos; Que isso ocorreu por volta das 24:00 horas; Que havia pouca gente no local; Que os elementos se encontravam à pé; Que apareceram de repente em frente da depoente e seu primo; Que um estava de bermuda e camisa e outro de macacão de alça e camisa; Que ambos eram jovens, que um deles estava com cabelo pintado de amarelo; Que eles chegaram e pediram fósforo; Que a depoente e seu primo disseram que não fumava e não tinham fósforo; Que diante dessa resposta um dos acusados agarrou o braço direito da depoente, procurando levá-la do local; Que o seu primo tentou impedir também segurando o braço da depoente; Que quando eles viram que não iam conseguir levar a depoente esta foi empurrada; Que nesse momento tentou correr para escapar dos agressores; Que de repente sentiu uma dor na perna esquerda e ouviu o barulho de um tiro; Que nesse momento caiu; Que a seguir seu primo veio tentar levantar a depoente e disse que também estava baleado, pois os bandidos haviam atirando nele; Ato continuo o seu primo caiu e ficou no chão; Que a depoente conseguiu se arrastar e gritar socorro; Que haviam umas pessoas próximas que correram para socorrê-la; Que foram alguns rapazes que a socorreram; Que os assaltantes então correram; Que não sabe exatamente qual dos dois atirou na depoente e no seu primo; Que não sabe dizer os nomes dos marginais, pois não os conhecia, pois estava há poucos dias na cidade; Que a depoente estava hospedada na casa de seu pai e tinha ido a Viana para brincar o carnaval; Que seu primo era solteiro, não tinha mulher nem filhos e deveria ter uns quarenta anos de idade; Que acredita que seu primo morreu no local; Que chegou a ser levado para o hospital, mas acredita que já chegou lá morto; Que o tiro atingiu no coração; Que a depoente estava no hospital, mas não ficou internada porque a bala entrou em um local e saiu no outro; Que ficou uma semana sem poder se locomover; Que como seqüela ficou com a perna esquerda dormente, mas com todos os seus movimentos; Que dias depois o delegado de Viana/MA apresentou à depoente as fotos dos assassinos Wellison Muniz Sousa e Laércio Azevedo Penha e que a depoente reconheceu um deles, um moreno, como um dos que praticaram o assalto e mataram o seu primo; Que ouviu falar que os dois marginais eram elementos perigosos e conhecidos da polícia em Viana/MA; Que não pode compreender porque estavam soltos e armados, assaltando cidadão da cidade; Que ouviu falar que só um dos assassinos está preso; Que quando ocorreu o assalto contra a depoente um dos tiros disparados pelos assaltantes atingiu Cláudio Roberto Costa, que estava na calçada de sua casa, verificando o que estava acontecendo; Que soube que Cláudio levou um tiro na virilha e ficou permanentemente incapacitado para o trabalho; Que logo em seguida a depoente voltou para São Luís/MA.” (fls.221/222).
José Cutrim afirmou:
“Que no último dia dezenove de fevereiro (2007), por volta das 23:40 horas, estava em sua casa, nas proximidades da Rodoviária de Viana, onde trabalha como vigia para a Prefeitura. Que o depoente estava saindo de sua casa quando a senhora Josenira lhe falou que havia acabado de ser assaltada e que dois assaltantes haviam lhe tomado um relógio, um cordão e dois celulares, que a Josenira ficou conversando com o depoente esperando um moto-taxista para chamar a policia: que cerca de vinte minutos depois viram um casal passando no mesmo local onde Josenira foi assaltada e viram também os dois assaltantes de Josenira se aproximando do casal; que para defender o casal o depoente decicidiu pedir uma arma para o seu vizinho, mas este lhe falou que já havia vendido; que ao retornar o depoente viu o um dos assaltantes, o mais baixo, segurando no braço da menina, que tentou se livrar e levou um tiro na perna deste mesmo assaltante; que depois do tiro a moça baleada correu pedindo socorro, enquanto seu acompanhante tentou correr também, mas escorregou e foi baleado pelo mesmo homem que atirou na mulher; quem seguida o mesmo atirador deu dois passos pra trás e atirou novamente no rapaz, que caiu logo em seguida; que o depoente ainda gritou para o assaltante não matar o rapaz, mas este respondeu dando dois tiros em direção ao depoente [...] Que na delegacia reconheceu Leleco como um dos assaltantes e como sendo aquele que atirou na mulher e no homem; Que já conhecia Leleco e apenas ouviu comentários de que ele estaria envolvido em crimes; Que não sabe que era o outro assaltante; Que o rapaz baleado morreu; Que depois de atirar no casal, Leleco ainda atirou no indivíduo conhecido como Badaró; Que o depoente nada sabe sobre o crime praticado contra Badaró, mas foi informado por ele próprio que o autor teria sido Leleco [...]” (AP nº 753/07, fls.137/138)
“Que estava em sua casa por volta das vinte e três horas no dia citado na denuncia, quando Josenira chegou falando na porta que tinha sido assaltada [...] que Leleco atirou na direção do depoente duas vezes e depois atirou no rapaz que estava acompanhando a moça assaltada e este depois veio a falecer; que os elementos correram e o depoente foi ver quem era a vitima e o reconheceu como sendo Zé Carlos seu vizinho da rua detrás; que reconhece Leleco como um dos assaltantes e autor dos disparas, inclusive daquele que matou José Carlos porque dançou boi seis anos com o mesmo no boi urubu, portanto conhece bem o seu corpo e o seu jeito. [..] que não dar para descrever o outro elemento, porque quando o depoente deu o primeiro grito o outro elemento fugiu logo e somente Leleco ficou efetuando o disparo [...]” (AP nº 753/07, fls.156/157)
“Que presenciou os dois crimes atribuídos ao acusado Leleco e não tem dúvida de que ele foi o seu autor, pois o reconheceu quando das ações; Que entretanto não sabe dizer quem era o homem que o acompanhava, pois não viu seu rosto; Que viu o momento em que Leleco atirou contra a mulher que acompanhava o sr. José Carlos, atingindo-a na perna; Que viu também quando Leleco atirou contra o sr. José Carlos; Que não tem dúvidas quanto ao reconhecimento do acusado Leleco, aqui presente; Que também foi Leleco quem atirou contra o depoente, mas não o atingiu; Que o homem que acompanhava Leleco não atirou em ninguém [...] Que não reconheceu o segundo homem porque ele correu logo depois do primeiro disparo efetuado por Leleco.” (AP nº 753/07, fl.260)
E José Nelson Pereira acrescentou:
“Que participou das primeiras diligencias realizadas para esclarecerem os fatos narrados na denuncia; QUE baseada nas declarações de Idenilson a policia logo de inicio teve como suspeito Leleco e Laércio; Que o depoente estava presente quando foram lavrados os termos de reconhecimentos de fls. 14 e 17; Que em ambos os procedimentos Josenira e José Cutrim reconheceram Leleco como sendo o autor do crime; QUE não conhecia Laércio, mas pode afirmar que contra LELECO foram feitas varias reclamações na policia por problemas na prestação de serviços eletrônicos, alguns casos por ele se apropriar dos objetos. O Ministério Público não fez questionamento. Dada a palavra ao advogado do acusado LELECO, sob perguntas respondeu: Que LELECO foi preso, por alguns dias, solto e em seguida preso novamente, mas não sabe precisar por ordem de quem; QUE não tem conhecimento de ameaças dos acusados contra as testemunhas.” (fl.141)
Não obstante tudo isso, penso que não há como considerar cada um desses fatos como delito autônomo, a exigir condenações e penas individualizadas, como pretende a acusação.
Conforme remansosa jurisprudência e abalizada doutrina, o latrocínio é crime complexo, decomposto em crime-meio e crime-fim, permanecendo a unidade delitiva.
E isso implica, necessariamente, em duas conclusões: 1) neste caso, mesmo que o delito-meio se apresente sob a forma de múltiplas infrações (morte de José Carlos e lesões corporais em Margarida e Cláudio), há crime único, pois o que Welisson e seu comparsa pretendiam era assegurar o sucesso de sua empreitada criminosa; 2) as graves conseqüências das ações de Welisson e seu comparsa devem ser consideradas na fixação da pena (CP, art.59), não como delitos autônomos.
Acerca do tema, confira-se o magistério de Basileu Garcia, citado por Alberto Silva Franco e Rui Stoco:
“Crime complexo é aquele em cuja composição, ou em cuja especial agravação, figuram fatos que por si mesmos constituem infrações penais.”
Na mesma linha, há muito vêm decidindo as Cortes do Brasil:
“Se há diversidade de vítimas fatais, há um único latrocínio.” (TJSP, RJTJSP 174/328)
“Há crime único, mesmo que o delito-meio se apresente sob a forma de múltiplas infrações (morte de uma pessoas e lesão corporal em outras), já que o delito-fim é um só” (TJSP, RT767/574)
“Há crime único e não crime continuado, (STF, RT 716/532), concurso material (TAMG, RT 748/710) ou concurso formal, devendo o número de vítimas ser considerado nos termos do art. 59 do CP (TJSP, RJTJDP 112/474). Idem, se uma vítima morre e a outra sofre lesões, ficando absorvido o crime de lesão corporal.” (TJSP, RT 685/312)
“Tratando-se o latrocínio de delito complexo contra o patrimônio, a multiplicidade de crimes-meio não altera sua unidade, independentemente da diversidade de vítimas, não se podendo reconhecer, em tal hipótese, a ocorrência de concurso material, mas de crime único, cuja pena-base será agravada a teor do art. 59 do CP” (TAMG – Ap. – Rel. Erony da Silva – j.30.09.1997 – RT 748/710)
“No caso de uma única subtração patrimonial com pluralidade de mortos reportando a unidade da ação delituosa, não obstante desdobrado em vários atos, há crime único, com o número de mortes atuando como agravante judicial na determinação da pena-base.” (TJSP – AC – Rel. Dante Busana – RTJ 146/295). (página do livro 2640)
Por fim, não excede registrar que é de somenos importância o fato de nada ter sido subtraído de José Carlos, Margarida e Cláudio, uma vez que, nos termos do enunciado da Súmula 610 do Supremo Tribunal Federal, “há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima”.
Por todo o exposto, julgo parcialmente procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Público Estadual, para:
1) nos termos do art. 386, V, do Código de Processo Penal, absolver Laércio Azevedo Penha de todas as acusações formuladas nos autos da Ação Penal nº 753/07;
2) condenar Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, pela prática dos delitos tipificados no art. 157, § 2º, I e II, e art.157, § 3º, segunda parte, do Código Penal.
Das penas
Passo, agora, a dosar as penas de Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, nos termos dos artigos 59 e seguintes do Código Penal.
Antes disso, porém, registro que o emprego de arma e o concurso de agentes não são elementares ou qualificadoras do tipo, mas sim causas de aumento de pena, nos termos do art.157, § 20, I e II, do Código Penal. E que a conduta do réu se enquadra no art.69 do Código Penal (concurso material), porquanto, mediante mais de uma ação, ele cometeu os delitos de roubo e latrocínio. Por isso, as reprimendas fixadas para cada delito devem ser aplicadas cumulativamente.
Quanto ao delito praticado contra as vítimas Rainério Costa Mendes e Josenira de Jesus Santos Vieira (CP, art.157, § 2º, I e II)
A culpabilidade do réu resta incontestável, pois, à época dos fatos, contava 27 (vinte e sete) anos de idade, tinha plena consciência de que sua ação era ilícita e, portanto, dele era exigível conduta diversa.
Afora os fatos aqui tratados, nada há nos autos que desabone sua vida pregressa.
Os motivos do crime foram a ganância e o desejo de obter dinheiro fácil.
As circunstâncias do crime lhe são desfavoráveis, notadamente pelo número de vítimas, pela violência empregada contra elas e pelo fato de o delito ter sido cometido na presença de uma criança. O mesmo se diga das conseqüências da prática, haja vista que os bens subtraídos não foram restituídos aos legítimos proprietários.
O comportamento das vítimas em nada influenciou na prática criminosa.
Diante de todas essas circunstâncias, fixo a pena-base em 06 (seis) anos de reclusão e 120 (cento e vinte) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo dos fatos.
Não há atenuantes ou agravantes a considerar, tampouco causas de diminuição.
Devem incidir as causas de aumento previstas no art.157, § 2º, I e II, do Código Penal, razão pela qual elevo de metade as penas de prisão e multa.
Fixo, pois, a pena definitiva a ser cumprida pelo acusado em 09 (nove) anos de reclusão e 180 (cento e oitenta) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo dos fatos.
Quanto ao delito praticado contra as vítimas José Carlos Nogueira, Margarida Pereira Mendonça e Cláudio Roberto Costa (CP, art.157, § 3º, segunda parte)
A culpabilidade do réu resta incontestável, pois, à época dos fatos, contava 27 (vinte e sete) anos de idade, tinha plena consciência de que sua ação era ilícita e, portanto, dele era exigível conduta diversa.
Afora os fatos aqui tratados, nada há nos autos que desabone sua vida pregressa.
Os motivos do crime foram a ganância e o desejo de obter dinheiro fácil.
As circunstâncias e conseqüências do crime lhe são extremamente desfavoráveis, sobretudo devido à violência empregada contra as vítimas, que resultou na morte de uma delas e em graves e gravíssimos ferimentos nas outras duas (debilidade permanente, conforme laudos de fls.08, 09, 55/56 e 57).
O comportamento das vítimas em nada influenciou na prática criminosa. Sua reação foi legítima e não justifica o delito.
Diante de todas essas circunstâncias, fixo a pena-base em 27 (vinte e sete) anos de reclusão e 800 (oitocentos) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo dos fatos.
Não há atenuantes ou agravantes. Inexistem também causas de diminuição ou aumento.
Fixo, pois, a pena definitiva a ser cumprida pelo acusado Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, em 27 (vinte e sete) anos de reclusão e 800 (oitocentos) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo dos fatos.
Do concurso material (CP, art.69)
Conforme já foi exposto, por força do artigo 69 do Código Penal, as penas impostas ao réu devem ser aplicadas cumulativamente. Perfazem, portanto, 36 (trinta e seis) anos de reclusão e 980 (novecentos e oitenta) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo dos fatos.
Absolutamente incabível a substituição das penas privativas de liberdade (CP, arts.44, I, e 69, § 1º).
A reprimenda deverá ser cumprida em regime inicialmente fechado (CP, art.33, § 2º, a, e 3º, c/c art.59, III).
O local de cumprimento será o Complexo Penitenciário de Pedrinhas.
O réu deverá permanecer preso se quiser recorrer, uma vez que assim esteve durante a instrução processual e não seria agora que poderia ser libertado, notadamente porque permanecem as razões que justificaram a decretação de sua custódia cautelar. Malgrado abalizadas opiniões em contrário, penso não haver qualquer ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência (STJ, Súmula 9 ).
Deixo de fixar o valor mínimo referido no art.387, IV, do Código de Processo Penal, porquanto não houve qualquer manifestação das vítimas nesse sentido.
Transitada em julgado esta decisão:
1) Lance-se o nome do condenado no rol dos culpados;
2) Oficie-se à Justiça Eleitoral, com cópia da denúncia, desta sentença e da respectiva certidão do trânsito em julgado, para os fins do artigo 15, III, da Constituição Federal;
3) Expeça-se guia para pagamento da multa arbitrada e intime-se o condenado para pagá-la, no prazo de 10 (dez) dias;
4) Decorrido o sobredito prazo sem que haja o devido pagamento, voltem-me conclusos os autos, para deliberação;
5) Expeça-se Carta de Guia, enviando-a ao responsável pelo Complexo Penitenciário de Pedrinhas, onde a reprimenda será cumprida, com cópia da denúncia, desta decisão e da certidão do trânsito em julgado.
Custas processuais pelo réu Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, na forma da lei.
Expeça-se, imediatamente, alvará de soltura em favor de Laércio Azevedo Penha.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Viana/MA, 05 de dezembro de 2008.

Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa
Titular da 1ª Vara