Este blog foi criado com o objetivo de divulgar as minhas ideias, seja como magistrado, seja como cidadão. E também para debatê-las com quem tiver interesse. Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa - Maranhão - Brasil
30 de junho de 2013
Sobre o direito de protestar, o direito dos outros e o dever de agir
25 de outubro de 2012
Viana: juiz determina bloqueio de contas do Município
27 de abril de 2012
Preto civilizado
7 de abril de 2012
As voltas que o mundo deveria dar: sonho, premonição ou apenas um forte desejo?
Naquele tempo, tudo ia mal, muito mal; muito pior que agora. Honestidade, respeito, solidariedade e retidão de caráter, entre outros, não eram apenas predicados, como dominar vários idiomas, conhecer doutrinas as mais variadas e saber o que dizer, onde dizer e para quem dizer. Poucos conheciam e menos ainda exercitavam tais virtudes – e outras que tais. Restara pouco de bom daquilo que houvera. “Cada um por si” era a lei vigorante. Até a esperança havia soçobrado. Tudo parecia perdido.
Até que, de um súbito, roubadores dos templos e dos cofres dos povos, salteadores dos alimentos e das esperanças e dos futuros alheios, sem esperar, viram os seus morrerem à míngua, sem nada, tal como outros tantos que um dia deles careceram – e nada receberam. Alguns que, assim como os seus, noutras eras, eram lançados em naves pra buscar socorro em galáxias distantes, sentiram a dor da impotência; filhos, netos e outros entes queridos sucumbiram à mais absoluta falta de amparo. Ironicamente, o mais básico dos direitos foi negado aos poderosos: a chance de viver e progredir. Subvertendo a cronologia, pais começaram a enterrar seus filhos, seus netos... O desespero coletivo era total. Todo aquele povo estava prestes a sucumbir.
Quando, então, tudo parecia perdido, eis que, entre as trevas e a desesperança, o destino mais uma vez surpreendera a humanidade. Do alto de sua insignificância, um homem probo e honesto – e que por isso mesmo seguia à margem da sociedade estabelecida – questionou: - Por que não recorremos ao velho da montanha? Tratava-se de um velho homem, exilado, ainda jovem, num cume de cristal, de onde ninguém mais o ouvia. Para uns, tratava-se de alguém que não merecia crédito; nunca havia feito nada pelos líderes que então agonizavam e por isso mesmo havia sido banido para uma montanha aparentemente inatingível.
De logo alguém redarguiu: - Ora, trata-se apenas de um homem senil, cuja vida mesma o empurrou para o ostracismo. Que terá ele a nos oferecer?
Aquele homem probo e honesto então disse: - Lembremo-nos que, um dia, num distante dia, a ele e aos seus nós mesmos confiamos decidir todas as questões que ora nos afligem e que talvez nos conduzirão ao fim. A desordem hoje instalada é fruto menos da falta de regras que da sua inobservância. Uns não fazem o que dizem; outros escamoteiam o que fazem. O direito há de ser feito por homens verdadeiramente íntegros e aplicado por outros igualmente corretos. Do contrário, haveremos de pagar, todos, pelos erros e omissões de uns poucos.
Renovou-se, então, a esperança. Até quando, somente Deus sabia.
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Post scriptum: este texto é uma obra de ficção; uma obra de alguém que, tal como quase todo garoto, um dia sonhou em ser um super-herói; alguém que lutou muito e ainda luta pra não se render à crença de que alguns poucos podem, impunemente, condenar um povo, um país, uma nação, enfim, à pobreza, ao atraso, ao caos.
Mário Márcio de Almeida Sousa
6 de dezembro de 2011
Extra pauta
Mário Márcio – vice-campeão maranhense de enduro de regularidade - categoria estreante.
No segundo ano de trilhas, primeiro de competição, tive a grata satisfação de ficar em segundo lugar na categoria estreante do campeonato maranhense de enduro de regularidade. Como a minha moto quebrou em várias provas e disputei com grandes e promissores pilotos, o resultado me encheu de orgulho e motivação para continuar treinando.
Vale registrar também a lealdade e a solidariedade de todos os pilotos com que disputei. Valeu, moçada.
Que venha o Cerapió 2012!!!
2 de dezembro de 2011
Prisão resolve, sim
Ao tratar do assunto num jornal, o Ministro Gilmar Mendes, então presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, asseverou: “Comecemos pelo óbvio: preso é gente. E gente precisa de alimento, educação e trabalho. No Brasil, porém, a realidade às vezes consegue revogar até axiomas. Aqui, os presídios não são casas correcionais socializadoras, mas depósitos de seres humanos que, lá chegando, se transformam em coisas – pelo menos aos olhos apáticos da maioria – e como tal são amiúde tratados. Essa constatação vem sendo escancarada diariamente ao País, desde que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pôs em execução o Programa dos Mutirões Carcerários”.
Em que pese todo o respeito que Sua Excelência merece, trata-se, sem dúvida, de uma afirmação exagerada e de supervalorização do papel do CNJ no cenário nacional, especialmente para a magistratura de carreira, que há décadas convive com um sistema prisional falido e sem condições de cumprir suas mais comezinhas finalidades. Como reconhece o próprio Conselho Nacional de Justiça, as irregularidades no sistema de encarceramento do Brasil “não podem ser imputadas a apenas um órgão, mas a todos que compõem o sistema de justiça criminal, por ação ou por omissão”.
Por óbvio, não se pode negar que dentre esses responsáveis está o Poder Judiciário, notadamente porque não se estruturou adequadamente para fazer frente a um número cada vez maior de feitos criminais, decorrência lógica de uma sociedade cada dia mais excludente e do consequente recrudescimento da violência. Não raro, benefícios não são concedidos ou o são após muito tempo, mesmo tendo o preso preenchido as condições para tanto. Também não são incomuns prisões provisórias com excesso de prazo na formação da culpa, ou mesmo sem os requisitos das custódias cautelares.
Em que pese essa parcela de culpa da qual o Poder Judiciário não pode e não deve se eximir, não se pode perder de vista que o principal problema do sistema prisional brasileiro é, sem dúvida, a falta de investimentos na construção e manutenção de estabelecimentos penais. Tanto assim que, no aludido texto, o Min. Gilmar Mendes também afirmou que “o total gasto pela União no ano passado para construção de presídios é insuficiente e não atinge sequer 3% dos recursos essenciais para a criação dessas vagas”.
Daí porque defendo, dentre outras medidas, a realização dos chamados mutirões carcerários. Mas não com sua atual configuração, na qual se considera a soltura de presos como uma das soluções para o problema da superlotação no sistema prisional. E nem poderia ter outro entendimento, pois, repita-se, o Judiciário tem significativa parcela de responsabilidade pela falência do sistema. Apesar disso, soltar ou deixar de prender quem quer que seja só porque o sistema “está falido e é indigno” representa desrespeito com as pessoas de bem que se comportam nos limites da lei. Cada um que assuma os riscos e as consequências dos seus atos.
O que não se pode admitir é que, na tentativa de redimir o Judiciário de seus “pecados”, sejam-lhe cobradas e impostas atribuições que nem de longe são suas, como a abertura de novas vagas para presos, principalmente se o que se busca, com isso, é tentar melhorar a imagem da instituição perante a opinião pública, imagem esta já tão desgastada por conta de suas outras e inúmeras mazelas, como a morosidade, por exemplo.
O Poder Judiciário deve, sim, respeito à opinião pública. Todavia, isso não pode implicar em decidir com o propósito de agradar a sociedade - ou parte dela -, muitas vezes ávida por escândalo e pela apresentação de culpados, sem qualquer preocupação com o linchamento público de um inocente. Como bem alerta Paulo Machado Cordeiro, “o que se almeja é que o juiz procure convencer a sociedade do acerto de sua decisão, mas nem sempre a melhor decisão é a que está em consonância com aquela que é esperada pela maioria ou pela imprensa, mas a que está de acordo com as provas dos autos, analisada sob o fundamento da lei”
Por fim, não excede consignar: 1) prisão resolve, sim; 2.1) se no Brasil a cadeia ainda não consegue reeducar e ressocializar, pelo menos mantém longe da sociedade gente que em nada contribui para um mundo melhor; 2) O CNJ, tão afeto a relatórios e números, bem que poderia divulgar quantos ministros, desembargadores e juízes têm ex-detentos como empregados ou servidores, especialmente quantos mantêm egressos trabalhando junto às suas família; 3) mesmo quando o Chefe do Poder Judiciário assume temporariamente o Governo, construir e manter presídios e delegacias continua sendo obrigação do Poder Executivo.
15 de julho de 2011
Ação de Improbidade - Decisão
Ação Civil Pública por Atos de Improbidade no 793-14.2011.8.10.0061 (7802011)
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
Promotor de Justiça: RODRIGO RONALDO MARTINS REBELO DA SILVA
Requerido: RIVALMAR LUÍS GONÇALVES MORAES
Juiz de Direito: MÁRIO MÁRCIO DE ALMEIDA SOUSA
DECISÃO
Trata-se de Ação Civil Pública por Atos de Improbidade proposta pelo Ministério Público Estadual contra Rivalmar Luís Gonçalves Moraes.
Na inicial de fls.02/20, o requerente consignou, em síntese:
“Este Órgão Ministerial, através do Centro de Apoio da Probidade Administrativa do Ministério Público Estadual, recebeu as decisões da Corte de Contas, do Sr. Prefeito Municipal de Viana, referentes ao Fundo Municipal de Saúde, Fundo Municipal de Assistência Social, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação de Viana e da Prefeitura Municipal, do exercício de 2007, tendo constatado o TCE, a ausência de procedimento licitatório ou de dispensa de licitação para a aquisição de bens e serviços pelas entidades sob gestão e responsabilidade do Réu.
A primeira conta reprovada em que não houve licitação e/ou dispensa para a aquisição de bens e serviços, se refere ao Fundo Municipal de Saúde Viana, exercício financeiro de 2007 (doc.01). Do relatório técnico constante do Processo nº 3355/2008 (TCE), se lê que “não foram encaminhas quaisquer licitações referentes ao exercício de 2007; sendo assim observou-se a ausência de Licitação ou do Processo Licitatório relativo à saúde...” (fl. 04).
Com efeito, as compras de bens e serviços não licitadas identificadas pelo TCE em referido processo foram: i) a aquisição de combustível no valor total de R$ 135.704,43 (cento e trinta e cinco mil, setecentos e quatro reais e quarenta e três centavos) do Posto Princesa dos Lagos, em que pese existir outros 05 (cinco) postos de gasolina nesta Comarca; ii) a aquisição de medicamentos no valor total de R$ 402.785,73 (quatrocentos e dois mil, setecentos e oitenta e cinco reais e setenta e três centavos) ; iii) a locação de veículos nos total de R$ 108.000,00 (cento e oito mil reais), locados de pessoas físicas diversas; iv) a aquisição de material odontológico no valor total de R$ 101.079,44 (cento e um mil, setenta e nove reais e quarenta e quatro centavos); v) a aquisição de material odontológico no valor de R$ 130.986,00 (cento e trinta mil novecentos e oitenta e seis reais), o que totaliza a despesa de R$ 878.555,60 (oitocentos e setenta e oito mil, quinhentos e cinqüenta e cinco reais e sessenta centavos), sem procedimento de licitação ou dispensa. O Acórdão PL-TCE 401, acolhendo parecer técnico pela reprovação das contas foi publicado no Diário Oficial de 30.08.2010, com transito em julgado em 14.09.2010.
A segunda conta reprovada em que não houve licitação e/ou dispensa para a aquisição de bens e serviços, se refere ao Fundo Municipal de Assistência Social de Viana, exercício financeiro de 2007 (doc.02). Do relatório técnico constante do Processo nº 4329/2009 (TCE), se lê que “Não foram encaminhadas quaisquer licitações referentes ao exercício de 2007; sendo assim, observou-se ausência de Licitação ou do Processo Licitatório relativo à Assistência Social...” (fl. 04).
Com efeito, as compras de bens e serviços não licitadas identificadas pelo TCE em referido processo foram: i) a aquisição de combustível no valor total de R$ 22.607,45 (vinte e dois mil seiscentos e sete reais e quarenta e cinco centavos) do Posto Princesa dos Lagos, em que pese existir outros 05 (cinco) postos de gasolina nesta Comarca; ii) a aquisição de móveis e equipamentos no valor de R$ 14.637,00 (quatorze mil seiscentos e trinta e sete reais) de Rosário Móveis Ltda; iii) a aquisição de material de expediente no valor de R$ 13.946,00 (treze mil novecentos e quarenta e seis reais) da Magazine Agnus Dei, o que totaliza a aquisição de R$ 51.190,45 (cinqüenta e um mil, cento e noventa reais e quarenta e cinco centavos), sem procedimento de licitação ou dispensa. O Acórdão PL-TCE 403/2010, acolhendo parecer técnico pela reprovação das contas foi publicado no Diário Oficial de 30.08.2010, com transito em julgado em 14.09.2010.
A terceira conta reprovada em que não houve licitação e/ou dispensa para a aquisição de bens e serviços, se refere ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação de Viana, exercício financeiro de 2007 (doc. 03). Do relatório técnico constante do Processo nº 4266/2009, que tramitou perante o TCE, se lê que “Não foram encaminhadas quaisquer licitações referentes ao exercício de 2007; sendo assim, observou-se ausência de Licitação ou do Processo Licitatório relativo à Assistência Social...” (fl. 03).
Com efeito, as compras de bens e serviços não licitadas identificadas pelo TCE em referido processo foram: i) a contratação de serviços de engenharia a título de reforma ou ampliação de escolas no valor de R$ 316.166,39 (trezentos e dezesseis mil, cento e sessenta e seis reais e trinta e nove centavos), em favor da Construtora Pitágoras Ltda., Piaba Instalações e C.J. Sá Empreendimento; ii) a contratação de serviços de engenharia a título de construção de escolas no valor de R$ 159.496,17 (cento e cinqüenta e nove mil, quatrocentos e noventa e seis reais e dezessete centavos), em favor da Construtora Pitágoras Ltda., Piaba Instalações e C.J. Sá Empreendimento; iii) a aquisição de combustível no valor total de R$ 314.915,59 (trezentos e quatorze mil, novecentos e quinze reais e cinqüenta e nove centavos) do Posto Princesa dos Lagos, em que pese existir outros 05 (cinco) postos de gasolina nesta Comarca; iv) a aquisição de material de construção no valor de R$ 95.722 (noventa e cinco mil e setecentos e vinte e dois reais); v) a locação de veículos nos total de R$ 186.000,00 (cento e oitenta e seis mil reais), locados de pessoas físicas diversas; vi) a aquisição de material didático e de limpeza no valor de R$ 134.059,34 (cento e trinta e quatro mil, cinqüenta e nove reais e trinta e quatro centavos), o que totaliza a aquisição de R$ 1.206.359,49 (Um milhão, duzentos e seis mil, trezentos e cinqüenta e nove reais e quarenta e nove centavos), sem procedimento de licitação ou dispensa. O Acórdão PL-TCE 402/2010, acolhendo parecer técnico pela reprovação das contas foi publicado no Diário Oficial de 30.08.2010, com transito em julgado em 14.09.2010.
A quarta conta reprovada em que não houve licitação e/ou dispensa para a aquisição de bens e serviços, se refere à Prefeitura Municipal de Viana, exercício financeiro de 2007 (doc. 04). Do relatório técnico constante do Processo nº 3353/2008 (TCE), se lê que “Não foram encaminhadas quaisquer licitações referentes ao exercício de 2007; sendo assim, observou-se ausência de Licitação ou do Processo Licitatório relativo à Assistência Social...” (fl. 03).
Com efeito, as compras de bens e serviços não licitadas identificadas pelo TCE em referido processo foram: i) a aquisição de gêneros alimentícios no valor de R$ 447.638,10 (quatrocentos e quarenta e sete mil, seiscentos e trinta e oito reais e dez centavos) das empresas Maçã Cinza Distribuidora – S.S de Mesquita ME e M.G Representações – M.G Distribuidora Ltda.; ii) a aquisição de combustível no valor total de R$ 359.005,15 (trezentos e cinqüenta e nove mil, cinco reais e quinze centavos) do Posto Princesa dos Lagos, em que pese existir outros 05 (cinco) postos de gasolina nesta Comarca; iii) a locação de veículos nos total de R$ 150.360,00 (cento e cinqüenta mil e trezentos e sessenta reais), locados de pessoas físicas diversas; iv) a aquisição de cimento no valor de R$ 51.717,20 (cinqüenta e um mil, setecentos e dezessete reais e vinte centavos); v) a aquisição de material elétrico no valor de R$ 64.736,60 (sessenta e quatro mil, setecentos e trinta e seis reais e sessenta centavos) da empresa Centro Elétrico; vi) a contratação de serviços de engenharia de melhoria sanitária no valor de R$ 161.197,00 (cento e sessenta e um mil, cento e noventa e sete reais) da empresa São Luís Projetos e Construções; vii) a contratação de serviços de recuperação de calçamento de ruas, no valor de R$ 49.128,38 (quarenta e nove mil, cento e vinte e oito reais e trinta e oito centavos), em favor de diversas pessoas físicas; viii) a contratação de serviços de pavimentação de ruas, no valor de R$ 48.854,73 (quarenta e oito mil, oitocentos e cinqüenta e quatro reais e setenta e três centavos), em favor de diversas pessoas físicas; ix) a contratação de serviços de recuperação de ruas, sarjetas e meio-fio, no valor de R$ 72.844,84 (setenta e dois mil, oitocentos e quarenta e quatro reais e oitenta e quatro centavos), em favor da Construtora Pitágoras Ltda.; x) a aquisição de material didático e de expediente no valor de R$ 144.252,19 (cento e quarenta e quatro mil, duzentos e cinqüenta e dois reais e dezenove centavos), o que totaliza a contratação de bens e serviços no valor R$ 1.549.734,19 (Um milhão, quinhentos e quarenta e nove mil, setecentos e trinta e quatro reais e dezenove centavos), sem procedimento de licitação ou dispensa. O Acórdão PL-TCE 400/2010, acolhendo parecer técnico pela reprovação das contas foi publicado no Diário Oficial de 30.08.2010, com transito em julgado em 14.09.2010.
Percebe-se, portanto, que o Réu, através do Fundo Municipal de Saúde, Fundo Municipal de Assistência Social, FUNDEB e da Prefeitura Municipal, procedeu a contratação de bens e serviços na quantia de R$ 3.685.839,70 (três milhões, seiscentos e oitenta e cinco mil, oitocentos e trinta e nove reais e setenta centavos), ausente qualquer procedimento de licitação ou dispensa, daí a presente Ação de Improbidade Administrativa.
Estes são, em síntese, os fatos.”
Valendo-se desses e de outros argumentos, o requerente formulou os seguintes pedidos:
“i) em caráter liminar e “inaudita altera pars” o afastamento do Réu do exercício de sua função pública, como a finalidade de se preservar a instrução processual, já que mantido no cargo, o Réu irá utilizar de seu controle da máquina administrativa em detrimento dos interesses da justiça, manipulando, ocultando e destruindo provas e/ou coagindo testemunhas;
ii) em caráter cautelar e “inaudita altera pars” a indisponibilidade dos bens do Réu, com o bloqueio de valores que possua em contas mantidas junto a Instituições Financeiras, através do sistema BACEN-JUD, até o montante da multa que se pede condenação; a expedição de ofício ao Órgão de Trânsito Estadual, para que este proceda o bloqueio dos bens móveis em nome do Réu, tornando-os indisponíveis e insusceptíveis de alienação sem prévia autorização judicial; a expedição de ofício aos cartórios de registro de imóveis de Viana (MA) e de São Luís (MA), para que tornem indisponíveis e insusceptíveis de alienação sem prévia autorização judicial os bens imóveis de propriedade do Réu, até o montante que se pleiteia condenação;
iii) A citação do réu RIVALMAR LUÍS GONÇALVES MORAES, portador do CPF nº 332.123.413-00, brasileiro, casado, Prefeito Municipal de Viana (MA), com domicílio civil na Prefeitura Municipal, situada na Rua Praça Ozimo de Carvalho, nº 141, Centro, nesta cidade, para, querendo, responder a presente no prazo legal, pena de revelia, permitindo-se, ademais, ao Oficial de Justiça utilizar-se da exceção prevista no art. 172, § 2º do Código de Processo Civil;
iv) Em adição, porém, ao já apurado, protesta esta Promotoria de Justiça por todos os meios de prova admissíveis em direito, especialmente pelo depoimento pessoal do requerido, sob pena de confissão, oitiva de testemunhas cujo rol será oportunamente apresentado, juntada da prestação de contas do Réu do ano de 2007, e documentos suplementares.
v) levando-se em conta a extensão do dano causado – contratação de R$ 3.685.839,70 (três milhões, seiscentos e oitenta e cinco mil, oitocentos e trinta e nove reais e setenta centavos), sem licitação; a presunção de prejuízo ao erário, já que impossível a escolha da melhor proposta para administração; o período de ano inteiro que o dano foi praticado, em todas as entidades que prestam contas ao TCE, a procedência da ação, com a condenação do Réu nas seguintes penas: i) perda da função pública; ii) suspensão dos direitos políticos por oito anos; iii) pagamento de multa civil no valor de R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinqüenta mil reais) – 50 (cinqüenta) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; iv) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.
vi) requer-se, outrossim, seja o Réu condenado ao pagamento das custas e demais despesas processuais”.
A inicial veio acompanhada de robusta documentação, que repousa às fls. 21/207.
Conforme se vê do carimbo constante à fl.02, esta ação foi protocolada no dia 16 de junho de 2011 e, depois de autuada, logo entregue a este magistrado. Contudo, devido a problemas no sistema eletrônico de distribuição, somente recebeu número nesta data - quando sanado o defeito. Por isso que a presente decisão já estava pronta e foi lançada nos autos ainda no dia de hoje.
É o que importa relatar.
Considerada a atual fase do feito, cumpre-me examinar, apenas e tão-somente, os pedidos relativos ao afastamento cautelar do agente público requerido e ao bloqueio de seus bens e valores, de modo a fazer frente a eventual condenação em pecúnia.
No que tange ao bloqueio de bens e valores, não é mister grande esforço para demonstrar não apenas a possibilidade, mas sobretudo a necessidade da medida, a teor do disposto nos artigos 12 da Lei nº 7.347/85 e 7º, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92.
Com efeito, a farta documentação juntada aos autos revela que, de fato, no ano de 2007 o requerido realizou inúmeras despesas sem prévias licitações ou formalização das respectivas dispensas, relativamente ao Fundo Municipal de Saúde, Fundo Municipal de Assistência Social, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação de Viana e da Prefeitura Municipal.
Não bastasse isso, tais documentos ainda dão conta de que o requerido pagou e não comprovou várias despesas, o que, aliás, também foi anotado em diversas passagens pelo Ministério Público de Contas. E isso, sem dúvida, tem o condão de gerar prejuízos ao erário e, via de consequência, justificar a adoção de medidas tendentes a reparar ou pelo menos minorar esses danos.
Urge, pois, que se bloqueiem bens e valores pertencentes ao requerido, sob pena de ser ver frustrada a reparação ao erário.
Por outro lado, no que diz com o afastamento do agente público, tenho que, pelo menos por enquanto, nada nos autos justifica e autoriza sua decretação.
Em seu consistente arrazoado, o requerente consignou que “no caso em tela, é provável, que se permanecer no cargo, o Réu irá forjar documentos, coagir testemunhas, para justificar as contratações de bens e serviços ao arrepio da lei, ou destruí-los, tudo para afastar a prova produzida perante a Corte de Contas e conduzir a improcedência da presente Ação Civil Pública”.
Ocorre que, nos exatos termos do art.20, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92, bem assim da interpretação que lhe tem sido dada pelo Poder Judiciário, notadamente pelo Superior Tribunal de Justiça, o afastamento do agente público somente se dá “quando a medida se fizer necessária à instrução processual”. Em casos desse jaez, nem mesmo a gravidade dos atos imputados ao agente servem de substrato único do afastamento.
Nesse sentido, confiram-se as ementas a seguir transcritas:
“PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE LIMINAR. A norma do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429, de 1992, que prevê o afastamento cautelar do agente público durante a apuração dos atos de improbidade administrativa, só pode ser aplicada em situação excepcional, quando, mediante fatos incontroversos, existir prova suficiente de que esteja dificultando a instrução processual. Agravo regimental não provido.” (AgRg na SLS .867/CE, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/11/2008, DJe 24/11/2008 - RT vol. 881, p. 148) (Grifei)
“SUSPENSÃO DE LIMINAR. PREFEITO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AFASTAMENTO CAUTELAR. DECISÃO QUE NÃO SE PRENDE AO ART. 20, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.429/92. ILEGALIDADE. GRAVE LESÃO À ORDEM PÚBLICA INSTITUCIONAL. 1. A Constituição Federal, quando trata de independência e harmonia, sustenta o delicado equilíbrio entre os Poderes da República. 2. Este equilíbrio não exclui completamente a possibilidade de que um dos Poderes interfira no outro. Há, entretanto, previsão expressa - em Lei ou na Constituição - dos casos em que essa intervenção é legítima. 3. Em se tratando de improbidade administrativa, só há uma hipótese tolerável de intervenção do Poder Judiciário nos demais Poderes para afastar agentes políticos: Art. 20, parágrafo único, da Lei 8.429/92. 4. Vale dizer: a gravidade dos ilícitos imputados ao agente político e mesmo a existência de robustos indícios contra ele não autorizam o afastamento cautelar, exatamente porque não é essa a previsão legal. 5. A decisão que determina o afastamento cautelar do agente político por fundamento distinto daquele previsto no Art. 20, parágrafo único, da Lei 8.429/92, revela indevida interferência do Poder Judiciário em outro Poder, rompendo o delicado equilíbrio institucional tutelado pela Constituição. 6. Surge, então, grave lesão à ordem pública institucional, reparável por meio dos pedidos de suspensão de decisão judicial (Arts. 4º da Lei 4.348/64, 12, § 1º, da Lei 7.347/85, 25, caput, da Lei 8.038/90 e 4º da Lei 8.437/92). 7. Para que seja lícito e legítimo o afastamento cautelar com base no Art. 20, parágrafo único, da Lei 8.429/92, não bastam simples ilações, conjecturas ou presunções. Cabe ao juiz indicar, com precisão e baseado em provas, de que forma - direta ou indireta - a instrução processual foi tumultuada pelo agente político q ue se pretende afastar.” (AgRg na SLS .857/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, CORTE ESPECIAL, julgado em 29/05/2008, DJe 01/07/2008, REPDJe 14/08/2008) (Grifei)
Assim também já se manifestou o Desembargador Paulo Sérgio Velten Pereira, do Tribunal de Justiça do Maranhão, em recente decisão monocrática:
“[...] A Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), por sua vez, estabelece no parág. único do art. 20 que “a autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual”. (grifou-se)
Pretendeu o legislador, no exercício do poder lhe conferido pelo povo (CF, art. 1°, parág. único), que os agentes públicos acusados da prática de atos de improbidade fossem afastados do cargo em uma única e excepcional situação: quando concretamente evidenciada conduta tendente a influir na apuração dos fatos tidos como ímprobos.
É dizer, não basta a adequação do ato supostamente ímprobo ao tipo legal, e tampouco a sua gravidade (que deve ser adequadamente mensurada por ocasião do julgamento de mérito, na fixação da sanção), mas é preciso demonstrar, de forma inequívoca e baseada em elementos concretos, a prática de atos com a finalidade de dificultar ou impedir a adequada apuração pelos órgãos estatais encarregados desse mister. Assim quis o legislador.
Isso ocorre porque a regra prevista na cabeça do art. 20 é que a perda da função pública só se efetive com o trânsito em julgado, o que pressupõe decisão calcada em juízo de certeza, e não de verossimilhança, proferida após contraditório e ampla defesa, princípios dos mais caros da ordem constitucional vigente (CF, art. 5° LV).
Especialmente em se tratando de mandato eletivo, por repercutir na vontade popular, soberanamente expressada pelo resultado das urnas, é que o Juiz deve agir com a necessária prudência, pena de subverter a ordem jurídico-constitucional, desestabilizando a relação de independência e harmonia entre os Poderes da República (CF, art. 2°).
Por isso mesmo o Eg. Superior Tribunal de Justiça, por sua Corte Especial, já decidiu que: “A gravidade dos ilícitos imputados ao agente político e mesmo a existência de robustos indícios contra ele não autorizam o afastamento cautelar, exatamente porque não é essa a previsão legal. A decisão que determina o afastamento cautelar do agente político por fundamento distinto daquele previsto no art. 20 § ún. da Lei 8.429/92, revela indevida interferência do Poder Judiciário em outro Poder, rompendo o delicado equilíbrio institucional tutelado pela Constituição” (SL 857, Min. Humberto Gomes de Barros).
Feitas essas considerações, não tenho dúvida em afirmar que os fatos noticiados na petição inicial da Ação Civil são por demais graves. Se comprovados, após garantido o devido processo legal em seu dúplice aspecto (substantive due process of law e procedural due process of law), fatalmente ensejarão a aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/92, que podem ser as mais variadas, aplicadas isolada ou cumulativamente, a depender da adequação típica que lhe for dada pelo órgão julgador, segundo seu livre e motivado convencimento (CPC, art. 131), e de sua gravidade.
Todavia, o Juízo prolator da decisão agravada não demonstrou de onde concluiu que a Agravante, caso permaneça no cargo, “irá inviabilizar a correta instrução do feito”. Não há, no decisum hostilizado, uma referência sequer a um ato concreto da prefeita municipal voltado à destruição de provas ou à intimidação de testemunhas, ainda que no campo da simples tentativa. [...]” (Primeira Câmara Cível - Agravo de Instrumento nº 3090-80.2011.8.10.0000 - 15.422/2011 – Paço do Lumiar – Decisão proferida em 09 de junho de 2011) (Grifos e itálicos do autor)
Como se vê, por maior que seja a grita da população, por mais graves que sejam os fatos postos à sua apreciação e por mais nobres e louváveis que sejam seus propósitos, não pode o Judiciário extrapolar os limites da norma posta, emprestando-lhe sentido mais amplo do que o pretendido pelo legislador, máxime quando se trata de uma medida tão drástica, como é afastamento de um agente público eleito pelo voto popular.
Logo, pelo menos por enquanto, não há como decretar o afastamento do requerido. Ressalvo, todavia, a possibilidade de vir a fazê-lo, caso se verifique alguma conduta sua que possa prejudicar a regular instrução do feito.
À derradeira, por já prever os ataques levianos e infundados que virão – pelo não afastamento do requerido -, a exemplo de outros tantos experimentados por magistrados e magistradas que tiveram a coragem de decidir nos limites do ordenamento jurídico e de suas consciências, registro que, neste caso, tal como noutro qualquer, não posso me arvorar de super-poderes, muito menos o de legislar. E isso mesmo tendo pleno conhecimento do grave quadro por que passa a Administração Pública de Viana/MA, que nem de longe vem se desincumbindo de seus misteres. Afinal, como bem ensina a sabedoria popular, um mal não justifica o outro e os fins não justificam os meios.
Mal sabem os riscos que correm aqueles que exaltam magistrados que ouvem o clamor das ruas apenas por amor aos holofotes ou por receios de críticas. Quando os juízes não tiverem mais liberdade e coragem para decidir, a quem recorrerão as pessoas que se sentirem lesadas? Como ficarão os cidadãos de bem? Quem os protegerá do arbítrio dos poderosos? Se é verdade que não há democracia sem parlamento livre, também o é que não existe Estado Democrático de Direito sem um Poder Judiciário livre e independente, com juízes e juízas aptos e dispostos a cumprir a Constituição Federal e as leis do país.
Por todo o exposto:
1) indefiro o pedido de afastamento do requerido Rivalmar Luís Gonçalves Moraes do exercício do cargo de prefeito do município de Viana/MA, por absoluta falta de substrato fático-jurídico;
2) decreto a indisponibilidade dos bens do requerido Rivalmar Luís Gonçalves Moraes, assim considerados, sem prejuízo de outros, contas correntes e aplicações financeiras, veículos e imóveis, até o importe de R$450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais), nos termos dos artigos 12 da Lei nº 7.347/85 e 7º, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92.
Para cumprimento do item 2 desta decisão, determino que:
1) se oficie ao Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral de Justiça, solicitando seja esta decisão encaminhada a todos os Cartórios de Registros de Imóveis de Estado do Maranhão, para ciência e cumprimento, observado o valor de R$450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais);
2) se oficie diretamente ao Cartório de Registros de Imóveis desta comarca, igualmente requisitando o bloqueio de imóveis em nome do requerido, no limite já referido;
3) se efetue(m) os(s) bloqueio(s) no Sistema Renajud.
Notifique-se o requerido para, no prazo de 15 (quinze) dias, oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações (Lei nº 8.429/92, art.17, § 7º).
Cumpra-se.
Viana/MA, 05 de julho de 2011.
Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa
Titular da 1ª Vara
M A N D A D O
Esta decisão vale como mandado judicial, para todos os fins (intimação/notificação/citação).
Requerido(a): ______________________________________________________
Endereço: _________________________________________________________
Assinatura: ________________________________________________________
Nome legível: ______________________________________________________
Local do recebimento: _______________________
Data do recebimento: _______________________
Hora do recebimento: _______________________
19 de junho de 2011
Adeus, amigo!
Embora seja um homem de muita fé e tenha forte crença na vida eterna, devo confessar que a ideia, digo, a certeza da morte me apavora. Por mais que me esforce, ainda não sou capaz de entender quando morrem crianças, mulheres grávidas e gente que passa a vida a ajudar os outros, por exemplo; principalmente quando esses eventos ocorrem de forma trágica ou cruel; e mais ainda quando vejo escroques relarem na morte e seguirem vivendo – muitas vezes às custas da desgraça e mesmo do perecimento alheios.
Minha linda mãe costuma me repreender quando digo que muita gente não deveria desfrutar do dom da vida, pois retira dos outros a oportunidade de uma existência digna e até mesmo a chance de sobreviver. Mas a vida é assim, dirão alguns. Ou melhor, a morte é assim. Afinal, todos morreremos: os bons e o maus. E o pior é que essa verdade jamais poderá ser questionada, como fui obrigado a lembrar recentemente.
Dias atrás, durante uma audiência - e por uma razão que ainda desconheço -, fugi da rotina e atendi uma ligação no celular. Era o meu velho e amado pai, com a voz embargada, a me contar que um querido amigo nos deixara. As lágrimas logo escorreram pela minha face. Deixei a sala de audiência. Voltei minutos depois, com os olhos ainda rasos d’água. E com o coração apertado terminei o ato. Já em meu gabinete, sozinho, não precisei mais me conter e deixei a emoção fluir. Foi então que me ocorreu uma grande dúvida. Como o sepultamento seria na manhã seguinte e na pauta havia treze audiências marcadas, o que deveria eu fazer? Desmarcar esses compromissos profissionais e ir à despedida ou ficar e seguir a agenda? Pedi então a Deus e ao meu amigo, agora um espírito de luz, que me ajudassem a tomar a decisão mais acertada.
Além de ser um homem prudente e sensato, meu amigo sempre me dispensou grande respeito e admiração, sobretudo quanto à minha atuação como juiz. Por diversas vezes o repreendi quando ele me conferiu predicados que ainda não alcancei - e talvez jamais o faça. Mas admito que me sentia muito lisonjeado, sobretudo diante do descrédito por que passa o Poder Judiciário – por culpa de uma minoria, não excede registrar. Como convivia muito com meu pai, é provável que meu amigo soubesse que a admiração e o respeito eram – e são – recíprocos, bem como os bons sentimentos, especialmente a amizade e o afeto.
E foram justamente esses sentimentos mútuos e verdadeiros que me fizeram decidir: eu deveria ficar e realizar as audiências, para não causar grandes transtornos às partes e aos advogados. Foi o que fiz. Hoje, com o coração mais confortado, tenho a convicção de que bem agi, pois rendi homenagens ao meu saudoso amigo honrando a toga que envergo, que tanto me orgulha e que ele tanto admirava. Também estou certo de que essa seria a sua orientação.
Fique com Deus, meu amigo Eliud Oliveira! Esteja certo de que tudo farei para continuar a merecer sua admiração e seu respeito. Que seu espírito de luz ajude a iluminar meu caminho, conduzindo-me sempre pela trilha da ética e da Justiça. Obrigado, por tudo. E até um dia. Até lá, espero jamais olvidar a lição do também filósofo Santayana: “Não existe cura para o nascimento nem para a morte, a não ser aproveitar o tempo entre eles”.
P.s.: Embora não o conhecesse pessoalmente, quero externar à família do Deputado Federal Luciano Moreira meu sincero pesar pelo seu repentino e absurdamente precoce falecimento. Decerto que a vida pública também perdeu muito. Que Deus lhes conforte.
28 de março de 2011
SENTENÇA – INTERDIÇÃO DO MATADOURO MUNICIPAL DE VIANA
20 de janeiro de 2011
Prestação de contas - atividades em 2010
A 1ª Vara realizou 727 audiências no ano passado, envolvendo 1612 pessoas. Foram proferidos 3676 despachos e 1101 decisões. O juiz presidiu onze sessões do Tribunal do Júri.
O magistrado atua na 1ª Vara de Viana desde 2008. Nesse período o número de processos julgados aumenta a cada mês, enquanto diminui o acervo de processos na unidade. Para efeito comparativo, em 2008 foram distribuídos 611 processos e julgados 709. No mesmo ano, mesmo estando de férias nos meses de fereveiro e março, ele proferiu 625 sentenças do total.
Em 2009 foram 863 novos processos na vara, com 961 sentenças. Assim que assumiu a titularidade da vara, em dezembro de 2007, o acervo era de 2334 processos. Em janeiro de 2010, o número de feitos em andamento era de 2177. Hoje são aproximadamente 1950.
Os resultados positivos podem ser creditados também ao bom serviço dos servidores, destaca Mário Márcio Sousa. “Eles não mediram esforços para compensar o número insuficiente de colaboradores e a falta de estrutura física e de material”, diz o juiz.
Outra observação importante refere-se à mudança das instalações do Fórum. Embora não seja o ideal, é bem melhor que anterior, resultando em melhoria do desempenho.
“Antes da mudança, as duas varas de Viana funcionavam em prédio acanhado, sem condições de armazenar devidamente os processos, de instalar condignamente magistrados e servidores, bem como receber o público. Hoje a situação é melhor”, lembra o juiz.
O corregedor-geral da Justiça, Antonio Guerreiro Júnior, inspecionou a Comarca de Viana em julho do ano passado e diagnosticou a necessidade de novo fórum. Em geral, os fóruns da região da Baixada funcionam em locais muito ruins. O de São João Batista fica próximo ao campo inundado, contudo distante do perímetro urbano.
Em Viana, o prédio anterior era de tal forma inadequado que as audiências ocorriam nos gabinetes dos juízes, uma vez que não havia outro espaço disponível.
Michael Mesquita
Assessoria de Comunicação da CGJ
asscom_cgj@tjma.jus.br
(98) 3221-852
16 de agosto de 2010
Lei da Ficha Limpa: inelegibilidade é pena, sim
O Brasil é, de fato, um país pitoresco. Não raro, mesmo quando busca acertar, acaba por tropeçar em fisiologismos, demagogias e, pior, na falta de planejamento e de avaliação de ações que, embora nobres e até imprescindíveis, podem ter consequências malfazejas.
Talvez o exemplo mais recente e eloquente dessa inconsequência seja a Lei Complementar nº 135/2010, a chamada Lei de Ficha Limpa, cujo escopo é “proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato”. Fruto de extraordinária e legítima pressão social, a norma veio a lume poucos meses antes das eleições e a polêmica logo se instalou. Devidamente provocados, Tribunais Regionais Eleitorais como os do Maranhão, Pará e Rio Grande do Sul corajosamente negaram aplicação plena ao novo diploma, com o argumento, dentre outros, de que inelegibilidade é pena – como se tentará demonstrar neste singelo texto. Não demorou para que fossem taxados de retrógrados, de contrários aos interesses públicos.
No julgamento do Registro de Candidatura nº 3398-21.2010.6.10.0000 – Classe 38, o relator, Juiz Magno Linhares, membro do TRE do Maranhão, assentou:
“Nesse contexto, com a máxima vênia do Ministério Público Eleitoral, filio-me ao entendimento daqueles que vislumbram a natureza das inelegibilidades decorrentes de infrações à preceitos legais como autêntica hipótese de penalidade, e não de simples conseqüência de uma condenação, afinal os efeitos punitivos decorrentes de uma infração podem ser contemplados por um ou mais textos legais, não se exigindo que estejam restritos no mesmo dispositivo ou na mesma lei.”
De modo diametralmente oposto, há quem defenda a aplicabilidade da norma a casos com condenações transitadas em julgado e até mesmo cumpridas. Vale-se tal corrente, dentre outras, da convicção de que inelegibilidade não é pena.
No voto condutor da Consulta nº 1147-09.2010.6.00.0000, o Min.Arnaldo Versiani – do Tribunal Superior Eleitoral -, ao invocar precedentes do Supremo Tribunal Federal, consignou:
“Realmente, não há, a meu ver, como se imaginar a inelegibilidade como pena ou sanção em si mesma, na medida em que a ela se aplica a determinadas categorias, por exemplo, a de juízes ou a de integrantes do Ministério Público, não porque eles devam sofrer essa pena, mas, sim, porque o legislador os incluiu na categoria daqueles que podem exercer certo grau de influência no eleitorado. Daí, inclusive, a necessidade de prévio afastamento definitivo de suas funções.
O mesmo se diga a respeito dos parentes de titular de cargo eletivo, que também sofrem a mesma restrição de elegibilidade. Ainda os inalistáveis e os analfabetos padecem de semelhante inelegibilidade, sem que se possa falar de imposição de pena.”
Com todas as vênias, o entendimento do Regional maranhense se revela mais acertado, mais consentâneo com os princípios informadores do sistema jurídico-constitucional brasileiro. Dito de modo mais específico: como as causas de inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 135/2010 encerram, sim, verdadeiras penalidades, a decisão do TRE do Maranhão guarda maior coerência com o princípio constitucional da irretroatividade da lei prejudicial.
De acordo com o dicionarista Antônio Houaiss, pena quer dizer “sanção aplicada como punição ou como reparação por uma ação julgada repreensível; castigo, condenação, penitência”, “sanção prevista pelo legislador e aplicada pelos órgãos jurídicos competentes”. Diante disso, mesmo que se parta do sentido literal do termo, forçoso é concluir que inelegibilidade é pena, sobretudo se considerado o fato de que a Lei Complementar nº 135/2010 impede que sejam eleitas pessoas que tenham sido condenadas por diversas modalidades de ilícitos (criminais, eleitorais, administrativos etc.).
Ora, se a inelegibilidade retira do político a possibilidade de se candidatar e, por óbvio, de se eleger, como então dizer que isso não é pena? No mais das vezes, o que importa para essas pessoas são os mandatos eletivos. Se lhes é tolhido o direito até mesmo de concorrer, então como sustentar que elas não estão sendo penalizadas?
Sempre renovando vênias, pouco importa discutir se o disposto no art.5º, incisos XL e LVII, da Constituição Federal se aplica apenas a condenações criminais, mesmo porque a norma é expressa nesse sentido. Em que pese isso, não se pode desconhecer que, no sistema de garantias constitucionais (que também informa as referidas disposições), é inegável que a ninguém pode ser aplicada pena instituída depois de fato já consumado; tampouco se podem ampliar os efeitos de condenação – seja ela de que natureza for – com base em regras posteriores à sua imposição.
Embora seja certo afirmar que não há direito adquirido a elegibilidade, cumpre reconhecer que o há em relação ao julgamento conforme e nos limites das normas (e das penas) vigentes ao tempo do fato tido por ilícito, repita-se, ainda uma vez, seja qual for a sua natureza. Do contrário, viver-se-ia num completo estado de insegurança jurídica.
Outro aspecto que revela a impossibilidade de aplicação retroativa da Lei da Ficha Limpa é o fato de que não há, ao que tudo indica, limites para essa investida contra o passado, ou seja, pouco importa quando tenha havido a condenação ou a rejeição das contas, por exemplo. Da forma como está posto o entendimento dominante, trata-se de uma regra que retroage temporalmente sem limites. Como afirma o professor Flávio Braga, trata-se de uma espécie de regressus ad infinitum. E isso não pode ser tolerado; não na ordem constitucional vigente.
E nem se cogite, por outro lado, que as chamadas inexigibilidades reflexas (parentes de chefes do Executivo e magistrados, p.ex.), serviriam para retirar o caráter de pena das inelegibilidades. Nos casos de inelegibilidades decorrentes de ilícitos, o agente não pode adotar nenhuma nova conduta para superar o impedimento, porquanto ele – impedimento – é decorrente de conduta anterior, por isso mesmo tida como ilícita pelo ordenamento jurídico e já sancionada. Em relação às condições de elegibilidade, contudo, pode o interessado adotar as providências necessárias para atendê-las, como filiar-se a partido político e fixar endereço na jurisdição para a qual pretende concorrer; os magistrados podem, por exemplo, se desligar – definitivamente - de suas funções. Quanto aos parentes de chefes do Executivo, conquanto não lhes seja possível licitamente afastar o impedimento, não se trata de punição. Trata-se, sim, de opção legislativa, como no caso da Lei de Ficha Limpa.
Nesse ponto, vale registrar que não se está a defender que a Lei da Ficha Limpa não poderia ter criado novas causas de inelegibilidade, tampouco que seja inconstitucional. Em absoluto. Afirma-se, tão-somente, que seus efeitos não podem alcançar situações consolidadas e julgadas (pouco importa se transitadas ou não) antes sua entrada em vigor.
5 de agosto de 2010
Lei da Ficha Limpa: os fins justificam os meios?
Por razões óbvias, não se pode desconhecer a relevância e a conveniência da norma, sobretudo se considerado o fato de que, não raro, mandatos eletivos têm sido buscados – e, pior, alcançados – com o propósito de enriquecimento ilícito e para assegurar a impunidade de delitos de toda ordem. Não há, em sã consciência, quem seja contra extirpar da vida pública – ou impedir que nela ingressem – pessoas sem qualquer compromisso com os reais anseios da população e que ostentem condutas contrárias ao ordenamento jurídico.
Afinal, quem se dispõe a servir o povo deve, antes, respeitar as normas que, em última análise, foram concebidas por esse mesmo povo e em seu nome. Também não se pode negar que o Congresso Nacional tem, sim, legitimidade e competência para fixar tanto critérios de elegibilidade quanto de inelegibilidade. Trata-se, pois, do legítimo exercício dos poderes que lhes foram outorgados pela Constituição Federal.
Diante disso, não é desarrazoado afirma-se que inexiste antinomia entre o princípio da inocência presumida e princípio da moralidade necessária ao exercício de cargo eletivo. Ora, quem pretende conduzir os destinos de uma nação com quase duzentos milhões de habitantes não pode carregar suspeitas e muitos menos certezas de condutas tidas por ilícitas. É mais ou menos como se diz sobre a esposa daquele famoso imperador romano: não basta ser honesto, há que se parecer honesto.
Em que pese isso, se considerados – como devem ser – regras e princípios constitucionais (explícitos e implícitos), cumpre também admitir que a tão falada e desejada faxina na política brasileira não pode ser feita a qualquer custo. Por mais relevantes e nobres que sejam os propósitos da Lei da Ficha Limpa, não se pode e não se deve olvidar que as regras do jogo eleitoral não podem ser alteradas senão um ano antes das eleições , muitos menos depois de já deflagrada, ainda que informalmente, a corrida pelos cobiçados cargos eletivos contemplados na Constituição da República.
E nem se diga que a Lei da Ficha Limpa não alterou o processo eleitoral. Basta que se vejam os noticiários e as pautas dos Tribunais Regionais Eleitorais e do próprio Tribunal Superior Eleitoral para concluir que o novo diploma alterou, sim, a disputa por cargos eletivos. Tanto que muitos candidatos estão mais preocupados em defender sua inaplicabilidade para o próximo pleito que em efetivamente buscar convencer o eleitorado de que suas propostas são as melhores.
Com a devida vênia e em conclusão, não se pode deixar de registrar que o quadro atual é deplorável. Numa eleição, sobretudo do porte da brasileira, quem mais deve aparecer são os candidatos, não os magistrados.
11 de julho de 2010
Num texto escrito em julho de 2009 e intitulado “Magistratura ajoelhada”, reconheci - sem qualquer ranço demagógico ou de hipocrisia – que muitas vezes não dei bom dia a cavalo (como diria meu querido tio Sinval), fui o próprio. Hoje, ainda uma vez, admito minha condição, um tanto humana, parte equina, bem como a possibilidade, daí mesmo decorrente, de continuar a pastar por muitos anos nos campos da Baixada Maranhense. Apesar disso, calar seria pior, pois faria brotar em mim a porção de um bicho covarde, sorrateiro, um verme, enfim, que da podridão e na inação alheias se alimenta.
Por razões de natureza legal e ética, bem assim pela sincera convicção de que não se deve jogar lenha em fogueiras alheias, não posso, não quero e não vou me manifestar sobre o mérito do caso que, nos últimos dias, envolve um conhecido empresário com atuação nesse nosso grande Maranhão. Tampouco pretendo formar juízos de valor sobre tudo aquilo que foi dito e que porventura se escondeu a respeito. Valer-me-ei apenas da repercussão dos fatos para externar preocupações que há muito me tomam.
Nos dias que se seguiram à prisão do mencionado empresário, diversos magistrados externaram sua revolta e sua indignação com a notícia de que a colega responsável pelo tão famoso processo teria dito, em entrevista, que o igualmente famoso empresário costumava se gabar de suas relações com autoridades do Judiciário e que isso também serviu de fundamento para a decretação da sua prisão. Cogitou-se, até, interpelar judicialmente a juíza e instaurar procedimento administrativo contra ela.
À primeira vista, tais reações são legítimas e justificáveis. Afinal de contas, não é dado a nenhum magistrado invocar e valer-se de suposições ou insinuações contra quem quer que seja para decidir num ou noutro sentido; muito menos pôr sob suspeita todos os membros de um dos Poderes da República, ainda que em nível estadual. E digo isso com toda tranquilidade, porquanto tenho sofrido - íntima e quase que diariamente - com os ataques generalizantes dirigidos ao Poder Judiciário, seja com os procedentes, seja com os levianos. Afinal de contas, sou juiz e pretendo sê-lo até quando minhas forças e a ordem jurídica permitirem.
Enquanto escrevia este texto, tentei ouvir a colega responsável pelo sobredito caso. Não tive sucesso. Em que pese isso, pelo que pude colher, Sua Excelência não concedeu a tal entrevista na qual teria dito que o empresário costumava se vangloriar de suas relações com membros da magistratura. Em verdade, o que ela fez foi transcrever em sua decisão trechos de depoimentos nos quais essas relações teriam sido ventiladas por quem delas se dizia regozijar. Pelas mesmas razões já mencionadas, não posso, não quero e não vou opinar sobre o acerto ou desacerto da conduta, tampouco sobre as reações que ensejou.
Contudo, até mesmo para chegar ao tema que interessa, uma pergunta se impõe: se nós, magistrados, que, por dever de ofício, temos sempre que ouvir todas as partes envolvidas num processo, por vezes incorremos no equívoco de muitos e tomamos como procedente uma acusação sem consultar o acusado, que se dirá, então, de uma sociedade ávida por escândalos? Arrisco-me a responder. Também nós somos vítimas de uma crescente e perigosa tendência que, por isso mesmo, precisar ser pensada e sobretudo evitada: nos dias que correm, qualquer um diz qualquer coisa e por qualquer meio contra qualquer pessoa e isso logo toma ares de verdade incontestável. Ao que tudo indica, foi exatamente o que ocorreu no caso em comento. Atribuiu-se a alguém uma entrevista que efetivamente não foi dada, como se a simples aposição de aspas numa frase tivesse o condão de torná-la dita por quem se lha atribui.
Eis que surge, então, outro questionamento: a liberdade de informar e o direito à livre manifestação de pensamento tornam quem os exercita detentor da verdade, senhor absoluto da ética e da moralidade, a tal ponto que nem se deve dar ao trabalho de ouvir alguém antes de lhe atirar as mais graves acusações? Como diria um ministro que muito admiro, a resposta é desenganadamente negativa.
Especificamente em relação ao Poder Judiciário, quando uma decisão vai ao encontro daquilo que seguimentos da sociedade reputam correto, justo, o magistrado é correto, justo. Do contrário, mesmo um juiz que sempre se portou com retidão, muitas vezes ao longo de décadas, passa, de uma hora para a outra, a ser tachado de desonesto, de venal e subalterno de interesses inconfessáveis. Isso, por óbvio, não é correto, não é justo.
O tema é vasto e polêmico. E o espaço, além de curto, não é adequado para abordá-lo com a profundidade que merece. Finalizo, então, lembrando que não existem direitos absolutos. Tudo na vida tem e deve sempre ter limites. E não pode ser diferente com o direito de informar e a liberdade de dizer o que se pensa, mesmo sendo eles tão caros a uma democracia. Não nos olvidemos, ademais, que todos estamos sujeitos ao exercício abusivo e muitas vezes devastador dessas franquias constitucionais.
Mário Márcio de Almeida Sousa
Membro do Poder Judiciário do Maranhão – COM MUITA HONRA!!!
8 de junho de 2010
Sentença Criminal Condenatória
Ação Penal n0 753/07 (Reunida, por continência, com a Ação Penal nº 250/07)
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
Promotora de Justiça: ANA CAROLINA CORDEIRO DE MENDONÇA LEITE
Acusados: WELISSON MUNIZ SOUSA, VULGO “LELECO”, E LAÉRCIO AZEVEDO PENHA
Advogados: ANTONIO DE PÁDUA E EZEQUIEL PINHEIRO GOMES
Juiz de Direito: MÁRIO MÁRCIO DE ALMEIDA SOUSA
SENTENÇA
Inicialmente, o Ministério Público Estadual ofereceu denúncia contra Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, nos seguintes termos:
“Consta do incluso Inquérito Policial, base da presente Denúncia, que o Denunciado, juntamente com outro comparsa ainda não identificado, no dia 19 de fevereiro de 2007, juntamente com outro comparsa ainda não identificado, no dia 19 de fevereiro de 2007, por volta das 23:30 horas, roubaram as vítimas RAINÉRIO COSTA MENDES e JOSENIRA DE JESUS SANTOS VIEIRA, e para roubarem as vítimas JOSÉ CARLOS NOGUEIRA CARDOSO, MARGARIDA PEREIRA MENDONÇA e CLÁUDIO ROBERTO COSTA, mataram o vitimado ANTÔNIO ANDRADE MENDES, com um disparo de arma de fogo e feriram, com a mesma arma, os demais vitimados.
Segundo apurado no procedimento investigatório, os denunciados no dia dos fatos abordaram os vitimados RAINERIO COSTA MENDES e JOSENIRA DE JEUSS SANTOS VIEIRA, e mediante ameaça feita de arma em punho, subtraíram-lhes os celulares, um cordão de bijuteria e um relógio. Logo em seguida, os denunciados em continuação delitiva, abordaram do vitimados JOSÉ CLÁUIO NOGUEIRA CARDOSO, MARGARIDA PEREIRA MENDONÇA e CLÁUDIO ROBERTO COSA, os quais foram feridos à bala, tendo o primeiro falecido em decorrência dos ferimentos e os últimos ficados gravemente lesionados.
Mister seja dito que a segunda ação dos denunciados não foi apurada em sua integridade, tendo em razão disso, a autoridade policial solicitado prazo para a conclusão do inquisitório. Entanto os elementos até então trazidos aos autos se revelam complementadas as investigações em autos próprios, a fim de que com os novos elementos eventualmente trazidos à lume possa este Órgão Ministerial aditar a peça acusatória, inclusivo para incluir o comparsa do denunciado ainda não identificado.” (fls.02/03)
Essa peça deu origem à Ação Penal nº 250/07 e foi recebida à fl.46.
O réu Welisson foi ouvido e negou a autoria delitiva (AP nº 250/07, fls.89/91). Sua defesa prévia repousa às fls.93/95 (AP nº 250/07).
Foram ouvidas 04 (quatro) testemunhas de acusação e 07 (sete) de defesa (AP nº 250/07, fls.152/165, 199/206 e 223/224).
Foi-lhe denegada ordem de Habeas Corpus (AP nº 250/07, fl.195).
Concluída a instrução da Ação Penal nº 250/07, o Ministério Público Estadual, com base nos mesmos fatos, ofereceu nova denúncia contra Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, agora autuada sob o nº 753/07 e tendo também como acusado Laércio Azevedo Penha. Eis a respectiva transcrição:
“No dia 19.02.2007, por volta das 23:30 horas, as vítimas Rainerio Costa Mendes e Josenira de Jesus Santos Vieira festejavam o carnaval na companhia de duas crianças nas proximidades da rodoviária de Viana-MA, ocasião em que perceberam a aproximação suspeita dos dois denunciados.
Após seguir as vítimas por algum tempo, os denunciados as abordaram e anunciaram um assalto apontando armas de fogo para as mesmas, sendo que um dos meliantes agarrou Rainerio pelo braço, enquanto o outro dominou a vítima Josenira.
Nesse contexto, os denunciados subtraíram para si o celular de Rainerio, dois cordões de bijuteria da vítima Josenira, bem como o relógio de pulso do filho desta última, tendo em seguida libertado as vítimas, que correram para lugar seguro.
Passados aproximadamente 15 minutos do primeiro assalto, no mesmo local, os denunciados abordaram as vítimas José Carlos Nogueira e Margarida Pereira Mendonça, anunciado um assalto e agarrando ambos pelo braço, na tentativa de dominá-los.
Em seguida, José Carlos e Margarida conseguiram se desvencilhar dos denunciados e começaram a correr na tentativa de fugir do assalto, momento em que Welisson e Laércio dispararam diversos tiros de arma de fogo contra as vítimas, vindo a atingir Margarida na perna esquerda e José Carlos no tórax, causando nos mesmos as lesões descritas nos laudos de fls.03/04.
As lesões sofridas por José Carlos Nogueira ocasionaram a sua morte, conforme o exame cadavérico de fls.03.” (AP nº 753/07, fls.02/04)
Foram então arroladas oito testemunhas de acusação (AP nº 753/07, fl.04).
Exame cadavérico, de corpo de delito, termos de reconhecimento e exames complementares às fls.07/09, 14, 17, 26, 39, 55/56, 58, 102/108 (AP nº 753/07).
Certidões de antecedentes criminais às fls.48, 77/78 e 109/114 (AP nº 753/07).
A segunda denúncia foi recebida à fl.64.
Os acusados foram devidamente qualificados e interrogados e negaram a autoria delitiva (AP nº 753/07, fls.116/117).
Apenas o réu Laércio apresentou defesa prévia (AP nº 753/07, fl.119).
Por tratarem dos mesmos fatos, autores e vítimas, foi determinada, por continência, a reunião das Ações Penais nºs 753/07 e 250/07 (AP nº 753/07, fl.158).
Foram devidamente ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes (AP nº 753/07, fls.136/141, 202/204, 221/222).
Indeferiu-se pedido de acareação e reconstituição simulada dos fatos, formulado pela defesa de Welisson.
Por determinação deste juízo, foram reinquiridas quatro testemunhas (AP nº 753/07, fls.236, 259/262).
Às fls.226/233 (AP nº 753/07), o Ministério Público Estadual pugnou pela condenação dos acusados nas penas dos “arts. 157, §2º, I e II; 157, §3º, parte final c/c art.14, II; 157, 3º, parte final; 129, §1º, I, II e III e §2º, I, todos do Código Penal”.
Alegações finais das defesas às fls.264/269 e 279/292, ambas pugnando pela absolvição.
É o que importa relatar.
Logo de início, cumpre registrar, sem delonga, que o depoimento de Idenilson de Sá Costa pode ser considerado como indício da participação de Laércio Azevedo Penha nos delitos ora examinados.
Todavia, as declarações dessa testemunha se mostraram contraditórias e, por isso mesmo, não servem para sustentar uma condenação.
Em verdade, não há nos autos elementos suficientes para condenar o acusado Laércio Azevedo Penha. É dizer: não há provas de que ele tenha concorrido para as infrações penais cuja prática lhe imputa o Ministério Público.
Em diversas passagens, Josenira de Jesus Santos Vieira afirmou ter reconhecido Welisson, mas:
- “que não sabe descrever o outro elemento”; (AP nº 753/07, fl.153/154)
- “que em nenhum momento foi chamada para fazer o reconhecimento do outro acusado, até porque não tinha como reconhece-lo” [sic]; (AP nº 250/07, fl.153/154)
- “que foi o acusado conhecido como Leleco, aqui presente quem assaltou a depoente, seu cunhado Rainério, seu filho Ítalo e seu sobrinho Vínicius; que, entretanto, não pode afirmar que o homem que praticou o crime em companhia de Leleco é o acusado Laércio” [sic] (AP nº 753/07, fl. 259).
A testemunha de acusação José Cutrim, por sua vez, também disse ter reconhecido Welisson e “que não dar para descrever o outro elemento” [sic]; “que entretanto não sabe dizer quem era o homem que o acompanhava, pois não viu seu rosto” (AP nº 753/07, fls.146/147 e 260).
Destarte, como não existe prova de ter ele concorrido para a infração penal, impõe-se a absolvição de Laércio Azevedo Penha, nos termos do art.386, V, do Código de Processo Penal.
Por outro lado, a mesma sorte não socorre o réu Welisson Muniz Sousa, conhecido como “Leleco”.
Após analisar detidamente estes autos, tenho que há, sim, provas suficientes para condená-lo, embora não nos termos pretendidos pelo Ministério Público. E justificar esse entendimento não exige grande esforço argumentativo, sobretudo em virtude dos firmes e convincentes depoimentos testemunhais.
Como são várias as ações, cada uma delas será examinada isoladamente.
Da ação contra Rainério Costa Mendes e Josenira de Jesus Santos Vieira
Segundo o Ministério Público Estadual, contra essas vítimas Welisson e um outro indivíduo teriam cometido o delito de roubo qualificado pelo emprego de arma e concurso de agentes (CP, art.157, § 2º, I e II).
Nesse ponto, a denúncia é, sim, de todo procedente, porquanto a materialidade e a autoria delitivas emergem, cristalinas, dos firmes depoimentos prestados por Josenira de Jesus Santos Vieira.
A seguir, a transcrição dos principais trechos:
“Que reitera integralmente os depoimentos já prestados neste juízo; Que foi o acusado conhecido como “Leleco”, aqui presente quem assaltou a depoente, seu cunhado Rainério, seu filho Ítalo e seu sobrinho Vinícius; Que, entretanto, não pode afirmar que o homem que praticou o crime em companhia de Leleco é o acusado Laércio; Que também viu que Leleco e seu comparsa assaltaram o seu José Nogueira e uma mulher cujo nome não se recorda; Que ambos os assaltantes estavam armados, mas não sabe quem atirou contra essas duas pessoas e atingiu José Nogueira; Que não viu quando a vítima Cláudio foi atingida; Que não tem dúvidas quanto ao reconhecimento do acusado Leleco, aqui presente [...]” (AP nº 753/07, fl.259) (Grifei)
“Que por volta das vinte e três e trinta horas do dia citado na denuncia a depoente vinha na Avenida Luis de Almeida Couto na companhia de seu cunhado Rainerio, seu filho menor e um sobrinho; que em determinado momento perceberam que estavam sendo seguidos por dois elementos e como não queriam assustar as crianças preferiram não correr a depoente e seu cunhado; que após passarem do hotel água viva a depoente ouviu um dos elementos falar "é agora", oportunidade em que um dos elementos quebrou uma garrafa de cachaça no chão e os dois elementos partiram para cima da depoente do seu cunhado e das crianças armados com revolveres cada um com uma arma; que a depoente reconheceu um dos elementos como sendo Leleco, técnico em eletrônica que inclusive já tinha levado para consertar uma televisão do pai da depoente, televisão esta que até hoje nunca foi devolvida; que também conhece Leleco posto que o mesmo foi marido de Maria amiga da depoente; que Maria mora no bairro Vinagre na Rua Vasco da Gama, mais esqueceu o nome do pai e da mãe da amiga; que durante o assalto a depoente entregou celular, cinco reais, relógio do seu filho e um colar de bijuteria e o seu cunhado entregou um celular; que Leleco imobilizou o cunhado da depoente ameaçando-lhe com o revolver e o seu comparsa imobilizou a depoente e ficava passando o revolver na cabeça da mesma e também tocando em seu corpo de forma libidinosa, nos seios, na vagina na frente das crianças [...]” (AP nº 250/07, fls.152/155) (Grifei)
Essas afirmações também foram corroboradas por José Cutrim, que declarou:
“Que no último dia dezenove de fevereiro (2007), por volta das 23:40 horas, estava em sua casa, nas proximidades da Rodoviária de Viana, onde trabalha como vigia para a Prefeitura. Que o depoente estava saindo de sua casa quando a senhora Josenira lhe falou que havia acabado de ser assaltada e que dois assaltantes haviam lhe tomado um relógio, um cordão e dois celulares; que a Josenira ficou conversando com o depoente esperando um moto-taxista para chamar a policia: que cerca de vinte minutos depois viram um casal passando no mesmo local onde Josenira foi assaltada e viram também os dois assaltantes de Josenira se aproximando do casal [...] Que na delegacia reconheceu Leleco como um dos assaltantes e como sendo aquele que atirou na mulher e no homem; Que já conhecia Leleco e apenas ouviu comentários de que ele estaria envolvido em crimes; Que não sabe que era o outro assaltante; Que o rapaz baleado morreu; Que depois de atirar no casal, Leleco ainda atirou no indivíduo conhecido como Badaró [...]” (AP nº 743/07, fls.137/138) (Grifei)
“Que estava em sua casa por volta das vinte e três horas no dia citado na denuncia, quando Josenira chegou falando na porta que tinha sido assaltada [...] que Leleco atirou na direção do depoente duas vezes e depois atirou no rapaz que estava acompanhando a moça assaltada e este depois veio a falecer [...] que reconhece Leleco como um dos assaltantes e autor dos disparas, inclusive daquele que matou José Carlos porque dançou boi seis anos com o mesmo no boi urubu, portanto conhece bem o seu corpo e o seu jeito. Dada a palavra ao representante do Ministério Público, sob perguntas respondeu: que nunca teve nenhuma rivalidade ou rixa com Leleco; que não dar para descrever o outro elemento, porque quando o depoente deu o primeiro grito o outro elemento fugiu logo e somente Leleco ficou efetuando o disparo; que quando iniciaram os disparos todo mundo correu e ai Josenira entrou em uma das casas e Rainério ficou no canto de uma casa; que entre Josenira chegar e o outro assalto deram uns cinco minutos.” (AP nº 250/07, fls.156/157 – AP nº 753/07, fls.146/147) (Grifei)
“Que presenciou os dois crimes atribuídos ao acusado Leleco e não tem dúvida de que ele foi o seu autor, pois o reconheceu quando das ações; Que entretanto não sabe dizer quem era o homem que o acompanhava, pois não viu seu rosto; Que viu o momento em que Leleco atirou contra a mulher que acompanhava o sr. José Carlos, atingindo-a na perna; Que viu também quando Leleco atirou contra o sr. José Carlos; Que não tem dúvidas quanto ao reconhecimento do acusado Leleco, aqui presente; Que também foi Leleco quem atirou contra o depoente, mas não o atingiu; Que o homem que acompanhava Leleco não atirou em ninguém; Que não conhece Laércio, morador do “Campo Novo”; Que não reconheceu o segundo homem porque ele correu logo depois do primeiro disparo efetuado por Leleco.” (AP nº 753/07, fl.260) (Grifei)
Como se vê, a prova oral não deixa dúvidas de que, em 19.02.07, Welisson Muniz Sousa e um comparsa “abordaram os vitimados RAINERIO COSTA MENDES e JOSENIRA DE JESUS SANTOS VIEIRA, e mediante ameaça feita de arma em punho, subtraíram-lhes os celulares, um cordão de bijuteria e um relógio”.
Registre-se, por oportuno, que se afigura irrelevante o fato deste juízo ter reconhecido que Laércio não concorreu para a prática do delito, pois resta comprovado que Welisson agiu em companhia de uma outra pessoa.
Nesse sentido:
“APELAÇÃO CRIMINAL. DENÚNCIA POR FURTO QUALIFICADO PELO ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO E CONCURSO DE DUAS PESSOAS (ART. 155, § 4º, I E IV DO CP). CISÃO DO PROCESSO. Sentença condenatória de um dos acusados que não analisa a qualificadora do concurso de agentes, por julgá-la prejudicada em razão da separação do processo. Impossibilidade. CIRCUNSTÂNCIA QUE PODERÁ SER RECONHECIDA MESMO QUANDO NÃO IDENTIFICADO O CO-AUTOR. NULIDADE. DECISÃO CITRA PETITA. APELO MINISTERIAL PROVIDO. Como a sentença deve ser completa, é nula se o juiz deixar de examinar toda a matéria articulada ou de considerar todos os fatos articulados na denúncia contra o réu. (Júlio Fabbrini Mirabete)” (Apelação Criminal (Réu Preso) nº 2004.036303-8, 2ª Câmara Criminal do TJSC, Urubici, Rel. Des. Maurílio Moreira Leite. unânime, DJ 25.02.2005).
Da ação contra José Carlos Nogueira, Margarida Pereira Mendonça e Cláudio Roberto Costa
Em suas alegações finais, o Ministério Público Estadual consignou que Welisson e um comparsa teriam cometido os delitos de latrocínio consumado contra José Carlos Nogueira, de latrocínio tentado contra Margarida Pereira Mendonça e de leões corporais graves e gravíssimas contra Cláudio Roberto Costa.
De fato, o exame cadavérico de fl.07 e os laudos de fls.08, 09, 55/56 e 57, todos juntados aos autos da Ação Penal nº 753/07, comprovam que a ação resultou na morte de José Carlos e em ferimentos em Margarida e Cláudio. Do mesmo modo, os depoimentos abaixo transcritos revelam que Welisson foi um dos responsáveis por esses graves fatos. Aliás, revelam que foi ele o autor dos disparos que atingiram as vítimas.
Margarida Pereira Mendonça declarou:
“Que no carnaval de fevereiro/2007 a depoente estava caminhando próximo da rodoviária com o seu primo José Carlos Nogueira, quando foi abordada por dois elementos; Que isso ocorreu por volta das 24:00 horas; Que havia pouca gente no local; Que os elementos se encontravam à pé; Que apareceram de repente em frente da depoente e seu primo; Que um estava de bermuda e camisa e outro de macacão de alça e camisa; Que ambos eram jovens, que um deles estava com cabelo pintado de amarelo; Que eles chegaram e pediram fósforo; Que a depoente e seu primo disseram que não fumava e não tinham fósforo; Que diante dessa resposta um dos acusados agarrou o braço direito da depoente, procurando levá-la do local; Que o seu primo tentou impedir também segurando o braço da depoente; Que quando eles viram que não iam conseguir levar a depoente esta foi empurrada; Que nesse momento tentou correr para escapar dos agressores; Que de repente sentiu uma dor na perna esquerda e ouviu o barulho de um tiro; Que nesse momento caiu; Que a seguir seu primo veio tentar levantar a depoente e disse que também estava baleado, pois os bandidos haviam atirando nele; Ato continuo o seu primo caiu e ficou no chão; Que a depoente conseguiu se arrastar e gritar socorro; Que haviam umas pessoas próximas que correram para socorrê-la; Que foram alguns rapazes que a socorreram; Que os assaltantes então correram; Que não sabe exatamente qual dos dois atirou na depoente e no seu primo; Que não sabe dizer os nomes dos marginais, pois não os conhecia, pois estava há poucos dias na cidade; Que a depoente estava hospedada na casa de seu pai e tinha ido a Viana para brincar o carnaval; Que seu primo era solteiro, não tinha mulher nem filhos e deveria ter uns quarenta anos de idade; Que acredita que seu primo morreu no local; Que chegou a ser levado para o hospital, mas acredita que já chegou lá morto; Que o tiro atingiu no coração; Que a depoente estava no hospital, mas não ficou internada porque a bala entrou em um local e saiu no outro; Que ficou uma semana sem poder se locomover; Que como seqüela ficou com a perna esquerda dormente, mas com todos os seus movimentos; Que dias depois o delegado de Viana/MA apresentou à depoente as fotos dos assassinos Wellison Muniz Sousa e Laércio Azevedo Penha e que a depoente reconheceu um deles, um moreno, como um dos que praticaram o assalto e mataram o seu primo; Que ouviu falar que os dois marginais eram elementos perigosos e conhecidos da polícia em Viana/MA; Que não pode compreender porque estavam soltos e armados, assaltando cidadão da cidade; Que ouviu falar que só um dos assassinos está preso; Que quando ocorreu o assalto contra a depoente um dos tiros disparados pelos assaltantes atingiu Cláudio Roberto Costa, que estava na calçada de sua casa, verificando o que estava acontecendo; Que soube que Cláudio levou um tiro na virilha e ficou permanentemente incapacitado para o trabalho; Que logo em seguida a depoente voltou para São Luís/MA.” (fls.221/222).
José Cutrim afirmou:
“Que no último dia dezenove de fevereiro (2007), por volta das 23:40 horas, estava em sua casa, nas proximidades da Rodoviária de Viana, onde trabalha como vigia para a Prefeitura. Que o depoente estava saindo de sua casa quando a senhora Josenira lhe falou que havia acabado de ser assaltada e que dois assaltantes haviam lhe tomado um relógio, um cordão e dois celulares, que a Josenira ficou conversando com o depoente esperando um moto-taxista para chamar a policia: que cerca de vinte minutos depois viram um casal passando no mesmo local onde Josenira foi assaltada e viram também os dois assaltantes de Josenira se aproximando do casal; que para defender o casal o depoente decicidiu pedir uma arma para o seu vizinho, mas este lhe falou que já havia vendido; que ao retornar o depoente viu o um dos assaltantes, o mais baixo, segurando no braço da menina, que tentou se livrar e levou um tiro na perna deste mesmo assaltante; que depois do tiro a moça baleada correu pedindo socorro, enquanto seu acompanhante tentou correr também, mas escorregou e foi baleado pelo mesmo homem que atirou na mulher; quem seguida o mesmo atirador deu dois passos pra trás e atirou novamente no rapaz, que caiu logo em seguida; que o depoente ainda gritou para o assaltante não matar o rapaz, mas este respondeu dando dois tiros em direção ao depoente [...] Que na delegacia reconheceu Leleco como um dos assaltantes e como sendo aquele que atirou na mulher e no homem; Que já conhecia Leleco e apenas ouviu comentários de que ele estaria envolvido em crimes; Que não sabe que era o outro assaltante; Que o rapaz baleado morreu; Que depois de atirar no casal, Leleco ainda atirou no indivíduo conhecido como Badaró; Que o depoente nada sabe sobre o crime praticado contra Badaró, mas foi informado por ele próprio que o autor teria sido Leleco [...]” (AP nº 753/07, fls.137/138)
“Que estava em sua casa por volta das vinte e três horas no dia citado na denuncia, quando Josenira chegou falando na porta que tinha sido assaltada [...] que Leleco atirou na direção do depoente duas vezes e depois atirou no rapaz que estava acompanhando a moça assaltada e este depois veio a falecer; que os elementos correram e o depoente foi ver quem era a vitima e o reconheceu como sendo Zé Carlos seu vizinho da rua detrás; que reconhece Leleco como um dos assaltantes e autor dos disparas, inclusive daquele que matou José Carlos porque dançou boi seis anos com o mesmo no boi urubu, portanto conhece bem o seu corpo e o seu jeito. [..] que não dar para descrever o outro elemento, porque quando o depoente deu o primeiro grito o outro elemento fugiu logo e somente Leleco ficou efetuando o disparo [...]” (AP nº 753/07, fls.156/157)
“Que presenciou os dois crimes atribuídos ao acusado Leleco e não tem dúvida de que ele foi o seu autor, pois o reconheceu quando das ações; Que entretanto não sabe dizer quem era o homem que o acompanhava, pois não viu seu rosto; Que viu o momento em que Leleco atirou contra a mulher que acompanhava o sr. José Carlos, atingindo-a na perna; Que viu também quando Leleco atirou contra o sr. José Carlos; Que não tem dúvidas quanto ao reconhecimento do acusado Leleco, aqui presente; Que também foi Leleco quem atirou contra o depoente, mas não o atingiu; Que o homem que acompanhava Leleco não atirou em ninguém [...] Que não reconheceu o segundo homem porque ele correu logo depois do primeiro disparo efetuado por Leleco.” (AP nº 753/07, fl.260)
E José Nelson Pereira acrescentou:
“Que participou das primeiras diligencias realizadas para esclarecerem os fatos narrados na denuncia; QUE baseada nas declarações de Idenilson a policia logo de inicio teve como suspeito Leleco e Laércio; Que o depoente estava presente quando foram lavrados os termos de reconhecimentos de fls. 14 e 17; Que em ambos os procedimentos Josenira e José Cutrim reconheceram Leleco como sendo o autor do crime; QUE não conhecia Laércio, mas pode afirmar que contra LELECO foram feitas varias reclamações na policia por problemas na prestação de serviços eletrônicos, alguns casos por ele se apropriar dos objetos. O Ministério Público não fez questionamento. Dada a palavra ao advogado do acusado LELECO, sob perguntas respondeu: Que LELECO foi preso, por alguns dias, solto e em seguida preso novamente, mas não sabe precisar por ordem de quem; QUE não tem conhecimento de ameaças dos acusados contra as testemunhas.” (fl.141)
Não obstante tudo isso, penso que não há como considerar cada um desses fatos como delito autônomo, a exigir condenações e penas individualizadas, como pretende a acusação.
Conforme remansosa jurisprudência e abalizada doutrina, o latrocínio é crime complexo, decomposto em crime-meio e crime-fim, permanecendo a unidade delitiva.
E isso implica, necessariamente, em duas conclusões: 1) neste caso, mesmo que o delito-meio se apresente sob a forma de múltiplas infrações (morte de José Carlos e lesões corporais em Margarida e Cláudio), há crime único, pois o que Welisson e seu comparsa pretendiam era assegurar o sucesso de sua empreitada criminosa; 2) as graves conseqüências das ações de Welisson e seu comparsa devem ser consideradas na fixação da pena (CP, art.59), não como delitos autônomos.
Acerca do tema, confira-se o magistério de Basileu Garcia, citado por Alberto Silva Franco e Rui Stoco:
“Crime complexo é aquele em cuja composição, ou em cuja especial agravação, figuram fatos que por si mesmos constituem infrações penais.”
Na mesma linha, há muito vêm decidindo as Cortes do Brasil:
“Se há diversidade de vítimas fatais, há um único latrocínio.” (TJSP, RJTJSP 174/328)
“Há crime único, mesmo que o delito-meio se apresente sob a forma de múltiplas infrações (morte de uma pessoas e lesão corporal em outras), já que o delito-fim é um só” (TJSP, RT767/574)
“Há crime único e não crime continuado, (STF, RT 716/532), concurso material (TAMG, RT 748/710) ou concurso formal, devendo o número de vítimas ser considerado nos termos do art. 59 do CP (TJSP, RJTJDP 112/474). Idem, se uma vítima morre e a outra sofre lesões, ficando absorvido o crime de lesão corporal.” (TJSP, RT 685/312)
“Tratando-se o latrocínio de delito complexo contra o patrimônio, a multiplicidade de crimes-meio não altera sua unidade, independentemente da diversidade de vítimas, não se podendo reconhecer, em tal hipótese, a ocorrência de concurso material, mas de crime único, cuja pena-base será agravada a teor do art. 59 do CP” (TAMG – Ap. – Rel. Erony da Silva – j.30.09.1997 – RT 748/710)
“No caso de uma única subtração patrimonial com pluralidade de mortos reportando a unidade da ação delituosa, não obstante desdobrado em vários atos, há crime único, com o número de mortes atuando como agravante judicial na determinação da pena-base.” (TJSP – AC – Rel. Dante Busana – RTJ 146/295). (página do livro 2640)
Por fim, não excede registrar que é de somenos importância o fato de nada ter sido subtraído de José Carlos, Margarida e Cláudio, uma vez que, nos termos do enunciado da Súmula 610 do Supremo Tribunal Federal, “há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima”.
Por todo o exposto, julgo parcialmente procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Público Estadual, para:
1) nos termos do art. 386, V, do Código de Processo Penal, absolver Laércio Azevedo Penha de todas as acusações formuladas nos autos da Ação Penal nº 753/07;
2) condenar Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, pela prática dos delitos tipificados no art. 157, § 2º, I e II, e art.157, § 3º, segunda parte, do Código Penal.
Das penas
Passo, agora, a dosar as penas de Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, nos termos dos artigos 59 e seguintes do Código Penal.
Antes disso, porém, registro que o emprego de arma e o concurso de agentes não são elementares ou qualificadoras do tipo, mas sim causas de aumento de pena, nos termos do art.157, § 20, I e II, do Código Penal. E que a conduta do réu se enquadra no art.69 do Código Penal (concurso material), porquanto, mediante mais de uma ação, ele cometeu os delitos de roubo e latrocínio. Por isso, as reprimendas fixadas para cada delito devem ser aplicadas cumulativamente.
Quanto ao delito praticado contra as vítimas Rainério Costa Mendes e Josenira de Jesus Santos Vieira (CP, art.157, § 2º, I e II)
A culpabilidade do réu resta incontestável, pois, à época dos fatos, contava 27 (vinte e sete) anos de idade, tinha plena consciência de que sua ação era ilícita e, portanto, dele era exigível conduta diversa.
Afora os fatos aqui tratados, nada há nos autos que desabone sua vida pregressa.
Os motivos do crime foram a ganância e o desejo de obter dinheiro fácil.
As circunstâncias do crime lhe são desfavoráveis, notadamente pelo número de vítimas, pela violência empregada contra elas e pelo fato de o delito ter sido cometido na presença de uma criança. O mesmo se diga das conseqüências da prática, haja vista que os bens subtraídos não foram restituídos aos legítimos proprietários.
O comportamento das vítimas em nada influenciou na prática criminosa.
Diante de todas essas circunstâncias, fixo a pena-base em 06 (seis) anos de reclusão e 120 (cento e vinte) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo dos fatos.
Não há atenuantes ou agravantes a considerar, tampouco causas de diminuição.
Devem incidir as causas de aumento previstas no art.157, § 2º, I e II, do Código Penal, razão pela qual elevo de metade as penas de prisão e multa.
Fixo, pois, a pena definitiva a ser cumprida pelo acusado em 09 (nove) anos de reclusão e 180 (cento e oitenta) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo dos fatos.
Quanto ao delito praticado contra as vítimas José Carlos Nogueira, Margarida Pereira Mendonça e Cláudio Roberto Costa (CP, art.157, § 3º, segunda parte)
A culpabilidade do réu resta incontestável, pois, à época dos fatos, contava 27 (vinte e sete) anos de idade, tinha plena consciência de que sua ação era ilícita e, portanto, dele era exigível conduta diversa.
Afora os fatos aqui tratados, nada há nos autos que desabone sua vida pregressa.
Os motivos do crime foram a ganância e o desejo de obter dinheiro fácil.
As circunstâncias e conseqüências do crime lhe são extremamente desfavoráveis, sobretudo devido à violência empregada contra as vítimas, que resultou na morte de uma delas e em graves e gravíssimos ferimentos nas outras duas (debilidade permanente, conforme laudos de fls.08, 09, 55/56 e 57).
O comportamento das vítimas em nada influenciou na prática criminosa. Sua reação foi legítima e não justifica o delito.
Diante de todas essas circunstâncias, fixo a pena-base em 27 (vinte e sete) anos de reclusão e 800 (oitocentos) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo dos fatos.
Não há atenuantes ou agravantes. Inexistem também causas de diminuição ou aumento.
Fixo, pois, a pena definitiva a ser cumprida pelo acusado Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, em 27 (vinte e sete) anos de reclusão e 800 (oitocentos) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo dos fatos.
Do concurso material (CP, art.69)
Conforme já foi exposto, por força do artigo 69 do Código Penal, as penas impostas ao réu devem ser aplicadas cumulativamente. Perfazem, portanto, 36 (trinta e seis) anos de reclusão e 980 (novecentos e oitenta) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo dos fatos.
Absolutamente incabível a substituição das penas privativas de liberdade (CP, arts.44, I, e 69, § 1º).
A reprimenda deverá ser cumprida em regime inicialmente fechado (CP, art.33, § 2º, a, e 3º, c/c art.59, III).
O local de cumprimento será o Complexo Penitenciário de Pedrinhas.
O réu deverá permanecer preso se quiser recorrer, uma vez que assim esteve durante a instrução processual e não seria agora que poderia ser libertado, notadamente porque permanecem as razões que justificaram a decretação de sua custódia cautelar. Malgrado abalizadas opiniões em contrário, penso não haver qualquer ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência (STJ, Súmula 9 ).
Deixo de fixar o valor mínimo referido no art.387, IV, do Código de Processo Penal, porquanto não houve qualquer manifestação das vítimas nesse sentido.
Transitada em julgado esta decisão:
1) Lance-se o nome do condenado no rol dos culpados;
2) Oficie-se à Justiça Eleitoral, com cópia da denúncia, desta sentença e da respectiva certidão do trânsito em julgado, para os fins do artigo 15, III, da Constituição Federal;
3) Expeça-se guia para pagamento da multa arbitrada e intime-se o condenado para pagá-la, no prazo de 10 (dez) dias;
4) Decorrido o sobredito prazo sem que haja o devido pagamento, voltem-me conclusos os autos, para deliberação;
5) Expeça-se Carta de Guia, enviando-a ao responsável pelo Complexo Penitenciário de Pedrinhas, onde a reprimenda será cumprida, com cópia da denúncia, desta decisão e da certidão do trânsito em julgado.
Custas processuais pelo réu Welisson Muniz Sousa, vulgo “Leleco”, na forma da lei.
Expeça-se, imediatamente, alvará de soltura em favor de Laércio Azevedo Penha.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Viana/MA, 05 de dezembro de 2008.
Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa
Titular da 1ª Vara