23 de novembro de 2006

Alegria e tristeza de um juiz do interior

A idéia de que tudo na vida tem um lado positivo e outro negativo não é nova. Mas, nem por isso perdeu a atualidade e a correção, mesmo que dela pouco nos lembremos. Creio que o máximo que se pode fazer em relação a ela é tentar tirar das situações vividas o melhor proveito possível. Ou seja, curtir a alegria da realização, da conquista, do simples fato de viver mais um dia. Sem perder de vista que tudo pode mudar – para pior. Ou então conformar-se com a derrota, com os dissabores. E aprender com os erros e buscar dar a volta por cima, de modo a fazer com que cada dia vivido seja um grande dia, ou simplesmente um dia bom. Sempre com a idéia de que tudo pode mudar - para melhor.
Hoje, 22 de novembro de 2006, estou vivendo um desses dias em que a máxima aqui lembrada se revela absolutamente incontestável. Já passa das nove da noite e estou sozinho em minha casa do interior, depois de quase dez horas de trabalho no Fórum. A parte boa é que exerço uma profissão maravilhosa, faço o que gosto, posso contribuir na construção de um mundo melhor e ainda dar uma vida confortável a quem mais amo. A parte ruim é que minha família e meus amigos estão longe. A solidão é terrível. Entretanto, as contradições do meu dia não param por aí.
Designei para hoje trinta e uma audiências, quinze de manhã e dezesseis à tarde. Considerando que as demandas têm crescido mês a mês e, por isso mesmo, é cada vez mais difícil proferir sentenças em número igual ao de processos novos, tenho que reconhecer que fiquei satisfeito com a produtividade (são, em média, cinqüenta processos novos por mês). Afinal, foi possível celebrar vinte e sete acordos (quatro audiências foram adiadas). Essa é a parte boa: vinte e sete sentenças, vinte e sete processos a menos.
Como já era de se esperar, nem tudo foi assim. Os acordos foram celebrados em ações envolvendo pagamento de pensões alimentícias. E, como é possível imaginar, quase todas as partes envolvidas eram pobres, algumas muito pobres. Mas eu tinha que prosseguir. As mães presentes exigiam uma solução e a lei impõe aos pais o dever de contribuir com o sustento dos filhos. Por sorte, todos reconheceram esse dever e se dispuseram a pagar os chamados alimentos. Essa é outra parte boa. Pena que veio acompanhada de uma não apenas ruim, mas muito ruim: como quase todos os pais não têm emprego ou renda fixa, foram feitos acordos de trinta e cinco, quarenta, cinqüenta reais. Poucos superaram esse patamar.
Quem não conhece a realidade do interior do Brasil e do Maranhão pode até dizer que sou um irresponsável, um louco. Antes fosse, principalmente porque, ao que tudo indica, continuarei a homologar acordos dessa monta. Ao que tudo indica, nada mudará, não enquanto quem pode, ou melhor, quem deve, deixar de agir; não enquanto forem dadas bolsas disso, bolsas daquilo; não enquanto o apoio emergencial for tratado como esmola permanente.
Estou cansado e vou dormir. Quer dizer, vou tentar. Os pensamentos de pai, marido, amigo, magistrado e cidadão fervilham em minha cabeça. Amanhã é outro dia. A dicotomia certamente se repetirá. Deus permita, então, que eu seja a parte boa do dia de alguém.

Mário Márcio de Almeida Sousa – Juiz de Direito e Juiz Eleitoral no Maranhão, membro do Instituto dos Advogados do Maranhão – IAM, Sócio-fundador e membro da primeira Diretoria do Instituto Maranhense de Direito Eleitoral – IMADE.
http://juizmariomarcio.blogspot.com

4 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Mario,

Ao me deparar com o artigo "Alegria e tristeza de um juiz do interior" e lê-lo atentamente, veio à memória as tamanhas frustrações por que passam os operadores do Direito com um todo nesse país afora, obviamente àqueles mais sensíveis e consciente com o Direito em si, expressa veementemente um desenho de conformismo ante a miserabilidade que reina em quase todas relações sociais, sobretudo no modelos sociais de um liberalismo econômico endêmico,secular e deveras descompromissado com qualquer política de destribuição de renda nos países ditos capitalistas periféricos, onde a pobreza, a desigualdade, o egoísmo, a ambição, a inveja, a concorrência e o preconceito, são valores do dia a dia imperados no meio social com metodologias de sobrevivência na selvas urbanas e interiona. Que pese as minorias diferentes que, em face desta opção, não passam de seres humanos depressivos,angustiados e "algemados" pelas armarras de um sistema frio e desumano que a tudo planeja para se perpetuar nos quatro cantos do mundo.Não sei se dverias mudar o tema do artigo, pois me parece que algo relacionado com as colocações acima, poderia soar melhor, o que esse nobre ser humano e magistrado, quis, colocar. Só te peço uma coisa: não se renda, não se frustre, mostre-se sereno e grande emissário em tuas práticas diárias, ainda que reprodutodas de uma relação de exploração do homem pelo homem, mas procure fazê-los ver que, antes de tudo, "somos todos iguais, braços dados ou não...".
Sebastiaouchoa@sejuc.ma.gov.br

Anônimo disse...

Correção ao comentário do artigo produzido pelo juiz Mario Marcio

Ao me deparar com o artigo "Alegria e tristeza de um juiz do interior" e lê-lo atentamente, vieram à memória as tamanhas frustrações por que passam os operadores do Direito como um todo nesse país afora, obviamente àqueles mais sensíveis e conscientes que o Direito em si, expressa veementemente um desenho de conformismo ante a miserabilidade que reina em quase todas relações sociais, sobretudo no modelos sociais de um liberalismo econômico endêmico,secular e deveras descompromissado com qualquer política de destribuição de renda nos países ditos capitalistas periféricos, onde a pobreza, a desigualdade, o egoísmo, a ambição, a inveja, a concorrência e o preconceito, são valores do dia a dia imperados no meio social como metodologias de sobrevivência na selvas urbanas e interiona. Que pese as minorias diferentes que, em face desta opção, não passam de seres humanos depressivos,angustiados e "algemados" pelas armarras de um sistema frio e desumano que a tudo planeja para se perpetuar nos quatro cantos do mundo.Não sei se dverias mudar o tema do artigo, pois me parece que algo relacionado com as colocações acima, poderia soar melhor, o que esse nobre ser humano e magistrado, quis, colocar. Só te peço uma coisa: não se renda, não se frustre, mostre-se sereno e grande emissário em tuas práticas diferentes diárias, ainda que reprodutodas de uma relação de exploração do homem pelo homem, mas procure fazê-los ver que, antes de tudo, "somos todos iguais, braços dados ou não...".
Sebastiaouchoa@sejuc.ma.gov.br

Anônimo disse...

Querido Juiz,

Ontem li no jornal pequeno, trechos de sua postagem para o blogger, lembro-me que quando tinha 19 anos, consegui um emprego em uma comarca do interior por quase 2 meses. Mesmo com a relutância de meus pais, eu fui ao município de Araioses trabalhar com a Dr. Lavinia Helena Macedo Coelho, nos primeiros dias,a vontade de voltar ao conforto de minha casa me fazia chorar, me perguntava porque estava ali e a imaginava que não tinha porque está naquele lugar se tinha um lar onde tinha de tudo. Chorei muito, mas algo no fundo me dizia que aquele seria o primeiro de um grande aprendizado.
Hoje me sinto uma menina mais preparada para vida , aqueles 2 meses longe significaram muito e hoje sei o valor da presença da minha família e dos amigos.Hoje aos 21 anos, sei o seu real valor .
Espero que onde estiveres, possa ser grato pelo seu cargo, quantos não queria estar nesta cadeira??? Eu sou uma...rsrs. e agüenta firme, um dia estarás na 4º entrancia, feliz e respeitado pela sociedade.
Que DEUS o abençoe!
Felicidades

Anônimo disse...

Bom Dia Dr.

Venho através deste comentário, primeiramente lhe prestigiar diante da divulgação de suas idéias, das quais ajudam e aproximam á todos, de todas as suas idéias aqui expostas, preferencialmente escolhi esta, pois está sendo de grande utilidade para mim. Estou cursando o segundo semestre do curso de Direito, ao ter que elaborar uma apresentação, utilizando o texto de João Baptista Herkenhoff "Objeto da Investigação Presente", pude observar alguma semelhança nesse seu texto, semelhança esta que está enriquecendo minha apresentação, contudo, peço ao Dr. que, se não for muito inconveniente, me envie mais detalhes de como é ser recebido pela população do interior, como a comunidade destina toda admiração que neles contém por alguém com tamanha importância na sociedade.

Desde já lhe agradeço por antecipação.

Mayara Souza

e-mail: xuxinha-88@hotmail.com