31 de outubro de 2006

Cautela e canja de galinha

Quando eu ainda cursava o sétimo período da faculdade de Direito da Universidade Federal do Maranhão, um colega de turma escreveu em um jornal estudantil algo mais ou menos assim: “A democracia é como uma mulher ordinária, que passamos a desprezar tão-logo a conquistamos”. Tomado pela indignação, manifestei-me afirmando que a democracia não é, nem de longe, como uma mulher ordinária. Ela é - e deverá sempre ser - como aquela que escolhemos para casar: não precisa ser pura em seu passado, mas deve ser clara e transparente quanto ao futuro que quer construir. Quem a desvirtua não é ela própria, mas sim aqueles que a conduzem com tratamento “ordinário”.
Passados quase dez anos, minha crença no “governo do povo” não apenas se manteve, ela cresceu, assim como a convicção de que há muito ordinarismo por aí. Embora muitos digam que o Brasil ainda caminha a passos lentos rumo à democratização plena, penso que alcançamos, sim, um elevado nível de democracia. Mais que isso: acredito que a plenitude é inalcançável e é bom que assim seja, pois nessa seara o aprimoramento e a evolução devem ser constantes, sobretudo porque as pessoas e os tempos mudam. Para ficar apenas em um exemplo do nosso atual estágio democrático – aquele que de fato interessa às breves reflexões que pretendo desenvolver -, cito a liberdade de expressão e o tão falado nepotismo. É bem verdade que aqui e acolá ainda se vêem algumas tentativas de censura. Mas, ainda assim, ninguém pode deixar de reconhecer que no Brasil se fala de tudo, de todos e de qualquer modo, mesmo quando não se entende bulhufas daquilo que se está a comentar, mesmo quando não se tem nenhuma prova do que se está a dizer, mesmo quando não se acredita naquilo que se está a defender.
No caso da Resolução nº 07 do Conselho Nacional de Justiça, que sepultou o nepotismo no Poder Judiciário, como já era de se esperar, brotaram manifestações de apoio as mais exaltadas e, como não poderia deixar de ser, muitas delas partiram de premissas absolutamente equivocadas e outras tantas de intenções pouco nobres. Quem tem um mínimo conhecimento dos fundamentos da Constituição e do Estado brasileiros não pode jamais argumentar que a decisão do chamado “Conselhão” foi despropositada. Como estava decerto não poderia ficar. Todavia, não temo dizê-la exagerada, como igualmente exagerada é a proposta contra o chamado nepotismo cruzado ou transnepotismo.
Antes que alguns me recomendem à forca, explico-me.
Quando me casei, há quase cinco anos, meu sogro já havia sido deputado federal e secretário estadual, bem como ocupado inúmeros cargos na Administração Pública. Em todas essas atividades, sempre carregou consigo a marca indelével da probidade e da competência, tanto que gozou e ainda goza de prestígio e respeito mesmo dentre aqueles que pertencem a grupos políticos diversos. Em que pese isso, se vingarem os discursos eleitoreiros e demagógicos que se ouvem por aí, minha realização profissional representará o fim da carreira pública do meu sogro. Seria um completo absurdo!
Com efeito, não se pode perder de vista que na organização político-administrativa do Estado brasileiro há um sem número de cargos eminentemente políticos e, por isso mesmo, providos sem a necessidade de concurso público. E que há famílias inteiras de homens e mulheres públicos com carreiras completamente independentes e que ficarão alijados do processo de condução dos rumos da nação se tudo caminhar no sentido atual. Seria justo? Seria razoável? Penso que não. Melhor seria disciplinar com rigor a matéria, mesmo porque a opinião pública já revelou o que pensa e combateria firmemente abusos como aqueles dantes cometidos.
De mais a mais – já diria um caro amigo -, como no exercício do poder quase nunca se constroem relações leais e sinceras, estaria eu faltando com a verdade se dissesse que não gostaria de contar com alguém da minha família – e, portanto, da minha absoluta confiança – para me acompanhar caso eu ocupe outros cargos na carreira. E não venham alguns com essa conversa de que os parentes devem ser substituídos por pessoas dos quadros da Administração. Confiança é confiança. Que se mudem então a nomenclatura, a natureza e o regramento dos cargos.
O assunto é polêmico e tenho consciência da repercussão que podem ter minhas opiniões, especialmente porque sou um jovem magistrado e o espaço não comporta discussão mais aprofundada. Mas acredito no debate e por isso resolvi externar o que penso. Torço apenas para que a discussão seja situada no campo das idéias e que oportunistas de plantão delas não se valham para auto-promover-se ou para me achincalhar.
O país prescinde de discursos vãos e mentes idem. É hora de cautela – e canja de galinha, se der.
Em tempo: lei é lei e eu sou magistrado. E, para o bom entendedor, meia palavra basta.
Juiz Mário Márcio de Almeida Sousa
(Artigo escrito em março de 2006)

Um comentário:

Anônimo disse...

MM. Juiz
Excelente Materia.
Estive no seu estado viagem de trem de São Luiz a Paraupebas.
Descobri que para ser feliz precisamos de muito pouco.
agora a felicidade de saber que os politicos sabem da existencia daquele povo, e poderá quiçá, deixá-los mais feliz.
Atenciosamente
Nair Elias