4 de julho de 2009

Magistratura ajoelhada

Segue um desabafo. Espero que fomente a reflexão

Quando eu ainda era um adolescente, meu querido tio Sinval me ensinou que quem fala muito dá bom dia a cavalo. Embora tenha concordado com a máxima desde o primeiro momento, devo confessar que sempre tive dificuldade de exercitá-la. Muitas vezes não cumprimentei um cavalo, fui o próprio – talvez isso explique este texto. Para tentar serenar esse ímpeto animalesco, recorri a muitas coisas. Mas somente encontrei as explicações que buscava na obra Sobre a tagarelice, do filósofo Plutarco. Recomendo a leitura, pois ela ajuda a compreender que não se deve censurar à natureza por ter dado aos homens uma só boca e dois ouvidos.
Passo, pois, ao mérito, como se diz na linguagem judicial.
Em 2004, o Poder Judiciário passou por aquilo que se convencionou chamar de Reforma do Judiciário. Do ponto de vista prático, a alteração mais significativa foi, sem dúvida, a criação do Conselho Nacional de Justiça. Desde o início apoiei a idéia, principalmente por acreditar que o Conselho seria de grande valia para a construção de um Poder Judiciário capaz de fazer aquilo que talvez seja sua finalidade precípua e mais nobre: distribuir justiça e promover, na medida do possível, a pacificação social. Passados quase cinco anos, são inegáveis os avanços decorrentes da atuação do CNJ, como a proibição do nepotismo, por exemplo.
Em que pese isso, ouso dizer que, a pretexto de “fazer o Judiciário funcionar” e “dar uma resposta à sociedade”, o CNJ tem-se excedido, tanto ao avançar em áreas que não lhe dizem respeito, como ao estabelecer metas e cobrar resultados que sabidamente não podem ser alcançados, não com as condições atuais da maioria dos Fóruns deste país continental – e por isso mesmo multifacetado. A propósito, convido a todos que desejarem a visitar o Fórum da Comarca de Viana, no Maranhão. Lá, em menos de um minuto é possível constatar que, para “fazer o Judiciário funcionar”, não bastam discursos, pactos disso e daquilo. Como se diz por aí, de boas intenções o inferno está cheio.
Com o devido respeito, somente alguém sem a menor noção do que é a atividade de um juiz pode crer que, em menos de um ano, os magistrados e magistradas brasileiros conseguirão julgar todos os processos distribuídos até 31 de dezembro de 2005. É a chamada Meta II, constante da Resolução n0 70, de 18 de março de 2009. Ressalte-se que pouco importa que o atual titular do juízo não tenha contribuído para o atraso!
Não bastasse o absurdo em si, ele já deu crias. Para iniciar esse megalômano feito, os juízes brasileiros foram instados a informar, até 5 de julho de 2009, a quantidade de processos incluídos na Meta II. Poucos dias depois, uma mente brilhante decidiu que tantas outras informações deveriam ser prestadas. Resultado: será necessário rever todos os processos. E no mesmo prazo. Imagine-se a loucura para cumprir essa metinha com um quadro reduzido de servidores, sem espaço para separar os autos e, principalmente, tendo que manter o atendimento ao público e as audiências. Ah! Quase esqueço de mencionar que, dias antes de requisitar as informações relativas à Meta II, o CNJ havia determinado o preenchimento de um questionário, o que implicou na análise de todos, todos os processos existentes na vara!!!
Pior de tudo é que, salvo raras exceções, aqueles que poderiam reagir institucionalmente nada dizem, nada fazem, sequer reclamam. Sinceramente, não sei como interpretar essa postura. Como diria Martin Luther King, “o que preocupa é o silêncio dos bons”.
É evidente que algo deve ser feito para acabar ou pelo menos diminuir a chamada “taxa de congestionamento” da Justiça nacional. Todavia, essa luta não pode ser travada sem a preservação da qualidade das decisões. Justiça tardia é injustiça. Justiça rápida demais é irresponsabilidade. Como escrevi noutra oportunidade, estatística positiva é importante, mas eu estudei e estudo para dar prevalência às pessoas, não aos números.
Por óbvio, não estou a defender que juízes não tenham metas de desempenho, até mesmo porque já as temos. Tanto assim que, há anos, eu e muitos valorosos colegas Brasil afora temos conseguido proferir sentenças em número maior que o de processos novos - Deus sabe a que custo. Defendo, sim, que não incorramos na nefasta prática de prometer aquilo que não poderemos dar; que não coloquemos todos os magistrados na vala comum da inoperância, da falta de compromisso com a nobre e honrosa tarefa de julgar; que sejamos cobrados, enfim, na medida das condições que nos forem ofertadas.
É hora de encerrar. Creio que já relinchei demais. Que me perdoem, então, os magistrados e magistradas sérios, probos, dedicados e trabalhadores do Brasil, mas o meu sentimento, meu triste sentimento é de que a magistratura brasileira está de joelhos. De joelhos diante de um Conselho que não aconselha, não orienta, cobra sem oferecer condições e, sobretudo, não considera, como ensina a sabedoria popular, que cada caso é um caso.

4 comentários:

Anônimo disse...

Excelente reflexão de um dos juízes que dignificam a magistratura maranhense. Os equivocos do CNJ são seguidos, infelizmente, pelo CNMP e "os bons ficam em silêncio".
Parabéns pelo blog e pelos sempre lucidos e sinceros artigos.
Sandro Lobato

Anônimo disse...

Oi Mário! seu texto foi reproduzido no Blog de um colega Amazonense (Diário de um Juiz), por isso resolvi vir aqui deixar um comentário. De fato a falta de estrutura com a qual nos deparamos no dia-dia, acrescida de inúmeras cobranças e intermináveis relatórios a serem enviados on-line, de onde o acesso à internet é precário, por vezes inexistente, faz brotar essa sensação de desânimo,normal em seres humanos, que muitos, jocosamente, dizem se autodenominarem "deuses". Felizmente vários magistrados como nós encontram forças para continuar e fazer o melhor para desempenhar esse sacerdócio, ainda que com parca estrutura. Sucesso na empreitada. Deus nos ajude sempre.
Dinah Fernandes

Anônimo disse...

Caro colega, compartilho com o pensamento.
Parabéns. Gostaria de postar no meu blog este post, assim como o fez o colega Carlos Zamith (Diário de um Juiz).
Deus nos abençoe
Precisamos muito Dele
George Lins

http://georgelins.com

Anônimo disse...

Oi amigo!

Muito legal!
Não queremos perder contato, mas perdemos seu telefone! Escreva pra gente!
planejamento.de.obra@hotmail.com
Bel e Anderson